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4.5 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ PROCESSUAl

4.5.1 Litigância de má-fé na Justiça do Trabalho

O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, assegura que nenhuma lesão ou ameaça de lesão passará da apreciação do Poder Judiciário. Em outras palavras, isso significa

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GONTIJO, op. cit., p. 132.

76

DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 110.

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dizer que “[...] o poder judiciário exerce a função típica de jurisdição, e esta, por sua vez, consiste no poder de dizer o direito (juris dicere) aplicável a uma controvérsia, deduzida processualmente em caráter definitivo e com a força institucional do Estado”78

.

Ora, o Estado-juiz detém para si o exercício final da jurisdição, de sorte que a solução de litígios consensualmente ou pela via administrativa do Poder Público, no geral, ainda podem ser passíveis de apreciação pelo Judiciário. Esta é a regra, mas existem exceções, como é o caso da arbitragem, que, no âmbito trabalhista, foi consagrada pela Lei Maior mediante a Emenda Constitucional nº 45/2004, ao alterar a redação dos § § 1º e 2º do art. 114, da CF/88. Inobstante a isso, o direito de ação não pode servir de pretexto para que qualquer das partes, ou mesmo terceiro interessado, ocasione dano à outra parte do processo. Por esse motivo, a legislação prevê as hipóteses de litigância de má-fé, bem como impõe ao demandante de má-fé o dever de indenizar a parte adversa por perdas e danos79.

Segundo aclara Leonel Maschietto80, o litigante improbo é aquele que se utiliza de procedimentos escusos com o único objetivo de “derrotar processualmente” a parte contrária ou que, sabendo ser pouco provável vencer a lide, delonga o andamento do processo, procrastinando-o. Nessa lógica, a má-fé processual pode ser manifesta de várias formas, “[...] ora revela-se sob a forma de alteração ou ocultamento dos fatos essenciais ao descobrimento da verdade; ora de distorções interpretativa de normas legais ou regulamentares; ora de sonegação de informações ao juiz ou de prestação de informações falsas etc.”81.

Até 2017, não havia no microssistema trabalhista nenhuma disposição normativa que disciplinasse a responsabilidade por dano processual, sendo utilizado o CPC para tanto. A Lei nº 13.467/17 introduziu na CLT os artigos 793-A, 793-B, 793-C e 793-D, no intuito de regular o tema. Sem dúvidas, muito do que consta nos novos dispositivos do texto Consolidado tem sua origem nos artigos 78 a 81 da Lei Processual Civil. Este é o caso do art. 793-B82, da CLT reformada, que reproduz literalmente o art. 80, do CPC/15. Esse dispositivo

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MASCHIETTO, Leonel. A litigância de má-fé na justiça do trabalho: princípios, evolução histórica, preceitos legais e análise da responsabilidade do advogado. São Paulo: LTr, 2007, p. 36.

79

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. O processo do trabalho e a reforma trabalhista: as alterações introduzidas no processo do trabalho pela Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr Editora, 2017, p. 100.

80

MASCHIETTO, Leonel. A litigância de má-fé na justiça do trabalho: princípios, evolução histórica, preceitos legais e análise da responsabilidade do advogado. São Paulo: LTr, 2007, p. 41.

81

TEIXEIRA FILHO, loc. cit..

82

Art. 793-B. Considera-se litigante de má-fé aquele que: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II - alterar a verdade dos fatos; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

traz, em seus incisos, as proposições que caracterizam um demandante como litigante de má- fé.

Apesar da expressa previsão legal, podem existir situações concretas em que o magistrado terá dificuldades em decidir se a conduta foi realmente produto de má-fé. Nesses casos, o julgador deve seguir a presunção relativa de que as partes (ou eventual interveniente) agiram de boa-fé. Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado ressaltam que a litigância de má-fé se configura quando a conduta processual vai de encontro ao padrão ético mínimo, ocasionando lesão ao direito subjetivo da parte adversa ou possível terceiro interessado, o que prejudica a eficiência, objetividade e lisura do processo83.

A Reforma Trabalhista trouxe para o processo do trabalho a possibilidade de condenação de multa ao litigante de má-fé, nos termos do novel art. 793-C84. Este dispositivo prevê que a multa deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor da causa atualizado, além de ter o demandante de má-fé que indenizar a outra parte pelos prejuízos sofridos, como honorários advocatícios e todas as despesas efetuadas no decorrer do processo. Tal condenação poderá ser realizada de ofício ou a requerimento da parte prejudicada e independe do resultado do julgamento da lide, pois basta a perceptibilidade de que foram caracterizados um ou mais atos de má-fé, conforme disciplina os incisos I a VII do art. 793-B, da CLT reformada.

Em relação à aplicabilidade da multa, prevista no caput do art. 793-C da CLT, Mauro Schiavi85 faz uma observação pertinente, ao dispor que:

A multa que varia entre 1% a 10% e a indenização decorrente da litigância de má-fé, segundo entendimento dominante, somente são cabíveis em caso de conduta dolosa da parte, vale dizer: com a intenção de tumultuar o

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

VI - provocar incidente manifestamente infundado; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

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DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei nº 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 331.

84

Art. 793-C. De ofício ou a requerimento, o juízo condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 1o Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juízo condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente àqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 2o Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 3o O valor da indenização será fixado pelo juízo ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

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SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: aspectos processuais da Lei nº 13.467/17. São Paulo: LTr, 2017, p. 88.

processo ou obter vantagem indevida por meio dele, uma vez que o CPC não prevê modalidade culposa.

Esse também é o raciocínio de Godinho Delgado e Neves Delgado86, ao defenderem que “[...] o exercício natural de faculdades e prerrogativas processuais não pode ensejar, de plano, enquadramento da conduta no tipo jurídico da má-fé processual, sendo necessário, evidentemente, que exista, sem dúvida, manifesto abuso do direito, inequívoco comportamento doloso da parte no processo”.

Resta evidente, assim, que o juiz do trabalho precisará ter sensibilidade para não cometer injustiças ao condenar quaisquer das partes em litigância de má-fé, tendo em vista que, em algumas situações, a conduta é praticada por ausência de conhecimento jurídico. Caso típico da parte que atua no processo sem o patrocínio de um advogado (jus postulandi), como ainda é facultado pelo art. 791, caput, do Consolidado.

O § 1º do art. 793-C, dispõe sobre a condenação ao pagamento de multa proporcional ou solidária, quando o ato de má-fé é praticado por dois ou mais litigantes. Será proporcional na medida de seu respectivo interesse no feito, e será solidariamente quando houver conluio para prejudicar a parte adversa. Já o § 2º, do mesmo dispositivo legal, inova ao estipular que nos casos de valor da causa irrisório ou inestimável a multa poderá ser de até duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. Por último, o § 3º impõe que a quantia a ser indenizada pelo litigante de má-fé à parte lesada na ação (prevista no caput, do art. 793-C, da CLT) será determinada pelo magistrado, porém, em caso de ser impossível mensurá-la, deverá ser liquidada por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

Conclui-se, destarte, que as novas regras da CLT acerca da responsabilidade por dano processual são necessárias e úteis, desde que sejam aplicadas com razoabilidade pelos magistrados. Desta forma, poderão servir para combater as demandas desonestas e abusivas, mas não para castigar a mera ignorância jurídica, especialmente se o reclamante estiver desacompanhado de um profissional do direito.

Em razão da complexidade do novo art. 793-D, introduzido pela Lei nº 13.467/17 à CLT, optou-se por separá-lo em um tópico específico, como se vislumbrará nas próximas linhas.

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