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No final do século XIX e começo do século XX, o litoral de Fortaleza, assim como de outras cidades brasileiras, era associado a uma paisagem bucólica, não muito povoada e despertava poucos interesses para além do mundo do trabalho. No caso específico de Fortaleza associava-se intensamente também à vida dos pescadores, seu local de moradia e trabalho, assim como dos estivadores, catraieiros, trabalhadores do porto e vendedores de cocos. Contudo, já nesse período, podemos notar as primeiras representações do litoral com sentidos além daqueles relativos às atividades laborais10.

Uma das mais antigas fontes, dentre as quais tivemos contato e que não se refere ao litoral de Fortaleza com uma linguagem técnico cientifica ou apenas ligado ao mundo trabalho, é o romance de Manoel de Oliveira Paiva, A Afilhada. Esse romance, publicado em formato de folhetim no jornal O Libertador no ano de 1889, tem como personagem principal uma jovem moça, Maria das Dores. A personagem vive a passagem de sua meninice para juventude, em que uma sensualidade e sexualidade nascentes são constantemente exploradas pelo autor.

Identificado como escritor do Realismo e do Naturalismo, Manoel de Oliveira Paiva (1961) não poupa nessa obra evocações poéticas de Fortaleza e cuidados com a descrição das paisagens da cidade no período. Já no início de A Afilhada, cenas se passam no litoral de Fortaleza nas intermediações da praia do Meireles. Maria das Dores viaja por uma semana com seu antigo colégio formado por Irmãs de Caridade para um sítio à beira-mar, atendendo à conselhos médicos. A referência às recomendações médicas, entretanto, se encerram aí. As cenas e episódios são todos narrados com cuidadosas descrições daquela paisagem litorânea envolvidas nos sentimentos e sensações das personagens. Em A Afilhada, definitivamente, temos uma preciosa oportunidade de reconhecer uma perspectiva, ainda que intencionalmente poética, de parte dos sentidos que ao litoral era atribuído no final do século XIX.

Os elementos da natureza litorânea e as sensações e emoções que eles proporcionavam eram cuidadosamente expressos numa linguagem sensível composta, além das observações visuais, por sons, cheiros, sentimentos. O mar era bonito e grandioso de se ver, “de um

10 Ca be ressa lta r que, a o se referir a o litora l de Forta leza no fina l do século XIX e começo do século XX,

esta mos fa la ndo principa lmente da Pra ia do Peixe (centro), Meireles (leste), Pra ia Formosa (oeste) e Mucuripe (leste).

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precioso azul” (p.18), “enchia o horizonte” (p.18), deixava “um frescor salgado dos poços” (p.23), mas assustava vez em quando com “o estouro de uma onda mais carregada” (p.20). A presença e intensidade do vento vai sendo notada sempre relacionado a algo, “vestia a camisola de banho, muito empuxada pelo vento” (p.15) “era preciso falar alto por causa do vento” (p.22), “vestidinhos de chita contra o vento” (p.16). A paisagem esverdeada era composta por coqueirais, cajueiros e matos. As dunas brancas “de cimácio quase reto” (p.16) eram “como o dorso de um oceano de leite.” (p.16), e algumas era “salpicadas de moitas de capim” (p.19). A areia, ora dura, ora “aparecia como umas camadas de algodão” (p.19), “porejava uma frescura confortativa” (p.16). A força do sol naquela paisagem é absoluta, “a brutalidade do sol na sua grande risada universal de luz e de calor” (p.21), é também sinónimo do dia “o dia vinha forte por detrás dos cajueiros” (p.18). Os animais, em especial pássaros e insetos, também se faziam presentes: “o grito dos maçaricos produzia-lhe arrepiamentos” (p.19), “a gritaria dos insetos” (p.20) e “a risada rouca e fúnebre da coruja’ (p.20).

As sensações proporcionadas pelo contato com a praia são desenvolvidas pelos variados sentidos, compondo aquilo que Corbin (1989, p.177) vai chamar de “apreciação cenestésica”. Para o autor, os românticos teriam sido pioneiros nessa forma de usufruir de paisagens naturais, incluindo a praia. Teriam também elaborado uma relação entre paisagem e estado da alma. Em Burton (2011), por exemplo, os preceitos higiênicos e os cuidados com o corpo confundem-se com terapêutica da melancolia. Do mesmo modo, em algumas passagens do romance A Afilhada, a personagem Maria das Dores encontra na paisagem litorânea uma correspondência com seu estado de alma: “barulho da coruja repassava-se da sagrada melancolia que pairava no ar” (p.20); ou mesmo em aflições específicas da sua vida, “sua alma ia como a vela da jangada quando o vento bambeia. Era preciso virar de bordo. Decididamente reconhecia não ter vocação para Irmã de Caridade.” (p.18).

