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A cultura física e suas manifestações no litoral de Fortaleza (1925-1946) : novos modos de se educar e de se divertir

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

NARA ROMERO MONTENEGRO

A CULTURA FÍSICA E SUAS MANIFESTAÇÕES NO

LITORAL DE FORTALEZA (1925-1946):

NOVOS MODOS DE SE EDUCAR E DE SE DIVERTIR

Campinas

2020

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Nara Romero Montenegro

A CULTURA FÍSICA E SUAS MANIFESTAÇÕES

NO LITORAL DE FORTALEZA (1925-1946):

NOVOS MODOS DE SE EDUCAR E DE SE

DIVERTIR

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação

da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientadora: Profª Drª Carmen Lúcia Soares

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO NARA ROMERO MONTENEGRO, E ORIENTA D A PELA PROFA. DRA. CARMEN LUCIA SOARES

Campinas

2020

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O presente trabalho contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP- processo n. 2017/25698-1) e com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento

001

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Montenegro, Nara Romero, 1991-

M764c MonA cultura física e suas manifestações no litoral de Fortaleza (1925-1946) : novos modos de se educar e de se divertir / Nara Romero Montenegro. – Campinas, SP : [s.n.], 2020.

MonOrientador: Carmen Lucia Soares.

MonDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Mon1. Educação física. 2. Educação - História. 3. Litoral - Fortaleza (CE). 4. Vida ao ar livre. I. Soares, Carmen Lucia, 1956-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Physical culture and its expression in the coast of Fortaleza (1925-1946) : new ways of education and amusement

Palavras-chave em inglês:

Physical education History of education Coast of Fortaleza Outdoor life

Área de concentração: Educação

Titulação: Mestra em Educação

Banca examinadora:

Carmen Lucia Soares [Orientador] Andre Luiz Paulilo

Joana Carolina Schossler

Data de defesa: 27-05-2020

Programa de Pós-Graduação: Educação

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-9630-2243 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/1600136618401869

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A CULTURA FÍSICA E SUAS MANIFESTAÇÕES NO

LITORAL DE FORTALEZA (1925-1946): NOVOS

MODOS DE SE EDUCAR E DE SE DIVERTIR

Nara Romero Montenegro

COMISSÃO JULGADORA:

Profª. Drª. Carmen Lucia Soares (Orientadora)

Profª. Drª. Joana Carolina Schossler

Prof. Dr. Andre Luiz Paulilo

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

Campinas

2020

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AGRADECIMENTOS

Início meus agradecimentos pelo apoio financeiro concedido pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP - processo no 2017/25698-1), que me possibilitou a realização desta pesquisa e de ambicionar o título de mestra. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

À professora Carminha, minha orientadora, por quem tenho grande admiração e sou extremamente agradecida por toda aprendizagem e confiança.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Aos membros da banca de qualificação e defesa, professores André Paulilo e Joana Schossler, pela leitura atenta e pelas críticas construtivas.

Aos membros do grupo de pesquisa, Evelise, Daniele, Mateus, Fernanda, Rachel, Samuel, Catharina e Regina, pelo apoio mútuo e pelas discussões acadêmicas e não acadêmicas. À Cintia e à Maisa, por serem amigas tão presentes de uma forma jovialmente alegre, autênticos presentes que a vida generosamente me deu.

Às amigas e aos amigos de república, por dividirem sentimentos cotidianos, sejam de alegria ou tristeza, que só as relações verdadeiramente íntimas podem proporcionar.

Aos outros amigos e amigas que estão próximos e aqueles que estão distantes, por dividir momentos tão bonito de afeto verdadeiro entre as minhas duas cidades, Campinas e Fortaleza. À Maria Auxiliadora, quem sinto sempre comigo e que apenas com sua existência aflora em mim uma sensibilidade genuinamente humana.

Aos meus pais, irmão, vovó Mana e familiares, pelo suporte em todas as esferas da vida, sobretudo na confiança e no amor oceânico que sempre me dedicaram.

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RESUMO

O litoral brasileiro nem sempre foi o lugar em que se desenvolveram e se afirmaram práticas educativas e de divertimento, elementos do que se poderia chamar de ideário de vida ao ar livre. Até o começo do século XX, o litoral de Fortaleza, recorte geográfico desta pesquisa, era frequentado majoritariamente por pescadores e estivadores. Com os discursos e preceitos médicos higienistas, difundidos no início do século XX, a busca de uma vida ao ar livre e a disseminação de uma cultura física adentram nas necessidades do cotidiano, influenciando práticas educativas e de divertimento, tomando a praia como seu lugar. As primeiras casas de famílias abastadas à beira-mar aparecem na década de 1920, mesmo período em que a imprensa passa a noticiar usos até então inéditos do espaço litorâneo. Assumindo que um deslocamento de sentido se operou neste espaço, a presente pesquisa tem como objetivo analisar como se deu o despertar de um interesse difuso pelo litoral, entre os anos de 1925-1946. O recorte analítico se dá a partir de discursos, práticas, institucionalizações a respeito ou localizados na praia, em especial no que se refere às práticas educativas e de divert imentos, em que se incluem manifestações da cultura física tais como os esportes, banhos de mar, natação e as corridas de jangada. O recorte inicial data de 1925, ano em que a praia ganha um novo nome, Praia de Iracema, conjuntamente com outras mudanças de seus usos. O recorte final delimita-se em 1946, período em que o mar invade casas e estabelecimentos localizados na Praia de Iracema, deixando parte do litoral abandonada por alguns anos. As fontes constituídas compreendem: jornais, revistas, romances, crônicas de memorialistas e imagens.

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ABSTRACT:

The coast has not always been characterized as a place of amusement and educational practices, as it can be seen in several Brazilian cities today. Until the beginning of the 20th century, the coast of Fortaleza (geographical demarcation of this research) was visited mainly by fishermen and dockers. In the beginning of the 20th century, the discourses and recommendations of hygienists and physicians were disseminated. The search for open air or nature and the emergency of a physical culture started to be a need of everyday life, influencing educational and amusement practices, that took place in the coast. By the 1920s part of the city’s elite began to build houses on the coast, at the same time the press started to report new ways of enjoy the beach. Assuming that a shift in meaning took place in this space, this research aims to analyze how a diffuse interest in the coast arose between the years 1925-1946. The object of the analysis are the discourses, practices and institutionalization regarding the coast, or that happened at the coast, especially those related to educational and amusement practices which include expressions of physical culture, such as sports, sea bathing, swimming and raft racing. The selected timeframe goes from 1925 to 1946. 1925 is the year when the name of beach was changed to Praia de Iracema, and one can observe other changes in the way people enjoy this part of the coast. The final year, 1946, is a period in which the sea invades houses and establishments located in Praia de Iracema, leaving part of the coast abandoned for some years. The historical sources of this research are: newspapers, magazines, novels, chronicles and images.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa do Litoral de Fortaleza. Fonte: Dantas apud Dantas (2002)...18

Figura 2 - Porto das Jangadas. Fonte: Álbum do vistas do Estado do Ceará (1908)...39

Figura 3 - Bairro dos Pescadores. Fonte: Álbum do vistas do Estado do Ceará (1908)...40

