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Literatura para a infância e educação para os direitos linguísticos e culturais

Capítulo II Educação para os direitos

3. Literatura para a infância e educação para os direitos linguísticos e culturais

De acordo com o que Pires (2000) afirma, “Os bons livros infantis são meios através dos quais, os pequenos leitores, devido ao desenvolvimento da imaginação e às emoções que a leitura neles provoca, estabelecem formas de relação e de participação no mundo bastante diferentes das suas.” (p. 315), considerando, desta forma, a literatura para a infância um fator de elevada importância para o crescimento da criança nos mais diversos níveis (intelectual, social, pessoal, etc.).

Educar pela literatura para a infância contribuirá também para um enriquecimento da criança enquanto ser social e cultural uma vez que

“de uma perspectiva cultural, a literatura infantil constitui a criação de um espaço cultural e educativo específico de textos (escritos ou multimédia) para crianças, rodeada de práticas culturais: de crítica literária, de interpretação dos textos, de comentário das implicações ideológicas e políticas de textos, de definição do que neles existe de moral, ética ou esteticamente próprio (ou impróprio) para crianças.” (Morgado, &. Pires, 2010, p. 40).

No fundo, educar para os direitos tem em principal linha de conta educar para formar cidadãos conscientes e críticos do mundo que os rodeia, incentivando-os a “cultivar uma “dupla cidadania”: aprender a conceber-se e a agir como cidadãos da Terra, sem cessarem de pertencer a comunidades mais restritas, e tendo em conta as múltiplas interdependências entre o local e o global” (Perrenoud, 2002, p. 122) e ter também em conta as características da identidade cultural de cada sujeito.

Como plano de ação para a implementação das ideias defendidas pela DUDL e pela DUDC, a UNESCO sugere

“que se favoreça o intercâmbio de conhecimentos e de práticas recomendáveis em matéria de pluralismo cultural, que se fomente a diversidade linguística em todos os níveis da educação, onde quer que seja possível e que estimule a aprendizagem do plurilinguismo desde a mais tenra idade.” (2004).

Uma vez que “gerir a diversidade cultural é um dos principais desafios do nosso tempo, o reconhecimento, a aceitação de etnicidades, religiões, línguas e valores diversos constituem uma característica, incontornável da paisagem política do século XXI.” (PNUD, 2004, p. 1), fazendo com que seja crucial promover nas escolas uma educação para os direitos linguísticos e culturais.

Ao sensibilizar e ao formarmos os alunos para a presença constante de uma rica diversidade linguística e cultural, fomentando atitudes de abertura, recetividade e respeito para com o Outro, desenvolvendo uma competência intercultural e plurilingue, preparamo-los para conviverem enquanto cidadãos numa sociedade marcada pela diversidade.

Desta forma, o presente relatório pretende elaborar um projeto com enfoque na promoção dos direitos linguísticos, uma vez que

“Promover os Direitos Linguísticos e Culturais é imprescindível pois a promoção do respeito pela língua do Outro é um indicador do respeito pelo Outro, pelo seu modo de ser, estar e pensar. Com efeito, cada língua é um produto cultural que está na base das identidades das comunidades que as falam, sendo que respeitar uma língua é respeitar o grupo cultural que a fala. Todas as línguas e todas as culturas são equivalentes no seu valor individual e universal.” (Sá, 2007, p.68).

Considerando que as crianças são sempre os protagonistas da ação educativa, cabe ao professor aproveitar a diversidade presente na sala de aula e na escola, para que, em conjunto, os alunos possam construir conhecimentos enriquecedores. Para isso, é importante que o professor adote uma abordagem plural permitindo que as crianças desenvolvam atitudes positivas de abertura à diversidade linguística e cultural assim como atitudes de motivação para com a aprendizagem de línguas.

O recurso a estas abordagens plurais irá permitir, primeiro que tudo, que a criança esteja recetiva à diversidade e que a respeite. Só desta forma, aceitando-se como é, com todas as diferenças e semelhanças que a aproximam dos que o rodeiam, será capaz de compreender e aceitar as declarações que temos vindo a referir no decorrer deste relatório.