O pertencimento àquela paisagem forjava-se e misturava-se à sua religiosidade, “Maria achava-se pertencente àquele ar, àquelas árvores, àquele pó, àqueles pássaros, e queria ser botão, ser flor, ser fruto, e depois ressuscitar em átomos daquela natureza que a gerara. E foi para a missa adorando muito ao autor da Criação.” (PAIVA, 1961, p. 18). Assemelhando- se as percepções da teologia natural que Corbin (1989) identifica como movimento fundamental na apreciação do litoral, esse trecho da fonte retrata não mais um deus punitivo da narrativa diluviana, mas um deus tranquilizador, fecundo e bondoso, em que “A beleza da natureza atesta o poder e a bondade do Criador.” (CORBIN, 1989, p.34).

Paralelamente, uma relação mais hedonista com esse litoral já se manifestava, principalmente quando retratadas a jovens companheiras de Marias das Dores do colégio e

suas práticas naquele ambiente. Corriam, gritavam, mergulhavam com prazer, “sumia-se no mar e a onda abaixando, reaparecia...” (p.15); “passava as mãos pelas feições e atirava-se de novo ao côncavo despenhante da onda.” (p.15). Um passeio até próximo à praia do Mucuripe também é narrado, “uma légua pouco menos” (p.16). A alegria em que caminhavam pela areia, o cuidado na descrição da cena, indica que o trajeto parecia ser a própria finalidade daquela ação, proporcionando as passantes o avançar contra o vento, os pés nus na areia e o contato com a beira d’água, isto é, o que Corbin (1989, p.187) denomina de “a tripla carícia dos elementos” do litoral. Havia uma alegria na cena litorânea: “Umas, como cãezinhos festeiros, iam corrupiar com as alternativas da maré; aquelas três, abraçadas pelo ombro, esta isolada; outras pela areia frouxa.” (p.16).

As vestimentas, no entanto, ainda pareciam pouco especializadas. Em momento algum o autor usa o termo maillot. Os vestuários citados são camisola de banho e vestido de chita, ainda que não pareçam pensados com a finalidade de banhos de mar, sugerem leveza, frouxidão. Na fonte já se esboça também uma imagem da nudez permitida no litoral, principalmente a do pé, retratando sentimentos de prazer, liberdade e relaxamento: “Iam descalças, de chinelo na mão, com a mais liberdade sedutora dêste mundo” (p.16), “As meninas iam gostosamente com os pés na água, sem se lembrar de cansaço” (p.17), “batendo com os pés nus na areia luzente da água.” (p.15). O constrangimento e o pudor também se faziam presente na exposição do corpo, indicando uma relação de certo desconforto com a vestimenta. Ao sair da água, Maria das Dores sentiu “um pudor súbito, com a camisola pregadinha ao corpo, as mãos apertando o seio.” (p.15).

As praias de Fortaleza do final do século XIX, entretanto, não são compostas apenas de elementos naturais. Além das próprias personagens, outros grupos humanos, ou vestígios deles, aparecem, ainda que em alguns momentos de forma d epreciativa. Ao chegar próximo à praia do Mucuripe, as estudantes e suas mestres sentam-se em barcos e jangadas para descansar. Nesse momento, uma sequência de cenas vai descrever a aparição de moradores e trabalhadores daquela região. “Um peixeiro que passava para a cidade, ao acostumado trotezinho, de calão carregado aos ombros” (p.17); um “menino muito sujo que ia com uma carga de côcos, escanchado entre os cassuás penosamente suportados por um mísero cavalo que procurava institivamente a areia endurecid a pelo malho das ondas” (p.17). No caminho de volta para o sítio no Meireles, o grupo de estudantes encontra ainda “uns pequenos que vinham da lenha” (p.17) e uma liberta, “uma preta, sumida num molho de ramos com que ia remendar as paredes da sua tapera” (p.17).