Figura 4 - Ponte da Alfandega. Fonte: Álbum do vistas do Estado do Ceará (1908)...41

Figura 5 – Página inteira do álbum. Fonte: Álbum do vistas do Estado do Ceará (1908)...43

Figura 6 – Vista do Passeio Público. Fonte: Álbum do vistas do Estado do Ceará (1908)...45

Figura 7 – Família no Passeio Público. Fonte: Álbum do vistas do Estado do Ceará (1908).45 Figura 8 - Comissão que liderou a campanha. Fonte: Arquivo Nirez (década 1920)...49

Figura 9 - Villa Berenice, Praia de Iracema. Fonte: Revista Ceará Illustrado, n.55, 26/07/1925...58

Figura 10 - Cartão Postal, Praia de Iracema. Fonte: Arquivo Nirez (1931)...59

Figura 11 - Restaurante Beira-Mar. Fonte: Revista Bataclan, n.13, 03/10/1926...70

Figura 12 - Restaurante do Ramon (Restaurante Beira-mar). Fonte: Arquivo Nirez (1932)...61

Figura 13 - Capa da revista Bataclan. Fonte: Revista Bataclan, n.13, 03/10/1926...62

Figura 14 - Praia de Miami. Fonte: Correio do Ceará,18/03/1931, p...65

Figura 15 - Publicidade Phytína – Fonte: Correio do Ceará, 12/04/1927, p.3...70

Figura 16 – Primeira sede do Náutico na Praia Formosa. Fonte:Arquivo Nirez (s.d)...71

Figura 17 – Guarita da primeira sede do Náutico. Fonte: Arquivo Nirez (s.d)...72

Figura 18 – Sede do Jangada Club na Praia de Iracema. Fonte: Arquivo Nirez (s.d)...74

Figura 19 - As crianças, deitadas na praia, olhando a vastidão do mar. Fonte: Gazeta de Notícias, 04/08/1935, p.5...81

Figura 10 - Despreocupadas e alegres as crianças brincam com as ondas. Fonte: Gazeta de Notícias, 04/08/1935, p.5...81

Figura 21- Praia de Iracema. Fonte: Arquivo Nirez (década de 1940)...84

Figura 22 – Gravura mulher litorânea. Fonte: Bataclan, n.4, 24/07/1926...91

Figura 23 – Charge. Fonte: Correio do Ceará, 14/09/1938, p.1 ...97

Figura 24 – Nadador Wilson nos braços da multidão. Fonte: Correio do Ceará, 12/07/1937, p.8...105

Figura 25 – Nadadores da família Gentil. Fonte: Correio de Ceará, 02/02/1940, p.6 ...109

Figura 26- Capa. Fonte: Correio do Ceará, 12/02/1940, p.6...110

Figura 27 – Nadadores da prova heroica de 1940. Fonte: Correio do Ceará, 04/02/1943, p.3...112

Figura 28 – Publicidade do tônico. Fonte: Correio do Ceará, 18/02/1946, p.3...115

Figura 29 – João Gentil Junior aos 12 anos Fonte: Correio do Ceará, 17/02/1940, p.3 ...118

Figura 30 - João Gentil Junior aos 14 anos. Fonte: Correio do Ceará, 13/07/1942, p.4...118

Figura 31- Publicidade da Gillette. Fonte: Correio do Ceará, 23/02/1942, p.2...120

Figura 32- Publicidade da Mido Multifort. Fonte: Correio do Ceará, 22/05/1944, p.2...121

Figura 33 – Capa da Revista Illustrada em homenagem à abolição no Ceará. Fonte: Revista Illustrada, n.376, 1884...127

Figura 34 – A Virada (1943) - Raimundo Cela...128

Figura 35 – Cartões de boas festas da Aba-Film. Fonte: Correio do Ceará, 06/12/1943, p.4...134

Figura 36 – Orson Welles em dia de corrida de jangad as. Fonte: Correio do Ceará, 09/03/1942, p.3...137

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 10

CAP.1 - Naturezas Reinventadas: usos do litoral e novas sensibilidades...20

CAP.2 – Deslocamentos de sentidos no litoral de Fortaleza...34

2.1. O litoral de Fortaleza no final do século XIX e começo do século XX...34

2.2. Da Praia do Peixe à Praia de Iracema: a constituição de uma praia

moderna...47

CAP.3 – O advento da cultura física e do esporte na cidade e no litoral...65

3.1. Banhos de mar: divertimento, engajamento corporal e moral litorânea... 75

3.2. Natação: quando a técnica alcança o prazer e espanta o temor...99

3.3. Corridas de Jangadas: entre tradição e novidade...125

CONSIDERAÇÕES FINAIS...148

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...151

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INTRODUÇÃO

Na Pra ia do Peixe, à s ultima s hora s da ta rde, <<na s hora s tristes em que a ta rde finda >> cerca de um kilometro do littora l off erece a os olhos dos curiosos, que pa ra a lli se dirigem, o especta culo sempre a tra hente dos ba nhos de ma r, em que os ca va lheiros, a s senhora s, a s senhorinha s e a s crea nça s, retroa gindo a os tempos primevos, vela ndo o tronco e exibindo perna s e bra ços, uns ma is grossos, medios e roliços, outros ma is finos, ossudos e a ngulosos, correm, a o a r livre, rola m na a reia e mergulha m na s a gua s, mythologica mente, como Neptunos e Sereia s.1

Essa viva cena, descrita pela revista Ceará Illustrada em 1925, passada no litoral de Fortaleza, era uma autêntica novidade. O espetáculo dos banhos de mar, ainda que remetessem aos tempos primevos, suscitavam surpresas, incômodos, encantos, fascínio, medos, enfim, uma série de sentimentos que qualquer novidade pode desencadear. Inéditas disposições em relação a esse espaço, ao mesmo tempo velho e novo, estavam nesse momento se formando, certamente em meio a tensões.

Ao caracterizá-lo como velho, estamos nos referindo a um espaço que sempre esteve lá: o litoral pelo qual portugueses e holandeses teriam chegado à cidade no século XVI e XVII, vigiado pelo forte Schoonennborch, depois Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. A mesma bucólica costa de José de Alencar em suas primeiras páginas da obra Iracema: “Verdes mares bravios da minha terra natal”. O litoral que era quase exclusividade dos pescadores.

Todavia, a partir principalmente da década de 1920, o litoral passa também a ser percebido como um lugar novo. A praia como capaz de curar, revigorar as energias, pedagogizar, divertir, embelezar, emerge como cenário ideal para reunir duas tendências incisivas na época: a exortação de uma vida ao ar livre e o advento da cultura física.

Tendo em vista esse contexto, não demoraria para que a praia passasse a ser procurada pela sociedade fortalezense, mais incisivamente por parte das elites, que inclusive mudavam-se do centro da cidade para o bairro praiano. Mas também, gradualmente, por mudavam-setores mais difusos da sociedade, que iam semelhantemente reconhecer no litoral um novo espaço de sociabilidade. Praia do Peixe, Porto das Jangadas, Bairro dos Pescadores era como chamava-se as faixas da costa mais próximas do centro de Fortaleza até 1925, menções claras as atividades que mais ocorria ali, a pesca. Embora considerado rudimentar, atividades relativas ao porto também se situavam nas redondezas dessa praia. Com a “redescoberta” ou

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“reinvenção”2 da praia, uma nova denominação se faz necessária: Praia de Iracema. Assim pretenderam e instituíram um grupo de jovens intelectuais, com o apoio do estado.

