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Na escola pública, as condições financeiras que permeiam o orçamento para compra de bens materiais e culturais são dependentes de planejamentos cuidadosos, respeitando demandas por recursos condicionados ao apoio e à revisão dos órgãos mantenedores, como a Secretaria de Educação Municipal, Estadual e/ou da União. Essa questão perpassa, principalmente, a compra de livros, uma vez que algumas necessidades materiais para a permanência e bem-estar físico dos estudantes emerge com maior urgência aos olhos dos gestores. Nesse sentido, programas de distribuição de livros, como o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), facilitavam o acesso às obras literárias, o que, de acordo com Ramos (2013, p. 143), seria “[...] uma estratégia que possibilitaria ao estudante de toda escola pública, independentemente da sua condição social e cultural [...]” garantia de acesso à literatura.

O Programa foi reformulado a partir do Decreto nº 9099, de 18 de julho de 2017, quando o PNBE deixa de existir e a ação passa a integrar o Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD), que assume a responsabilidade de avaliar e distribuir as obras a serem destinadas às instituições escolares.

O objetivo do PNBE é democratizar o acesso aos bens culturais. O programa visa a distribuição de obras literárias que pudessem contribuir para a formação de leitores, oportunizando aos estudantes a interação com a cultura letrada. Nessa direção, Ramos (2003, p. 13) alerta que “[...] a literatura destinada à criança surge como um recurso que auxilia na educação dos pequenos, atuando como um reforço à família e à escola na formação do homem”. Assim, a educação literária potencializa a interação da criança com os bens culturais da sociedade, ultrapassando os muros da escola e auxilia a ampliação de experiências por meio dos livros.

O PNBE–2014 foi executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento (FNDE) junto com a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação. Esse Programa foi criado em 1997, na tentativa de adequar-se às necessidades da Educação Básica. Nos últimos editais, adquiria e distribuía obras literárias para a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e para os ambientes escolares que ofertassem Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Especial.

Os recursos orçamentários para a compra dos acervos literários do Programa vinham da União e da arrecadação do salário-educação. De acordo com o FNDE, em 2014, os gastos para adquirir as obras do Ensino Fundamental I, 1º ao 5º ano, foram R$ 31.616.454,48, atendendo cerca de 13.226.845 estudantes, com 5.599.737 livros distribuídos. Para a seleção dos livros, porém, o Edital de convocação 04/2012 – CGPLI, iniciava o processo de inscrição e escolha de obras de literatura para o Programa Nacional Biblioteca na Escola. O documento estabeleceu alguns critérios para adquirir as obras, como veremos a seguir, com requisitos quanto à seleção dos livros destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental:

3.2.3. Categoria 3: para escolas que atendem alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental:

3.2.3.1. Textos em verso – poema, quadra, parlenda, cantiga, trava-língua, adivinha;

3.2.3.2. Textos em prosa – pequenas histórias, novela, conto, crônica, teatro, clássicos da literatura infantil;

3.2.3.3. Livros de imagens e livros de histórias em quadrinhos, dentre os quais se incluem obras clássicas da literatura universal, artisticamente adaptadas ao público dos anos iniciais do Ensino Fundamental; [...]

4.3. Categoria 3: Para as escolas que oferecem os anos iniciais do Ensino Fundamental serão formados 4 (quatro) acervos distintos, com 25 (vinte e cinco) obras cada, num total de 100 (cem) obras. (BRASIL, 2012, p. 2-3).

Os critérios para seleção das obras, definidos por edital próprio, atendem a obras da literatura infantil, em um amplo acervo com livros de prosa, imagens, híbridos, histórias em quadrinhos, contos, crônicas, entre outros, delineados por segmentos que norteavam a escolha das obras para compor o acervo de cada modalidade de ensino. Esse documento indica-nos que existia a busca pela qualidade das obras enviadas para as escolas brasileiras.

A seleção das obras era realizada por Instituições de Ensino Superior embasadas nos critérios de qualidade previstos nos editais. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), coleta amostras e faz o controle de qualidade das obras, baseadas nas normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Por meio da normatização do Sistema de Gestão da Qualidade (ISO), há a gestão de qualidade e de manuais de procedimentos de ensaio pré-elaborados.

Entretanto, de acordo com Ramos (2013, p. 13-14), “[...] na escolha de obras para o leitor mirim, é fundamental observar a presença de um caráter artístico, a fim de contribuir para a formação de um repertório que ultrapasse a literatura de massa. Esse é um critério para a formação dos acervos do PNBE”. O contato com esses acervos favorece, ainda, o desenvolvimento de meninos e de meninas para que possam compreender os usos socais da escrita. Assim, as obras literárias infantis são formadas por textos verbais e/ou ilustrações que exigem atenção do leitor para a sua interpretação. Aliás, os segmentos de qualidade dos livros literários ofertados pelo Programa pressupõem a qualidade do texto como condição para a seleção da obra, ou seja, os livros devem contemplar elementos, como:

[...] as possibilidades de fruição estética e a ampliação do vocabulário dos leitores, de acordo com sua faixa etária e nível de letramento, ao lado da multiplicidade de gêneros e da consistência e coerência textual e discursiva das obras. (MOTA, 2012, p. 309).

Os títulos selecionados pelo Programa exigem do leitor o estabelecimento de reflexões sobre os elementos presentes na obra para a fluência na leitura. Assim, eles podem ter apenas imagem ou apenas palavra, ou híbridos. Nesses casos, a

coerência na linguagem da produção das obras é essencial para que o leitor interaja com o objeto cultural e o compreenda, uma vez que o aspecto verbal da obra precisa ser revelado. Ademais, os livros literários infantis podem ter dois registros textuais, as ilustrações e as palavras. De acordo com Mota (2012, p. 310), livros com “[...] esses dois registros textuais precisam dialogar coerentemente entre si na unidade que constitui a obra”, para que haja sentido na análise do texto.