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Outras formas de identificar que haviam ali grupos humanos é na descrição dos seus instrumentos de trabalho e moradias, “sob o fundo dos coqueiros da povoação, viam-se branquejarem as velas das jangadas empoleiradas no sêco e saídas da pesca: um acampamento de alvas barracas pontudas no poeiramento do crepúsculo” (p.16), “povoações plantadas de coqueiros, arraiais de pescadores, palhoças metidas na areia como no gelo a cova dos esquimós” (p.16) ou o “ponto branco das jangadas na risca azul do mar” (p.19). Eram trabalhadores, moradores e principais frequentadores daquela região litorânea no período. Vendedores de peixe e coco, pescadores ou caminhantes, que habitavam ali e todos os dias passavam pelo areal para chegar na cidade.

Alguns elementos ligados à modernidade e ao progresso, ainda que bem timidamente, já começam a integrar aquelas vistas, compondo parte da paisagem litorânea. O farol do Mucuripe que “Pestanejando apressadamente acendia-se (...), uma enorme estrela avermelhada, e foi abrandando, até que entrou a desaparecer e reaparecer vagarosamente e por medida” (p.19). Ao olhar na direção da cidade era possível ver “as duas grossas torres da Sé” e em alguns momentos, no oceano, “as mastreações distantes” (p.17), indicando ali a presença deembarcações distintas das jangadas.

No caminho de volta para a cidade, Das Dores e seu pai voltam de coche, passam pela região do porto, do trapiche, da alfândega. É ali a união da cidade com o mar, as primeiras imagens de civilização que a protagonista se depara: “telhados gigantescos dos armazéns”, “ala avançada das edificações da cidade”, “balburdia afastada”, “sacas de algodão”, “Praça d a Alfândegada, descampada para a parte do mar” (p.23). Para Corbin (1989), o porto era a parte mais domesticada da natureza litorânea. Na mudança da superfície da areia para o calçamento, a personagem sente a rigidez da cidade, no desconforto do coche, dos ruídos, em contraponto ao ambiente litorâneo: “Das Dores estremeceu, e empertigou-se, com o primeiro abalo do carro no calçamento, onde as rodas produziam um ruído áspero, que lhe mudou a natureza das impressões. Teve de ir reparando para fora, desencostada do coxim, por causa daqueles saltos a que a irregularidade das pedras obrigava o veículo.” (OLIVEIRA, 1961, p.23)

No restante do romance, nenhuma cena mais se passa no litoral, não há mesmo qualquer menção a este espaço, o que nos leva a pensar, juntamente com outras fontes, que esse tipo de passeio que Maria das Dores fez com suas colegas e professoras de escola eram eventos excepcionais no período. Eram, talvez, realizados apenas quando houvesse recomendações médicas, como foi o caso desse romance.

Ao cruzar essa fonte, que representa o litoral de maneira delicada, íntima e sensível, com outras do período, compreendemos a singularidade desse romance. Ao mesmo tempo em

que é capaz de relatar sentimentos, sensações de prazer e divertimento, fruto do contato próximo com a praia, nos proporciona também descrições de um litoral bucólico, afastado da cidade (fisicamente e simbolicamente) e reconhecido, sobretudo, por predominar ali atividades laborais e de sobrevivência. Algumas outras fontes vão reiterar, outras acrescentar, sentidos e usos desse litoral do final do século XIX e começo do século XX.

Com uma descrição similar ao do romance, o poema abaixo, publicado em 1905 no Jornal do Ceará, constrói uma imagem de parte do litoral da cidade de Fortaleza. A Praia do Peixe, hoje conhecida como Praia de Iracema, era a faixa do litoral mais próxima do centro da cidade. Em cada estrofe é possível identificar elementos constitutivos daquela praia.

NA PRAIA DO PEIXE Ca e a ta rde, e o coqueira l, serena a pa lha a gita da, sombrea ndo o a rra ia l Pra ia do Peixe, cha ma da: As ca sinha s em gera l só tem a porta de entra da , espa lha da s no a rêia l onde a ma ré tem pa ra da. Os pesca dores senta dos fita m o ma r, enleva dos lá na s pa ra gens remota s... Emqua nto a s bra ncas ja nga das, volta m á terra a pressa da s como um ba ndo de ga ivota s.11

Nesse final de tarde, tem-se também a presença do coqueiral; o arraial, isto, é uma pequena povoação; as casinhas que, pelo diminutivo, supõe certa simplicidade juntamente com a expressão “só tem a porta de entrada”; os sujeitos, os pescadores sentados ligado ao adjetivo enlevado, sugerindo a ideia de contemplação; e as jangadas em retorno apressado, descrevendo a finda jornada dos trabalhadores do mar.