Apesar desse fato bem específico estar envolvido num cenário amplo de mudanças a respeito das representações do litoral, nomear um espaço, como sublinha Silva (2001, p.56), “implica apropriar-se de seus territórios e dar-lhes significado, imprimir no traçado urbano as marcas subjetivas da experiência cotidiana”. Não é que as atividades dos pescadores deixaram de existir com a mudança do nome, mas a elas foi relegado um novo espaço, uma nova representação, ora aparecendo nas fontes como míseros, como heróis, como ignorantes, ora como competidores, nas aclamadas corridas de jangada. A nova apropriação vai fazer da praia não mais um lugar bucólico, ao contrário, ela será extensão da cidade, dispondo de restaurantes, clubes, casas, embora seu caráter de refúgio dos aglomerados urbanos seja constantemente exaltado.

Na década de 1930 tem-se a consolidação dessas representações do litoral associadas às manifestações da cultura física, em que destacamos o esporte. Os clubes invadem a praia, competições de natação e corridas de jangadas regularmente são realizadas, com ampla participação da população.

Esta pesquisa assume, dessa forma, que no período recortado entre as décadas de 1920 e 1940 um descolamento de sentido se operou no ambiente litorâneo. Cabe perguntar-nos, como foi possível que uma nova forma de experimentar a praia se afirmasse? Que discursos e práticas estavam envolvidos nessa mudança? Como e quais agentes, instituições, sujeitos se envolveram nessa transformação? E por fim, que representações possíveis se identificava desse novo litoral?

O problema de pesquisa aqui anunciado é a ruptura com sentido anterior ou deslocamento de sentido que esse espaço, o litoral, vai experimentar no começo do século XX. Temos aí não só uma mudança estrutural na cidade, que vai agora valorizar a orla, construindo suntuosas casas e comércio, mas também uma importante transformação nas sensibilidades, permitindo um contato mais próximos com os elementos da natureza praiana.

Alain Corbin (1989), em sua pesquisa sobre o litoral europeu, vai falar em seu “esforço por construir uma genealogia da praia moderna”, sempre atento a transformações nas sensibilidades. No mesmo sentido, entendemos que esse período foi responsável por configurar as primeiras formas de experimentar a praia moderna na cidade de Fortaleza, exaltando uma proximidade antes nunca vivida com o litoral, com interesses relacionados ao

2 Já em pesquisa s de Inicia çã o científica e Tra ba lho de Conclusã o de Curso, vimos discutindo a o utiliza ç ã o d o s

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divertimento, à educação, ao descanso, que viriam futuramente ser a base do turismo moderno, pelo qual a cidade atualmente é conhecida.

Esta pesquisa apoia-se em concepções de Roger Chartier, autor que entende que história cultural “tem por objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler.” (1990, p.17). A realidade social aqui escolhida é o litoral como espaço de sociabilidade, na cidade de Fortaleza, na primeira metade do século XX. Para interpretar o mundo social, Chartier (1990) desenvolve o conceito de representação, ou melhor, representações, conceito que pode dar conta da variabilidade e pluralidade de compreensões sobre as realidades sociais. A representação seria a base dos discursos e práticas, ela comanda atos que tem como propósito a construção do mundo social.

O conceito de representação, dessa forma, permite articulação de três formas de relação com o mundo social. Primeiramente, a classificação e delimitação, “que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos.” (CHARTIER, 1990, p.23). Percebemos, por exemplo, as disputas em torno da nomeação da faixa de praia como formas de classificação daquele espaço, fundamentadas por representações de distintos grupos (Praia do Peixe como nome vulgar e Praia de Iracema como denominação elegante).

Em seguida, tem-se as práticas, manifestações do estar nesse mundo social, maneira também de reconhecer identidades sociais. Nesse caso, aspecto central do último capítulo, pesquisamos as práticas, em especial aqueles pertencentes à cultura física, e que irão expressar-se e construir representações diversas do litoral, seja os banhos de mar, a natação ou a corrida de jangadas. Convém ressaltar que as práticas discursivas também fazem parte dessa concepção.

Por fim, o autor inclui ainda como meio de representar o mundo social “as formas institucionalizadas e objectivadas” (p.23), que segundo Chartier (1990), são maneiras de marcar a existência de grupos, classe ou comunidade, responsáveis pela representação. Novamente voltamos a disputa do nome da faixa de praia. Ao conseguir via decreto a institucionalização do nome Praia de Iracema, o grupo dos jovens intelectuais membros da elite e líderes da campanha se perpetuam, assim como os clubes.

Esta pesquisa, portanto, tem como objetivo analisar como se deram mudanças nas representações do litoral, entre os anos de 1925 e 1946, a partir de discursos, práticas, institucionalizações a respeito ou localizados nesse espaço. A praia não apenas como lugar de

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trabalho, mas também como espaço de sociabilidade, possibilitando inéditas formas de lidar com a educação do corpo, com mais sol, mais sal, mais areia, mais pernas, mais braços.

Cabe ainda destacar que no decorrer da pesquisa, não adotaremos apenas clivagens organizadas sob um modelo único de recorte social. Consideramos antes a complexidade que a sociedade ia envolvendo-se:

Ao privilegia r a pena s a cla ssifica çã o sócio-profissiona l, esqueceu-se de que outros princípios de diferencia çã o, igua lmente socia is, podia m da r conta , com ma ior pertinência , dos desvios cultura is. Assim sendo, a s pertença s sexua is, gera ciona is, a s a desões religiosa s, a s tra dições educa tiva s, a s solida rieda des territoria is, os há bitos de ofício. (CHARTIER, 1989, p.180)

Na pesquisa veremos, por exemplo, como membros das elites podem ser mais conservadores ou progressistas em relação a certas temáticas que envolvem o litoral. As práticas indicadas às mulheres ou certas imagens forjadas delas, pouco se conectam puramente com o recorte socioeconômico. A própria representação da miséria toma contornos diversos, por exemplo, em retirantes, pescadores ou mendigos.

Essa leitura foi possível pela constituição das fontes que se delimitam em: jornais impressos, revistas de variedades, almanaques, literatura (romances, crônicas e memórias) e fotografias. Reconhecemos que cada tipo de fonte exige do pesquisador o domínio de exercícios distintos de manuseio e conhecimento das possibilidades da fonte de acordo com suas especificidades. A escolha por uma variedade de fontes, entretanto, deve-se a uma aparição pouco recorrente do objeto de pesquisa nesse material. A definição de um único gênero de fonte, portanto, limitaria bastante as análises, além de entendermos que o cruzamento de algumas delas, por exemplo, material escrito com imagético ou materiais jornalísticos com a literatura, pode possibilitar considerações inéditas a respeito do tema.