Nesse sentido, a coerência na produção da obra está vinculada à seleção dos livros ofertados pelo PNBE. Encontramos indícios de coerência no Edital para seleção das obras, o qual textualmente indica: “distribuição equilibrada de texto e imagens; interação das ilustrações com o texto, artisticamente elaboradas” (BRASIL, 2012, p. 3). Tal trecho permite o entendimento de como é importante o leitor ter acesso a livros que passaram por exigência de qualidade e coerência entre os elementos que compõem a obra.

Ainda sobre o processo de avaliação das obras selecionadas pelo PNBL 2014, segundo o Edital 04/2012 – CGPLI e os critérios de seleção mencionados no Anexo 2. Quanto ao tema, notamos a relevância de levar em consideração aos interesses da faixa etária, o que incita novas leituras ao ampliar o universo do público a que se destina a obra escrita. Além disso, existe a exploração artística dos temas, acrescentando a isso a não aceitação de didatismos de alguns materiais de ordem impressa. Nessas produções literárias investigadas, percebemos, também, características próprias da literatura, como o senso crítico ao moralismo, o preconceito, a criação de estereótipos de papéis vivenciados na sociedade ou, ainda, a discriminação que ocorre em meio de convívio comum. Quanto aos elementos paratextuais, destacamos conforme edital:

O projeto gráfico será avaliado quanto à adequação e expressividade nos seguintes aspectos: apresentação de capa criativa e atraente, apropriada ao projeto estético-literário da obra; uso de tipos gráficos, espaçamento e distribuição espacial adequados aos diferentes públicos de leitores; uso de papel adequado à leitura e ao manuseio pelos diversos públicos e pertinência das informações complementares. A presença de erros de revisão e/ou de impressão comprometerá a avaliação da obra.

[...]

A biografia do(s) autor(es) deverá ser apresentada de forma a enriquecer o projeto gráfico e promover a contextualização do autor e da obra no universo literário. (BRASIL, 2012, p. 2-3).

Ao observarmos, porém, o Edital 04/2012, do FNDE, entende-se a obrigatoriedade de alguns elementos paratextuais, nas obras literárias infantis

selecionadas para o PNBE – o que também nos remete à relevância dos paratextos na recepção e na leitura dos livros. O projeto gráfico apontado nos segmentos de seleção busca, ainda, a adequação à estrutura esperada para as obras literárias destinadas ao público leitor, bem como informações complementares que contextualizam a leitura.

Nesse sentido, a seleção das obras a serem destinadas ao público infantil merece um cuidado especial com relação à capa, no projeto de editoração. Como vimos, a capa é o primeiro contato do possível leitor com o livro; entretanto, se houver exagero na apresentação da obra, tendo elementos incoerentes com o texto na

[...] tentativa de atrair o leitor, o projeto gráfico termina emprestando excessiva modernidade à capa, contrariando o interior do livro. O inverso também acontece, ou seja, livros com capas excessivamente sóbrias, sem nenhum convite à curiosidade do leitor, apesar de trazerem histórias para lá de divertidas. (MOTA, 2012, p. 310).

A leitura cuidadosa por parte dos avaliadores das obras é exigência do edital, o que nos permite relacionar os critérios de seleção do PNBE 2014 à existência de segmentos vinculados aos paratextos que preconizaram a qualidade das obras destinadas às escolas. Nesse sentido, o Programa prevê aos estudantes acesso a livros literários infantis que passaram por avaliações norteadas por um processo criterioso, o que, como havíamos levantado no início deste tópico, muitas vezes não acontece na escola, pois o critério

[...] dos estabelecimentos de ensino para a compra de livros, quando há verba, é, geralmente, o preço do exemplar, em virtude da preocupação com a quantidade, ou seja, com a ampliação do número de exemplares. E o livro literário para criança tem preço elevado, devido a aspectos como o tipo de papel utilizado, a presença de cores variadas no projeto editorial, a gramatura do papel, entre outros. (RAMOS, 2008, p. 48).

A produção de livros literários infantis envolve também custos para a produção, sendo que a construção dos elementos paratextuais exige sensibilidade e conhecimento sobre os detalhes da obra, o que torna seu custo um tanto elevado. Dessa forma, o PNBE assegurava a chegada de livros literários às escolas inscritas no Censo Escolar.

Entretanto, a disponibilidade das obras às instituições não garantia a interação dos estudantes com os livros literários infantis. Nesse sentido, a educação

literária contempla olhar sensível dos professores e dos gestores às especificidades do processo da formação de leitores, com uma mediação de leitura literária que familiarize o estudante com as obras.

De acordo com Ramos (2013, p. 14), “[...] gostos e preferências têm relação direta com aprendizagens. O mesmo ocorre com a leitura e, se a escola não tomar a si o papel de formadora do leitor literário, o que acarreta na continuação de ter leitores apenas de best-sellers”. Assim, não basta os livros literários estarem nas escolas sem que haja a mediação da leitura, além da interação do estudante com o livro em sua experienciação do processo de leitura. Essa questão exige de professores, gestores e professores que trabalham na biblioteca da escola ações que os aproximem dos leitores da literatura. O contato inicial para que haja investimento na formação do leitor é planejado, sofre mediação. Além disso, a autonomia do estudante deve ser trabalhada cotidianamente, pois as relações de prazer pela leitura são estabelecidas pelo que já é familiar ao sujeito; se ele não conhece a leitura literária, tampouco sentirá vontade de acessá-la no cotidiano.