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O livro é um objeto cultural situado num tempo e altera sua forma e recepção de acordo com as interações sociais em que é apresentado. Os primeiros clássicos da literatura infantil tiveram sua origem nos contos de fadas e no folclore oralmente transmitidos entre as camadas populares.

As obras da literatura infantil levam significados desde as viagens imaginárias até a elevação para outros mundos. Acrescenta-se, ainda, o fato de que a estética literária influencia até a questão educativa, pois faz parte das mudanças da faixa etária do público infantil. Entre as obras ditas clássicas que foram transcritas, visando o universo infantil, podemos destacar como pioneiras os textos de La Fontaine e de Charles Perrault, adaptações de textos originalmente coletados entre os camponeses na Europa.

Segundo Zilberman (2003, p. 15), na Europa, os primeiros livros para crianças foram produzidos no final do século XVII e durante todo o século XVIII, diante da distinção entre o setor privado e a vida pública. Antes disso, a infância não era vista como uma fase da vida, por isso não havia textos voltados a esse público.

Também, não podemos pensar que a circulação de livros era plena entre os adultos, pois as relações econômicas sempre permearam a recepção de livros. Conforme Machado (2002, p. 18), tradicionalmente, a leitura destinava-se a poucos, pois era um elemento de poder e ameaçaria as minorias poderosas, as quais anteriormente estavam próximas aos acervos. Com a circulação de livros, muitas informações e questionamentos poderiam incitar novas ideias na população. Estratégias refinadas, com materiais caros, compunham os elementos paratextuais que elitizavam o acesso aos livros, como podemos ver na edição para crianças,

[...] se há uma data significativa no desenvolvimento da edição de livros para crianças é 1744, ano em que o britânico John Newbery (1713-67) produziu, pela quantia de seis pence, A Little Pretty Pocket-Book, descrito por ele como “encadernado e banhado a ouro com capricho”. (POWERS, 2008, p. 10).

Referência de um marco na produção de livros destinados à infância que nos remete a um contexto demarcado pelas desigualdades, em que a leitura era restrita a uma parte da população, tal situação instiga-nos a refletir sobre a relevância do acesso aos livros no decorrer do tempo. As suas formas, que compõem nosso objeto de estudo, os paratextos, alteraram também os meios de acesso aos livros.

Na Idade Moderna, consoante Zilberman (2003, p. 15), as necessidades mudaram e uma nova concepção de infância surgiu. Nesse novo cenário, há uma estrutura unifamiliar, a qual tem como características a preservação dos filhos, a centralidade da atenção materna na formação dos descendentes, de maneira que a criança deve ter assegurado o seu espaço na sociedade. Destaca-se, ainda, que a escola foi reformulada, ampliando sua visão frente à criança e abrindo espaço para o nascimento da literatura infantil. Nesse novo contexto, há o intuito de ensino, contribuindo para a preparação da elite cultural, com a adaptação dos clássicos da literatura para o leitor mirim.

Zilberman (2004, p. 11) expõe que, no Brasil, as primeiras obras escritas para o destinatário mirim aconteceram aproximadamente no século XIX para o século XX. A autora explica que muitos escritores que intencionavam escrever para crianças seguiam o mesmo caminho percorrido na Europa, delineados pela lei de Lavoisier, “nada se cria, tudo se transforma”. Por isso, traduziam obras estrangeiras, adaptavam livros destinados a adultos, reutilizavam material didático e apelavam para o conhecimento da história popular. Nessa época, os cuidados relacionados à infância, muitas vezes, eram atribuídos às escravas, ou amas de leite, que tradicionalmente transmitiam narrativas por via da fala, o que impulsionou muitos autores a publicarem o que se aproximava das crianças.

Aproximadamente em 1822, um século depois do primeiro livro para crianças ser editado na Inglaterra, em conformidade com Zilberman (2016, p. 24), os primeiros livros a circularem em território brasileiro foram O Tesouro para meninos e Leitura para meninos; a pesquisadora acrescenta ainda que

[...] encontrou seu público, talvez, entre os adultos que procuravam livros para ensinar as crianças a ler e adquirir bons modos e padrões morais, e isso em uma obra provavelmente adequada à faixa etária dos consumidores (ZILBERMAN, 2016, p. 24).