A maioria dos jornais consultados, ainda que existissem anteriormente, só estavam disponíveis a partir da década de 1920, com exceção do Jornal do Ceará consultado na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. De acordo com Geraldo Nobre (2006, p.139), em pesquisa Introdução à história do jornalismo cearense, “no decênio de 1920-1930, o periodismo cearense assinala progressos consideráveis”. No decênio anterior apenas um jornal diário, o Correio do Ceará, teria permanecido, o que demonstra que esse período simbolizava uma forte renovação na imprensa. Os Jornais consultados nesta pesquisa foram:

• Correio do Ceará, jornal fundado em 1915 por Álvaro da Cunha Mendes. “O interesse pelo noticiário da conflagração mundial, bem como pelas ocorrências da política deveras

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agitada de então, tornou possível, enfim, a existência, no Ceará, do verdadeiro jornalismo, de cunho informativo”, afirma Nobre (2006) referindo-se ao cenário político nacional e a deflagração da Primeira Guerra Mundial como fatores fundamentais para o surgimento desse jornal. O Correio do Ceará tinha uma formação de páginas volátil durante o período pesquisado, variando normalmente entre 4 e 10 páginas. Embora contasse, como indica Studart (1924), no seu início com red atores padres católicos, logo nos próximos anos o jornal tem um caráter sutilmente mais progressista, mais afeito as novidades, do que, por exemplo, o jornal O Nordeste. A consulta do Correio do Ceará se deu no mês de julho de 2018, por meio de manuseio de todos exemplares disponíveis e em condições de consulta nos acervos do Instituto do Ceará e da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Embora sua primeira edição date de 1915, só foi possível consultá-lo a partir do ano de 1927. Pesquisamos este impresso, portanto, entre os anos de 1927 e 1946. Os anos de 1936 e 1939 não foi possível consultar nenhum exemplar por indisponibilidade ou impossibilidade de manuseio. Integralmente só foi possível consultar os anos de 1931, 1934, 1942, 1943, 1944, 1945 e 1946.

• O Nordeste, jornal fundado em 1922, “na condição de órgão genuinamente católico, amparado pela Arquidiocese de Fortaleza” (Nobre, 2006, p.139). Composto inicialmente por 4 páginas, depois passa a ter normalmente 8 páginas. Era considerado mais conservador devido ao vínculo com a igreja católica e pela oposição a certas novidades da época. Na maior parte da pesquisa, o Jornal se auto proclamava como aquele de maior assinatura no estado do Ceará. Este jornal está digitalizado e pode ser adquirido no Instituto do Ceará através de compra. Adquirimos os anos de 1922 até 1946, e o analisamos entre agosto e dezembro de 2018. A maioria dos anos estão disponíveis integralmente, com exceção de 1925 e 1939. A digitalização não permite a busca filtrada, sendo assim, a forma de consulta se deu por meio de pesquisa de cada página de cada exemplar disponível.

• Gazeta de Notícias, fundada em 1927 por Antonio Dummont e que proclamava independência política. O número de páginas variou entre 4 e 10. Este impresso foi consultado na Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel entre os meses de dezembro de 2018 e fevereiro de 2019. Só foi possível consultar o jornal entre os anos de 1927 e 1929 e alguns anos da década de 1940. A década de 1930 foi possível consultar

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poucos exemplares, devido as condições preservação do jornal. A forma de consulta se deu por meio de manuseio de cada exemplar disponível.

• Jornal do Ceará: “político, commercial e noticioso”, fundado em 1904. Esse jornal continha 4 páginas sendo geralmente a última dedicada a publicidade. Era publicado pela Empresa Typographica Cearense, dirigido por Waldermiro Cavalcanti e seus colaboradores. Segundo Nobre (2006, p.128), nesse período, “A notícia continua a ser um complemento do debate político, que se processa tanto na Assembléia como nas folhas. O Jornal do Ceará, fazia ferrenha oposição ao governo do oligarca Nogueira Accioly (STUDART, 1924; NOBRE, 2006). Esse jornal foi consultado por meio da plataforma de pesquisa da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. A consulta se deu por meio de busca filtrada entre os anos de 1904 e 1911, com a utilização das palavras: mar, praia, Praia do Peixe, Praia de Iracema, Praia Formosa, sport, littoral e natação.

Ao lado dos jornais, segundo o historiador da imprensa Geraldo Nobre (2006, p143.) “a década de 1920-1930 pode ser considerada a “fase áurea das revistas literárias, no Ceará””. As revistas eram importantes divulgadoras de modas, novos costumes e novidades de uma forma geral, por isso, muito contribuíram para impulsionar inéditas relações com o litoral. Compõem nossas fontes as seguintes revistas:

• Revista Ceará Illustrado, fundada em abril de 1924, de propriedade de Adalgisa Cordeiro e dirigida por Demócrito Rocha, publicava literatura, poemas e notas sobre atualidades, inclusive participando ativamente na campanha pela mudança do nome da praia. A revista era publicada semanalmente e contava com muitas imagens. Na opinião de Barão de Stuart (1924, p.228) tratava-se do “melhor magazine no genero apparecido no Ceará”. As edições da revista no ano de 1925 foram disponibilizadas digitalmente pelo site da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. Não foi possível consultar as edições anteriores.

• A Jandaia, circulou entre 1923 e 1930. Dirigida por Aldo Prado, apresentava-se como revista de arte, literatura e atualidades. De circulação quinzenal, essa revista em cada edição no ano de 1925 publicava 2 mil exemplares. As edições da revista a Jandaia foram disponibilizadas digitalmente pelo site da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará entre os meses de abril e julho do ano de 1925. Na Biblioteca Pública foi possível consultar

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manualmente mais algumas edições de 1924 (fevereiro, março e dezembro), de 1927 (abril a dezembro) e de 1930 (janeiro).

• Bataclan, fundada em julho de 1926, de Rogério Alencar & Cia, proprietário também da Empresa Cearense de Anúncios. Essa revista circulava quinzenalmente e era vendida aos sábados. Dedicada principalmente ao público feminino, dizia-se uma revista de arte e elegância, que fazia propagandas de produtos, lojas e máquinas. A revista Bataclan foi consultada entre os meses de julho e setembro de 1926, edições disponibilizadas digitalmente pelo site da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. Não foi possível consultar outras edições.

Sobre a escolha dos periódicos, jornais e revistas, como fontes, Luca (2006) destaca a importância de cuidados metodológicos com esses materiais. Buscamos, dessa forma, atentar aos discursos produzidos pela imprensa, tendo em vista suas motivações, temas, linguagens, orientações religiosas e política, a fim de atingir um público específico, bem como o diálogo com os outros periódicos do período.

Outra fonte consultada foi O Almanach do estado do Ceará administrativo, estatístico,

industrial e literário, circulou anualmente entre 1895 a 1962, fundado pelo político João Eduardo Torres Câmara. Nele encontramos os balanços financeiros e administrativos do ano, além de informações sobre outras instituições sociais, educativas, literárias, etc. A forma de consulta se deu por meio de busca filtrada na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional entre os anos de 1896 a 1902, únicas edições disponíveis.