Nunca podemos esquecer que

“A motivação é uma das condições fundamentais da aprendizagem. O aluno que descobre, ao entrar para a escola, que não tem de abandonar as línguas faladas em casa ou pela família mais próxima, mas que, pelo contrário, elas são alvo do interesse de colegas, professores e funcionários, fica naturalmente predisposto a adquirir e a aprender as outras línguas que o rodeiam” (Pereira, 2014, p.80).

Sem dúvida que a literatura para a infância poderá ter um papel preponderante na motivação das crianças para as temáticas da diversidade e, consequentemente, dos direitos, partindo de um momento em que, inicialmente, se reconhecem como seres diversos e diferentes e mas promovendo entre eles respeito e aceitação.

O contacto com a diversidade linguística é cada vez mais precoce na vida de uma criança, pelo que deve ser aproveitado para promover uma educação intercultural desde cedo, uma vez que “através do contacto com a diversidade linguística, o sujeito poderá mais facilmente desenvolver sentimentos e atitudes positivas de respeito e aceitação do que lhe é diferente” (Marinho, 2004, p. 165).

É inegável que

“Os fluxos migratórios e as políticas internacionais de incentivo à aprendizagem das línguas têm conduzido a uma crescente diversidade linguística nas escolas que não é geralmente (re) conhecida nem aproveitada, nos seus múltiplos benefícios. No entanto, as línguas – todas elas – enquanto formas sofisticadas de expressão do pensamento, de comunicação e intervenção social e de criação e transmissão de saberes, uma vez libertas de hierarquizações simbólicas abusivas e de restrições de uso, são um lugar privilegiado para o exercício e a promoção de justiça social na comunidade escolar.” (Pereira, 2014, p.77)

Assim, e na mesma linha cabe à escola e à educação promoverem uma reflexão intercultural, não hierarquizando as diferentes culturas, não falando em desigualdades mas sim em diferenças, valorizando-as como portadoras de uma riqueza muito própria de enriquecimento futuro, sendo os professores a peça fundamental no que concerne a criação de um ambiente na sala de aula,

livre e desprovido de comentários discriminatórios e depreciativos, dando a cada aluno a liberdade de participar ativamente, aproveitando as suas diferenças para valorizar e respeitar as suas identidades (cf. Cardoso, 1996).

Assim sendo, ao promover uma educação intercultural e ao adotar uma abordagem plural, poderemos adaptar as atividades para que estas permitam a todas as crianças reconhecerem-se como seres diferentes, incentivando-as a conhecerem-se melhor, fomentando o respeito por si mesmos e pelo Outro.

Mais uma vez, podemos dizer que os professores e educadores têm um papel preponderante no que diz respeito à promoção de uma educação em direitos, sendo para isso, também é necessário que reúnam algumas características que os identifiquem como culturalmente responsivos. De acordo com Villegas e Lucas (2002), um professor culturalmente responsivo:

“1) é socialmente consciente – reconhece que há várias formas de perceber a realidade que são influenciadas pelo lugar em que cada um se situa na ordem social;

2) tem uma perspectiva positiva dos alunos de estratos sociais diferentes, vendo recursos de aprendizagem em todos os alunos, ao invés de encarar as diferenças como problemas a ultrapassar;

3) vê-se a si próprio(a) como um ser simultaneamente responsável e capaz de promover uma mudança educativa que permitirá que as escolas deem resposta a todos os alunos;

4) compreende como é que os alunos constroem o conhecimento e é capaz de promover essa construção de conhecimento nos seus alunos;

5) tem conhecimento sobre as vidas dos seus alunos, no qual se incluem as fontes do saber (funds of knowledge) das suas comunidades;

6) utiliza esse conhecimento sobre as vidas dos seus alunos para planificar o ensino, que se estrutura no que eles já sabem, ao mesmo tempo que os familiariza com o que lhes não é familiar” (Zeichner, 2014, p.140).