No momento histórico que data a publicação das obras citadas, o Brasil era colônia de Portugal e a escolarização não era obrigatória, o que fundamentava o uso de livros nas famílias com intuito moralizante.

O viés de formar os jovens via literatura infantil, advindo do Ocidente, propiciou que, por muitos anos, conforme os ensinamentos de Zilberman (2004, p. 17), assim fosse realizada a constituição do ensino e da leitura. O europeu Carl Jansen, jornalista e professor de 1880 a 1890, traduziu e adaptou clássicos para a juventude, como As mil e uma noites, Dom Quixote de la Mancha, entre outros. Em concomitância, o brasileiro Figueiredo Pimentel trouxe o conto de fadas europeu com a publicação de Os contos da Carochinha e outros livros religiosos com intuitos pedagógicos e normativos. Contudo, Monteiro Lobato rompe esses moldes, especialmente com o aproveitamento do folclore, introduzindo a ficção na realidade do leitor da época. Essas produções continham ainda como características a utilização do meio rural, com personagens infantis como heróis, possibilitando ao leitor identificar-se com as peripécias veiculadas pelo enredo. Também permeou suas histórias com o folclore, como a Mula sem Cabeça, Saci Pererê, entre outras.

Lobato procurava provocar seu leitor com fantasia, respeitando o universo infantil. Ao mesmo tempo, seus textos possuíam um caráter formativo, colocando o leitor em harmonia com a realidade da época, fazendo-o perceber peculiaridades locais e históricas. Essas tramas eram tecidas de forma emancipadora ao identificarem-se com os personagens principais, com ideais igualitários, como, por exemplo, o petróleo no Sítio de Dona Benta, que trouxe prosperidade e lucro para toda a região, não só para a proprietária.

Zilberman (2003, p. 149) destaca como um aspecto relevante nos livros destinados à infância, para manter o reconhecimento do leitor com os personagens, o fato de que o escritor não pode tornar as circunstâncias incompreensíveis. Os personagens devem ser ativos como o destinatário, caso contrário essa circunstância acabará limitando a atuação do herói. Percebemos, neste contexto, o aspecto singular nos livros destinados às crianças, pois a complexidade não pode

fugir da percepção do público em questão, mas também pode fazê-lo procurar novas perspectivas.

Posteriormente, Carlos de Marigny expos as contradições da sociedade, destacando o realismo para o gênero, o que dificulta para o leitor infantil a interpretação devido aos seus poucos conhecimentos prévios que o tema exige na leitura. Tal autor emprega diferentes caminhos para escrever literatura infantil, buscando fugir dos meios que Monteiro Lobato criou. Aliás, Zilberman (2003, p. 151) aponta que Lobato esgotou suas formas narrativas em suas histórias

Nas décadas de 1970 e 1980, houve mudanças significativas nos livros literários infantis; os autores passaram a levar seus personagens clássicos, como bruxas, fadas, madrastas, moças pobres, príncipes, entre outros, para a inserção no universo dos temas contemporâneos. Zilberman (2004, p. 57) argumenta que na obra de Fernanda Lopes de Almeida, intitulada A Fada que tinha ideias, tais aspectos começam a permear a inventividade nas obras literárias infantis: “a rebeldia se manifesta de modo simpático e conquista, de imediato, o leitor, que, como ela é levado a contradizer a autoridade e a questionar a tradição”, assim começando a surgir formas de questionar sistemas políticos autoritários.

Zilberman (2003), do mesmo modo, salienta que outros autores se valem de elementos clássicos da literatura para dar novas construções aos livros literários infantis, como A fada desdentada, de Eliane Gamen, e Onde tem bruxa má, tem fada, de Bartolomeu Campos Queirós. Destacamos, ainda, que Pedro Bandeira, em O fantástico Mistério de Feiurinha, aproxima personagens tradicionais, como a Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, para que Feiurinha traga questionamentos acerca das formas como eram tratados os “esquecidos” pela sociedade no momento.

Os livros destinados à infância sofrem adequações no modo como são redigidos, na forma dos elementos que o constituem são apresentados. Nesse sentido, no próximo tópico, pesquisamos alguns segmentos que constituem os livros literários infantis, mais especificamente, elegemos os paratextos. Os livros infantis serão tomados com base nos paratextos, com vistas a compreendermos a relevância de alguns cuidados em relação a obras destinadas ao público mirim.