A literatura e livros de memórias também foram consultados, são eles: Eduardo Campos (1988; 2003), Raimundo de Menezes (1977), Manuel de Oliveira Paiva (1961), João Nogueira (1954), Otacílio de Azevedo (1992), Domingos Olímpio (2003), Edigar de Alencar (1980), Juvenal Galeno (2010) e Gustavo Barroso (1979). Suas narrativas tanto auxiliam na compreensão geral de uma época em relação à política, à economia e aos costumes, como na compreensão das minúcias de um mundo sensível, difícil de ser apreendido em outros tipos de fonte.

Por fim, as fotografias, que foram obtidas no Arquivo Nirez, no Álbum de vista do Ceará de 1908, no Álbum Fotográfico de Fortaleza de 1931, além de fotografias e imagens dos jornais, do Almanach do estado do Ceará e daquelas que compõem as revistas. Segundo Burke (2017), a análise das imagens, sejam fotografias ou publicidades, não devem ser feitas

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ingenuamente como puro reflexo da realidade, mas como evidências da cultura material do passado, considerando seu sentido material, literal e metafórico.

O recorte temporal desta pesquisa compreende os anos de 1925 a 1946. Essa definição, entretanto, não é rígida no decorrer da pesquisa. Em alguns momentos discussões de momentos anteriores à 1925 são trazidos à tona. O próprio ano de 1946 não representa pontualmente uma só mudança, e sim diversos acontecimentos ao redor dele. Para recorte inicial o ano de 1925 foi escolhido, pois foi quando houve a substituição de nome da faixa de litoral mais próximo ao centro para Praia de Iracema, mudança que manifesta uma nova forma de representação do litoral. Esse fato, embora bem específico, é capaz de reunir diversas discussões naquele período no seu entorno, alguns anos antes, alguns anos depois. Na década de 1940, ao redor do ano de 1946, tem-se várias modificações importantes, por isso definido como recorte final. Nesse período, o mar diversas vezes invade a Praia de Iracema, destruindo clubes, casas, comércios. Além disso, a inauguração de piscinas em clubes fechados, afetará a relação de algumas práticas com o mar. O turismo também, gradualmente, invade a cidade de Fortaleza e consequentemente a praia, sendo construído em 1950 o primeiro hotel de luxo no litoral.

Cabe ressaltar que quando nos referimos ao litoral de Fortaleza entre 1925 e 1946 estamos falando da faixa de praia que era acompanhada pela urbanização da cidade até então. Em alguns momentos destaca-se a Praia de Iracema ou Praia do Peixe por ser aquela mais próxima do centro da cidade. No mapa que segue (FIG.1) correspondem a faixa de praia 1 e 2. A oeste, ao lado da Praia de Iracema, tinha-se a Praia Formosa (também conhecida na época como praia do Náutico), faixa de praia onde hoje localiza-se o hotel Marina Park, no mapa equivalente a faixa 3; e citava-se outros bairros praianos como Moura Brasil (também 3), Pirambu (número 4) e, no extremo oeste, os arredores da Barra do Ceará (Próximo ao rio Ceará), no mapa a faixa 5. Ao leste da Praia de Iracema, tinha-se respectivamente, o Meireles (faixa 6) e o Mucuripe (faixa 7 e 8), na época ainda considerado bairro tipicamente de pescadores. Do extremo oeste (Barra do Ceará) ao extremo leste (Porto do Mucuripe) tem-se uma distância de aproximadamente 15 quilômetros.

As faixas de praia assinaladas pelos números de 9 a 13, correspondiam a parte leste do litoral, que só seria frequentada a partir da década de 1960, região onde hoje localiza-se a Praia do Futuro.

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Figura 1 – Mapa do Litoral de Fortaleza – Faixas de Litoral abordadas na pesquisa correspondem da Barra do Ceará (n.5) ao leste Mucuripe/Porto do Mucuripe (n.7/n.8). Fonte: Dantas apud Dantas (2002).

Esta pesquisa está dividida em três capítulos. O primeiro –Naturezas reinventadas:

usos do litoral e novas sensibilidades - trata-se de uma revisão bibliográfica a respeito da

temática do litoral e da natureza no campo das ciências humanas, em que se inclui a historiografia. Esse capítulo foi essencial na identificação e análise de objetos e aportes teóricos possíveis dentro da temática do litoral, além permitir que esta pesquisa alcançasse certas aproximações e distanciamentos com outros estudos.

No segundo capítulo – Deslocamentos de sentidos no litoral de Fortaleza: da Praia do

Peixe à Praia de Iracema -, analisamos as circunstâncias em que mudanças importantes

ocorreram no litoral da cidade, quando outros sentidos e finalidades foram acrescentados a esse espaço, para além do trabalho. Esse capítulo divide-se em dois subtópicos. Primeiramente, procuramos apresentar como era esse litoral antes da apropriação de outros

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sujeitos que não os trabalhadores do mar, estivadores, pescadores, catraieiros. Essa discussão é imprescindível, pois ela nos desautoriza a falar em “invenção” da praia, e sim em um deslocamento de sentido. Em seguida, trataremos do contexto em que o litoral passa a entusiasmar grupos maiores da população, principalmente a partir da década de 1920. Além da questão da mudança do nome de parte do litoral: de Praia do Peixe para Praia de Iracema; as condições em torno dessa transformação são articuladas, incluindo-se aí a nova disposição a respeito da vida ao ar livre.

No terceiro e último capítulo, intitulado O advento da cultura física e do esporte na

cidade e no litoral, analisaremos as circunstâncias em que a cultura física e o esporte moderno

invadem o cotidiano da cidade. Paralelamente mudanças de sentidos no litoral se processavam e a voga atlética encontrava nesse espaço diversas formas de se manifestar. Nesse capítulo, composto por três subtópicos, discutiremos ainda práticas específicas com finalidades educativas, de divertimento, de saúde, que se davam no ambiente litorâneo. Cada tópico consiste em uma prática. O primeiro trata dos banhos de mar, uma das primeiras formas de relação mais próxima com a praia e de envolvimento bastante popular. O segundo aborda a natação, em que discutiremos o processo de formação das a grandes provas náuticas, bem como representações desse esporte. No terceiro analisaremos as corridas de jangadas, praticada pelos jangadeiros, mas endossada pelos clubes náuticos e membros das elites. Nestes eventos de corridas, tensões e contradições envolviam a prática, fazendo dela um rico objeto de análise da sociedade e das representações que se forjavam em torno do litoral do período.

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Capítulo 1 – Naturezas Reinventadas: usos do litoral e novas sensibilidades

Ao fazer um levantamento de pesquisas mais específicas sobre o litoral no recorte temporal próximo ao deste estudo3, encontramos uma quantidade razoável de publicações espalhadas ao longo da costa brasileira. São pesquisas publicadas principalmente a partir dos anos 1990 em diante, intensificando-se nos anos 2000. Como recorte geográfico encontramos mais pesquisas concentradas na região Sul do país, em especial nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e mais especificamente sobre o litoral da cidade do Rio de Janeiro. Na região Nordeste identificamos apenas um estudo, o qual abordava o litoral de Recife e Olinda. As pesquisas, embora tenham uma temática similar, originam-se de áreas do conhecimento diversas (História, Geografia, Sociologia, Arquitetura e Antropologia), tem metodologias e referências variadas e, cabe também ressaltar, tem problemas de pesquisa distintos.