Por outras palavras, a abertura para uma sociedade diversa não deverá apenas ser uma temática para a qual devemos consciencializar as crianças, mas também os professores e educadores deverão ter abertura e recetividade, para encararem a temática da diversidade como espaço enriquecedor e promotor de novas aprendizagens.

É, então, necessário investir na formação de professores promovendo entre eles, também, abertura à diversidade e capazes de compreender a importância de trabalhar num sentido de de promoção do plurilinguismo e de sensibilização à diversidade, preparando os seus alunos para uma sociedade diversificada. Consideramos também, que

“seria importante (…) que as instituições escolares se constituíssem, pois, como espaços promotores destas experiências, como forma não só de aumentar a consciencialização linguística e cultural dos alunos, mas também de toda a comunidade educativa que circula em volta das instituições de ensino.” (Simões, 2006, p.380).

Posto isto, não podemos negar que a língua tem um papel central e fundamental para a aprendizagem nos contextos escolares, uma vez que é através dela que os conteúdos são veiculados, reproduzidos e avaliados. (cf. Duarte & Roth, 2014), logo, é importante que se invista numa educação que respeite todas as línguas e todas as culturas.

A literatura poderá ser uma estratégia por excelência na promoção de uma educação para os direitos linguísticos e culturais, uma vez que é um meio de obtenção de conhecimentos por parte das crianças, observando e compreendendo o mundo e agindo de acordo com esses conhecimentos (cf. Silva, 2016).

À criança é permitido através da literatura para a infância, um contacto com múltiplas personagens que se relacionam entre si nos diversos contextos, expressando as suas diferentes personalidades e diferentes comportamentos, permitindo à criança colocar-se no lugar do Outro, no sentido de aceitar e valorizar a diversidade (cf. Leite & Rodrigues, 2001).

Possibilitar às crianças experiências que lhes permitam enriquecer a aquisição de novos conhecimentos, assim como o desenvolvimento de capacidades e atitudes centradas no respeito e valorização do Outo e pelas línguas do Outro é o enfoque principal do nosso trabalho e um dos objetivos principais do nosso projeto.

Nesse sentido, apresentaremos em seguida um capítulo dedicado ao projeto que construimos com as crianças, com base nas ideias que expusemos ao longo do nosso enquadramento teórico.

Síntese:

Considerando o exposto neste capítulo destacamos a importância da literatura desde os primeiros anos de escolaridade por se considerar ser uma mais-valia no auxílio da compreensão do mundo. Neste sentido, a literatura pode promover uma educação mais centrada nos direitos de que todos os seres são portadores, enquanto seres humanos, enquanto crianças e enquanto cidadãos de sociedades cada vez mais diversas a nível cultural e linguístico.

Estabelece-se então como fundamental, a promoção de

“uma educação para atitudes e valores de solidariedade, de respeito mútuo, de valorização e respeito pela diversidade, aliados a um profundo conhecimento de si próprio, encarado como forma de acesso ao Outro, e a um trabalho no sentido de participar activa e democraticamente na construção de um novo mundo.” (Simões, 2006, p.58)

Nesta linha, é necessário um contínuo investimento numa educação para os direitos, promovendo a inclusão de todos os cidadãos na nossa sociedade.

Pensa-se, assim, ser

“necessário uma abordagem das problemáticas educacionais, que integre não só, a educação como um direito e essência do desenvolvimento humano, uma forma de mobilização e de transformação social, um elemento fundamental para lutar contra as desigualdades e a discriminação mas, integre igualmente, a dinâmica da mudança e da diversidade cultural, a multiplicação de alternativas, as pertenças multicategoriais como factores de inclusão, de inovação e de desenvolvimento.” (Ramos, 2007, pp. 239-240)

Vejamos, então, no próximo capítulo, o projeto que foi planeado com base nesta fundamentação teórica e tendo em consideração as características do contexto em que foi desenvolvido.

Capítulo III – Orientações metodológicas