Do mesmo modo, nas fotografias que seguem encontradas no Álbum de vistas do estado de Ceará de 190812, são representadas imagens do litoral bem próximas àquelas

11 Na Pra ia do Peixe. Jorna l do Cea rá , Forta leza . 14/08/1905 p.2.

12 O Álbum de vista s do Esta do do Cea rá 1908 é constituído por 16 pá gina s, em que consta m a proximada me n t e

10 fotogra fia em ca da uma dela s. As ima gens retra ta s sã o de rua s, a venida s, pra ça s, pa rques, ja rdins, pontes, prédios e instituições, como escola s, delega cia s, igreja s, a lém de ima gens de la gos e pra ia s. A ma ioria dela s sã o de Forta leza , ma s a pa recem ta mbém a s cida des de Ba turité e Quixa dá . Confecciona do na s Imprimeria s Réunis de Na ncy, na Fra nça , o Álbum representa va os “ícones do progresso que desponta va m na cida de em crescimento.” (ALMEIDA, 2016, p.59)

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descritas no poema e no romance. Na primeira fotografia (FIG.2), com a perspectiva para o mar, vemos apenas os pescadores em serviço com uma jangada. Na segunda (FIG.3), com perspectiva de costas para o mar, em direção à cidade, vê-se um vasto areal, com a presença de altos coqueiros e casas simples de palha. Se por um lado o mar era ambiente de trabalho para os pescadores, de aventuras, dos perigos cotidianos, tendo como instrumento suas simples jangadas e redes, a areia era o local que remetia à segurança, onde construíam suas casas, descansavam, contemplavam a vista e plantavam os coqueiros.

Figura 3 - Bairro dos Pescadores. Fonte: Álbum de vistas do Estado do Ceará (1908)

Nas proximidades do litoral, em especial próximo à Praia do Peixe e a Praia Formosa (ou Porto das Jangadas), as atividades portuárias já movimentavam cotidianamente aquela parte da costa. O porto, a alfândega, o trapiche, era por onde chegavam e partiam as mercadorias e pessoas em trânsito. Para que isso fosse possível, uma série de trabalhadores, catraieiros, estivadores, homens do mar, frequentavam diariamente o litoral e, era desse local, que tiravam sua renda. O porto de Fortaleza passa a ter grande importância principalmente a partir de meados do século XIX, quando a produção de algodão se estende no estado do Ceará, passando a ser o principal produto de exportação local. É por lá, também, onde aportam as novidades de fora. O trapiche, a ponte que liga a cidade ao mar, aparece também no Ábum de vistas (FIG.4), representando mais um aparato moderno da cidade de Fortaleza no período, pois, como indica Corbin (1989) o porto incita o espectador à taxonomia das riquezas do globo, anunciando a miscelânea étnica, possibilitando a viagem imóvel, assinalando, portanto, a missão civilizadora.

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Figura 4 - Ponte da Alfandega. Fonte: Álbum de vistas do Estado do Ceará (1908)

Já no final do século XIX, havia um bonde que saía do coração da cidade, da Praça do Ferreira, em direção à praia. Consta-se também números de telefone na região do litoral, além de pequeno comércio composto por casas importadoras de grosso e retalhos, estabelecimentos de modas, mercearias, tabernas e armazéns de depósitos13. Esses dados indicam já haver certa movimentação nas intermediações da praia, embora estivessem associadas principalmente ao mundo do trabalho, em especial ao funcionamento do porto.

Outras referências ao litoral destacam aspectos degradantes daquele espaço entre os últimos anos do século XIX e primeiros no século seguinte. Antes da introdução do sistema de esgoto, o memorialista Otacílio de Azevedo conta que detritos fecais das residências eram reunidos em barris de madeira e eram jogados nas proximidades da praia pelos carregadores de quimoa (como chamava-se o barril):

De onde quer que pa rtissem, os quimoeiros pa ssa va m obriga toria mente pela frente da Sa nta Ca sa , descendo o ca lça mento que da va no velho Ga sômetro, rumo à p ra ia . Ali chega ndo, fétido ca rrega mento era a tira do a o ma r, a ba rrica la va da e o homem volta va , pa ssa ndo pela a ntiga Rua Formosa , hoje Ba rã o do Rio Bra nco. (AZEVEDO, 1992, p.130)