A análise dessas pesquisas nos ajuda não só a construir um cenário do que já foi feito no campo das ciências humanas a respeito da temática aqui tratada, mas também delinear os contornos da nossa própria pesquisa. São estudos que nos apresentam diversas dimensões temáticas que suscitam a pesquisa do espaço litorâneo.

Um dos estudos de maior profundidade sobre a temática do litoral e que inspira vigorosamente este trabalho, é a obra do historiador francês Alain Corbin intitulada Território

do vazio: a praia e o imaginário ocidental (1750-1840), publicada em 1988 na França. Já no

ano seguinte, o livro foi traduzido para o português e editado pela Companhia das Letras. Grande parte das pesquisas sobre o litoral, as quais são citadas nesta pesquisa, fazem alusão a este livro de Corbin, tornando-o uma referência comum e de importância indubitável. Para compreender o novo sentido atribuído ao litoral, Alain Corbin parte das representações que fundavam a repulsa. Inspirada incialmente pela tradição judaico-cristã ocidental marcado pelo relato diluviano, em que o oceano caótico se apresenta como instrumento da punição, a repulsa também foi alimentada pelas leituras dos textos antigos reinterpretados pelos humanistas. Desde a Alta Idade Média, o mar estava associado a vários flagelos: invasões, peste, ataque de piratas e saqueadores, dentre outros. E, com os avanços das navegações, junta-se às já consolidadas ameaças a imagem do selvagem, os enjoos e vômitos das viagens longas, o mau odor, além de outros incômodos bastante descritos na literatura cientifica e médica do período. (CORBIN, 1989).

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Na segunda metade do século XVII o autor identifica fenômenos iniciais que iriam contribuir para o desejo pela beira-mar no século seguinte: a teologia natural, a exaltação das praias da Holanda e a moda da viagem clássica à baía de Nápoles. No século XVIII, com a ascensão da estética do sublime, uma categoria anterior ao Romantismo que desenvolve uma sensibilidade em relação a características ameaçadoras, agressivas e gigantescas da natureza, iria modificar a relação do ocidente com o litoral:

O ba nhista e os médicos concorda m em exigir do ma r três qua lida des funda mentais: a frieza (ou pelo menos o frescor), a sa linida de e a turbulência . (...) O ba nhista delicia -se a o experimenta r a s força s imensa s do ocea no. O ba nho na s onda s pa rticipa da estética do sublime: implica enfrenta r a á gua violenta , ma s sem riscos; goza r do simula cro de ser engolido; receber a verga sta da da onda , ma s sem perd er o pé. (CORBIN, 1989, p.85).

O Romantismo, no campo da estética, e o imperativo terapêutico, atrelada a uma racionalidade científica, no século XIX, foram ainda mais determinantes para aquilo que Corbin (1989, p.65) chama de “o despertar do desejo coletivo das praias” que se desenvolve nas cidades da Europa, em especial na França e Inglaterra.

No Brasil, em livro publicado pela primeira vez em 1948, Ingleses no Brasil, Gilberto Freyre (2000) traz algumas referências sobre o assunto. Nessa obra o autor busca entender no século XIX “a influência da cultura intelectual e material dos britânicos, da sua indústria, da sua técnica, das suas modas sobre a vida brasileira daquela época” (p.184). A abertura dos portos em 1808 teria aproximado parte do comércio no entorno das alfândegas, isto é, nas proximidades da praia da capital do Rio de Janeiro e nas cidades de Recife e Salvador. Para além da economia, os costumes dos ingleses, identificados em sua maioria com hábitos burgueses, teria modificado também a estrutura da cidade, preferindo residências mais isoladas: “entre o arvoredo, como na Tijuca (Rio) ou na Vitória (Bahia); perto dos rios como em Apipucos, no Monteiro, no Poço da Panela (Pernambuco); à beira-mar, como em Botafogo e Olinda.” (p.187). Mais próximos, portanto, de paisagens naturais. Para Freyre (2000), o banho de mar – “essa espécie de banho ao mesmo tempo higiênico e recreativo” (p.222) –teria se desenvolvido nessas cidades brasileiras por uma influência principalmente ligada aos ingleses.

Além dos ingleses, deve-se sublinhar a vinda da coroa portuguesa para a cidade do Rio de Janeiro em 1808, e, consequentemente, a chegada também de novas práticas e costumes. Nesse caso, o Rio de Janeiro aparece como possível pioneiro no costume de frequentar o litoral para além das atividades portuárias e pesqueiras, desenvolvendo-se na cidade a prática

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de banhos de mar no século XIX, inclusive pelo príncipe-regente D. João. (CAMARGO, 2007; O’DONNEL, 2013)

Também tendo como recorte temporal o século XIX, os trabalhos de Victor Melo (1999a; 2015) acerca do litoral do Rio de Janeiro, centram-se na história de dois esportes náuticos: o remo e a natação. Embora a prática do remo apareça de forma bastante discreta no contexto de Fortaleza, ambientada principalmente no Rio Ceará, e não no mar como na cidade do Rio de Janeiro, o conjunto de pesquisas de Melo ajudam a pensar o fenômeno esportivo que vai, aos poucos, se inserindo também no litoral. Para Melo (2001), o remo pode ser considerado, junto ao turfe, um dos primeiros esportes no formato moderno a adentrar no Brasil, em especial na cidade do Rio de Janeiro, a então capital do país. A cidade já teria recebido o esporte no século XIX, e logo não demorou para o litoral ser também o espaço propício para cenário de práticas de caráter esportivo. O remo e a natação já se manifestavam no litoral fluminense na segunda metade do século XIX, influenciados pela difusão de um interesse mais abrangente pela beira-mar e pelos banhos de mar, ainda que tivessem caráter de práticas terapêuticas. (MELO, 1999a; MELO, 2015)

Dentre os motivos que facilitaram o desenvolvimento dos esportes náuticos, o autor identifica: as preocupações com a saúde, a difusão dos banhos de mar, a preocupação com a segurança dos banhistas, a maior aceitação da exibição corporal e nova compleição muscular, uma dinâmica pública mais intensa, bem como a valorização dos exercícios físicos.

Uma das praias mais famosas atualmente na cidade do Rio de Janeiro, Copacabana, entretanto, só teria despertado o interesse da população fluminense nos últimos anos do século XIX e início do XX, como indica o trabalho de Julia O’Donnel (2013). Este trabalho dialoga intensamente com o aqui pretendido. Na interface de duas áreas de conhecimento, antropologia urbana e história, a autora trabalha com fontes similares (literatura, jornais, revistas e imagens) e olha com atenção para as práticas e sujeitos no espaço litorâneo entre o final do século XIX e início do século XX.

A invenção de Copacabana: culturas urbanas e estilos de vida no Rio de Janeiro (1890-1940), tem como problema a formulação e a permanência do símbolo de distinção

associado ao bairro litorâneo de Copacabana, “constituindo uma gama peculiar de culturas urbanas e estilos de vida ligados a um não menos peculiar conjunto urbanístico.” (p.15). A autora trata desde as primeiras manifestações de interesses4 pela faixa de litoral e pelo bairro

4 É importa nte ressa lta r que Copa ca bana não foi a primeira pra ia a ser frequenta da na cida de do Rio d e Ja n e iro .

Já no século XIX, Bota fogo, Sa nta Luzia , Boqueirã o do Pa sseio, Fla mengo e outra s pra ia s ma is próxima s a o centro era m ha bita das e frequenta das. (AZEVEDO, 1988; O’DONNEL, 2014; MELO, 2015)

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de Copacabana na década de 1890 à invasão mais massificada de camadas sociais variadas na década de 1940. Várias temáticas vão aparecendo em sua narrativa, algumas com mais centralidade e outras com menos: os banhos de mar, banhos de sol, turismo, cassinismo, vestimentas, relações entre grupos socais distintos, esportes e ginástica, a natureza, clubes, etc. Todas essas questões vão despontando com o intuído de indicar os mecanismos de distinção, baseado num ideal de modernidade, operado naquele novo espaço.

No litoral de São Paulo5, identificamos o trabalho de Vinicius Terra: A invenção da

Praia de Santos (1880-1940). Até o final do século XIX, o litoral de Santos aparecia de uma

forma pouco atrativa na imprensa, associado principalmente as imundícies e acidentes. Aos poucos, essa praia lodosa e putrefata, vai sendo modernizada com as melhorias e reestruturação do porto, ainda no século XIX. Paralelamente, chácaras e habitações secundárias começam a ser construídas, como afirma o autor “contornado por hábitos burgueses” (TERRA, 2016, p. 215). As corridas de cavalo são as primeiras manifestações de divertimento organizadas por esses grupos, ocorrendo principalmente aos finais de semana. No mesmo período, banhos de mar passam a fazer parte da rotina de algumas famílias burguesas, endossados por uma literatura médica e cientifica brasileira que vê na água salgada e fria qualidades terapêuticas. (TERRA, 2016)

No começo do século XX, Terra (2016) destaca a instalação de bondes elétricos e linhas que chegariam até a orla, bem como o aparecimento de hotéis de médio e grande porte, como importantes acontecimentos numa nova forma de relacionar-se com a praia. Clubes sociais e esportivos, que já vinham aparecendo no final do século anterior, consolidam-se na virada do século, juntando-se a outros que viriam a surgir. Como principais divertimentos, destacava-se a canoagem e o críquete. A partir da década de 1940, a praia passa por mudanças de sentido, em especial com o aparecimento d e piscinas, que vão descreditar as funções terapêuticas e pedagógicas do mar. Esse mesmo período sentencia o uso turístico e lúdico do litoral santista, deixando poucos espaços para manifestações diversas.

No litoral da região sul do país destacamos alguns trabalhos. No estado do Rio Grande do Sul, desenvolveu-se no seu litoral principalmente a prática de veraneios, isto é, a procura a certas praias em períodos de temperaturas mais elevadas. Essa forma de estruturar uma relação com o litoral intermitente, sem vínculos permanentes, afeta toda a lógica de sociabilidade que se dá naquele espaço, gerando muitas vezes uma dicotomia entre aqueles que tem moradia principal próximo ao litoral e aqueles que tem aquele espaço como moradia

5 No litora l de Sã o Pa ulo, Ha roldo de Ca ma rgo fa z referência à cria çã o de uma estâ ncia ba lneária no Gua rujá , na

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secundária. Alguns trabalhos que tratam da temática do litoral no Sul do país, tem como problema central essa relação. (SCHOSSLER, 2013; FREITAS, 2014)

Sobre a praia do Cassino, pertencente ao município do Rio Grande, Gustavo Freitas (2014) investigou a construção das memórias acerca dos infames6 no bairro-balneário do Cassino no começo do século XX, tendo como recorte analítico as práticas de divertimentos. Metodologicamente apoiado na perspectiva da história oral, realizou entrevistas com moradores do bairro, entre “famosos” e “infames”. Para Freitas (2014) os infames ou cassineiros atribuíam um sentido ao mesmo tempo laboral e de divertimento para as práticas realizadas na praia, distanciando-se daquele sentido terapêutico ou exclusivamente de lazer atribuído pelas elites que frequentavam o bairro de forma temporária. Afora isso, os infames tinham outras práticas no bairro, mas que não envolviam a praia: andar a cavalo, bailes, futebol, bares. A relação que estabeleciam com o litoral era bastante complexa, em que elementos do divertimento, da educação e do trabalho se confundiam.

Outro trabalho que tem como recorte geográfico o litoral do Rio Grande do Sul é o de Joana Schossler (2013), centrado não em uma cidade específica, mas no fenômeno do veraneio no litoral norte e sul do estado. Partindo do propósito terapêutico para o hedonista, as iniciais manifestações de entusiasmo pela beira-mar e a vilegiatura marítima no Rio de Grande do Sul teriam começado nas primeiras décadas do século XX. A autora destaca, no caso específico do estado do Rio Grand e do Sul, a importância do pioneirismo dos imigrantes europeus (alemães, italianos, portugueses) e seus descendentes, seja nas primeiras expressões de interesse pelo litoral, seja no empreendedorismo, em especial na dinâmica hoteleira. Outros fatores, mais gerais, também são evidenciados como decisivos para a difusão do interesse do veraneio e da vilegiatura marítima: o discurso médico que identifica o mar como cura e refúgio dos males modernos, o direito a férias conquistado na década de 1930, o desenvolvimento de tecnologias de transportes, além do processo de urbanização nas praias balneárias.

Ainda na região sul encontramos a pesquisa de Sérgio Luiz Ferreira (1998) intitulada

O banho de mar na ilha de Santa Catarina, que tem como objetivo “perceber o processo de

implantação do desejo coletivo de estar à beira-mar em Florianópolis, bem como o surgimento da concepção do mar como local de banhos.” (FERREIRA, 1998, p.17). O

6 Apoia do em Michel Fouca ult, o termo escolhido por Freita s (2014, p.15) “é utiliza do pa ra identifica r sujeitos

sem fa ma , a toda s a s vida s que estã o destina da s a tra nscorrer à ma rgem de qua lquer discurso ta l como “existências-relâmpagos””. Em sua pesquisa, os infames são representados pelos sujeitos de ca madas populares, como pesca dores, emprega da s doméstica s, pedreiros, mecâ nicos que vivia m perma nentemente no ba irro do Ca ssino.

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historiador analisa como fontes jornais da cidade de Florianópolis dos meses de janeiro e fevereiro, período característico das práticas de veraneio. Para o autor, os diversos sentidos atribuídos a prática do banho de mar foram se modificando: desde prática proibida no século XIX pelo código de posturas da cidade até elemento central nas atividades de turismo da década de 1960 e 1970, passando também pelo sentido terapêutico e divertimento das famílias no começo do século XX. Segundo Sérgio Ferreira, os banhos de mar tiveram papel importante na estruturação da cidade de Florianópolis e nos costumes, principalmente com sua difusão na década de 1930: “O banho de mar mudou a configuração da cidade, sua área de expansão, modificou a arquitetura e as direções das fachadas das casas, ditou novas modas e novos trajes, transformou mentalidades e hábitos, calou preconceitos arraigados e suscitou outros.” (FERREIRA, 1998, p.19). O autor preocupa-se principalmente com a prática dos banhos de mar, mas em sua pesquisa outras práticas aparecem de forma mais secundária: os piqueniques ou convescotes e as práticas esportivas, assim como no Rio de Janeiro, o remo e a natação.