No Jornal do Ceará aparecem reclamações a respeito do lixo acumulado na região da praia, borrando a imagem civilizada do porto: “Nada mais triste para quem chega de fora ou tenha de desembarcar em nosso porto do que a impressão que causa aquelle monturo enorme

que se estende em larga area desde o portão da cadeira publica á linha férrea do ramal da praia.”.14

Retirantes, vindos à capital em decorrência das secas que devastavam o estado15, também frequentavam o litoral, além de outros locais públicos:

Ao desemba rque, diz Dr. P. Borges, se me depa rou logo o ma is toca nte e vivo testemunho da infeliz situa çã o dos retira ntes de va rios pontos do interior do esta do, a gglomera dos na pra ia , na s pra ça s, sob a s a rvores, em completo desa brigo, expost o s a os ra ios de um sol a bra sa dor, - a compungir, na crueza do qua dro que se offerecia , o a specto da nudez, da fome, da miseria que a todos a ttribula va .16

A praia, assim como parques, praças e ruas, vai sendo considerad a local perigoso para a higiene pública, pois “A causa primaria das febres, grippes, diarrhéas etc, está nas fossas fixas, na agua impotavel que bebemos, no leite falsificado que é fornecido ás creanças, nas fructas verdes vendidas na feira, no lixo que se accumula na praia ou nos quintaes”17. O litoral é local de passagem dos cadáveres das epidemias e secas, depois que “O governo então ordenou que o transporte dos mortos se fizessem pela praia até o cemitério da Lagôa-funda.18 É, também, em alguns casos, local onde os menos abastados enterram seus entes: “Enterram os mortos em qualquer morro da praia, para um dia quando os ventos revolvendo as dunas descobrirem as ossadas dos bexigosos irromper a varíola”19. Em paralelo ao ambiente do trabalho, o cenário que se desenha, nessa perspectiva, é de um litoral da miséria, da doença, da sujeira.

Entretanto, além do romance A Afilhada, outras fontes nos mostram que nesse período o início de interesses ou desejos se desenhavam em relação ao litoral, seja pela admiração da paisagem, pelos benefícios terapêuticos ou por interesses mais hedonistas. A contemplação da paisagem é um exemplo. A própria presença desse litoral no Álbum de Vistas do Estado do

Ceará, em que constam principalmente fotografias de avenidas, praças, jardins, estações,

igrejas, escolas prédios institucionais, enfim, aparatos da modernidade, anunciam uma importância simbólica desse lugar, ainda que seja como paisagem.

14 Jorna l do Cea rá . Forta leza , 19/04/1907, p.2.

15 As principa is seca s ocorrera m nos a nos de 1877-1878, 1900, 1915 e 1932. 16 Alma na ch do esta do do Cea rá . Forta leza , 1902, p.176.

17 Jorna l do Cea rá , Forta leza , 07/04/1905, p.1.

18 Va riola e Va ccina çã o. Jorna l do Cea rá , Forta leza , 22/08/1904 p.2. 19 Va riola e Va ccina çã o. Jorna l do Cea rá , Forta leza , 20/09/1911 p.1.

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Figura 5 – Página inteira do álbum. Fonte: Álbum de vistas do Estado do Ceará (1908)

Na figura (FIG.5), tem-se uma página inteira das 16 que compõem o álbum. Nela, tem-se a primeira metade superior composta por fotografias do prédio do Quartel do 9ª Batalhão, e, na parte inferior, tem-se imagens do litoral intituladas Bairro dos Pescadores e

Porto das Jangadas, que mostram um pouco da vida dos pescadores, suas casas simples, e a natureza litorânea.

Outro momento em que o mar aparece no álbum não é da perspectiva da areia, mas sim como vista. O Passeio Público, construído em 1880, possibilita vista para mar, principalmente a partir da avenida Caio Prado, conhecida por ser aquela frequentada por membros das elites fortalezenses. No álbum, o mar da perspectiva do Passeio Público, aparece de duas formas: como uma vista em si, como é o caso da primeira fotografia (FIG.6), em que ele compõe o cerne da imagem; e, na segunda fotografia (FIG.7), em que o mar aparece como fundo, de forma figurante, tendo como centralidade os sujeitos, provavelmente de membros de uma família abastada.

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Figura 7 – Família no Passeio Público. Fonte: Álbum de vistas do Estado do Ceará (1908)