Claudia Moraes (2017), mais recentemente, também se dedicou a investigar a relação a prática do remo com o processo de urbanização da cidade de Florianópolis entre 1857 e 1932. Para a autora, o remo era uma prática que ressignificava o litoral por meio de uma educação do corpo em consonância com o ideário moderno que aos poucos instalava-se na ilha. Ainda sobre o litoral de Santa Catarina, A invenção do litoral: reformas urbanas e a

reajustamento social em Florianópolis na Primeira República, foi o título da dissertação do

historiador Hermetes de Araújo (1989). Embora muito mais preocupado com as reformas urbanas e o reajustamento social do que com o litoral propriamente, esse trabalho tem como problema central a imagem que se forja do homem do litoral frente aos novos anseios de modernização latentes na Primeira República:

A pa rtir da leitura socia l que pa ssa ra m a impor, o ha bita nte do litora l se configura v a como o outro em rela çã o a os va lores, a os há bitos e à s ima gens pela s qua is se modela va m as elites loca is. E esse outro era construído, cria do, inventa do, como u m tipo específico que seria porta dor de ca ra cterística s essencia lmente nega tiva s, c o m o a inca pa cida de, a indolência , a decência , o a tra so etc., o que contribuiu fortemente pa ra cria r um ca mpo de verda des e justifica r os desejos de intervençã o tutela r da s elites, ma nifesta dos no período (HERMETES, 1989, p.14)

Ainda que pouco disposto a entender a difusão de um interesse pelo litoral, iniciado nesse período, é muito possível que essa tenha sido a primeira pesquisa no Brasil – ou uma das primeiras – no campo da história a ter em seu título a palavra litoral, já no final na década

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de 1980. Destacamos, portanto, certo pioneirismo nesse trabalho, ainda que com problema de pesquisa e forma de olhar para o objeto bastante distintos dos outros e do aqui pretendido.

No litoral de Pernambuco, destaca-se a extensa pesquisa da historiadora Rita de Cássia de Araújo sobre o litoral de Recife e Olinda. Fruto da sua tese de doutorado e amparada na história social, As praias e o dias tem como objetivo:

reconstruir e interpreta r a s forma s de ocupa çã o, os usos, e significa dos socia is a tribuídos à s pra ia s do litora l perna mbuca no, em pa rticula r da quela s que estivera m sob influência direta da cida de de Recife. Nesta útlima , observa mos precisa mente a s pra ia s do Brum, do Pina e de B oa Via gem. Em Olinda , a ênfa se da a ná lise reca iu sobre a s pra ia s situa da s no seu perímetro urba no ou que lhe fica va m próxima s: pra ia s do Istmo, Mila gres, Ca rm o , Sã o Fra ncisco e Fa rol. (ARAÚJO, 2007, p.15).

O recorte temporal compreende os anos de 1840 a 1940, período em que a introdução dos banhos de mar, sua difusão e a consolidação das praias como local de cura, recreio, repouso e convívio social se configuraram gradualmente. Segundo Araújo (2007), até meados do século XIX a preferência, nas cidades de Recife e Olinda, era pelos banhos de rio. No entanto, a autora destaca dois movimentos no final do século XIX que foram determinantes para a aproximação com o litoral: o reconhecimento de base científica e a difusão das virtudes terapêuticas das águas salgadas, e o crescimento urbano que iria ampliar a busca por locais além do perímetro central da cidade.

Na década de 1920, os ideais ligados as cidades balneárias se formam com mais consistência no litoral de Olinda e Recife, tendo sido por exemplo construída uma avenida beira-mar em Boa Viagem já em 1925. Na década seguinte, Araújo (2007, p.432) identifica como consolidado um modo específico e coletivo de vivenciar as praias:

Um modo que privilegia va a s prá tica s cultura is esportiva s e recrea tiva s, o desca nso, a contempla ção da na tureza , os pa sseios a pé pela pra ia , os ba n h o s de ma r e os de sol, que fa cilita va m a forma çã o de grupos de convivência e a miza de. As pra ia s torna va m -se, ta mbém, loca l privilegia do pa ra exibições pessoa is, pa ra ostenta r sina is de luxo e riqueza , de elegâ ncia s, distinções e prestígios por pa rte da queles que os detinha m.

O litoral de Recife e Olinda, assim como o de Fortaleza e de muitas outras cidades costeiras do Brasil, se delineia como local de diversas práticas sociais, de encontros, conflitos, mas também como território do divertimento, da cura e de múltiplas pedagogias que atribuíram ao corpo centralidade.

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Portanto, como foi apresentado, algumas pesquisas no campo das ciências humanas já se debruçaram especificamente sobre a temática do litoral. Muitas delas compartilham de uma problemática similar: a conformação de novos sentidos atribuídos ao litoral num dado período. Dessa forma, essas pesquisas possuem alguns aspectos em comum. A maioria delas, por exemplo, vai assumir que se operou no litoral um distanciamento ou uma ruptura em relação ao seu sentido anterior, respeitando as especificidades de cada recorte geográfico e temporal. Algumas expressões que aparecem nas problemáticas, nos objetivos ou nos títulos vão evidenciar isso: “Desejo coletivo de estar à beira-mar”, em Ferreira (1998), pressupondo que anteriormente não haveria esse desejo coletivo; “mudança no imaginário social (...) em relação ao litoral” (p.23), em Schossler (2013); “Praia como espaço de sociabilidade”, em Azevedo (1988); “consolidação de uma forma predominante da coletividade usufruir praias e mares” (p.15), em Araújo (2007); “A invenção da praia de Santos”, em Terra (2016), expressão talvez mais drástica de ruptura, do vazio a uma criação.

Há ainda outras pesquisas que embora não tenham como problemática central essas mudanças que se operam no litoral, dão grande importância a este contexto em suas análises. São eles: A invenção de Copacabana, em que O’Donnel (2013) tem como problema a formulação e a permanência do símbolo de distinção associado ao bairro litorâneo de Copacabana; as pesquisas de Victor Melo (1999a, 2001, 2015) sobre a formação de um campo esportivo institucionalizado das modalidades de remo e natação no litoral do Rio de Janeiro; e Freitas (2014) sobre construção das memórias acerca de sujeitos de camada populares no bairro-balneário do Cassino, no Rio Grande do Sul, tendo como recorte analítico as práticas de divertimentos.

As pesquisas também possuem uma importante referência bibliográfica comum, a obra do historiador francês Alain Corbin Terrítorio do Vazio: a praia e o imaginário ocidental, com exceção de Thales de Azevedo, que publicou seu ensaio no mesmo ano que Corbin publicaria a obra em francês, em 1988. Terrítorio do Vazio, assim como este trabalho e os mencionados anteriormente, tem como objeto um litoral inédito, ou melhor, formas inéditas de sentimentos e de relacionamento entre os sujeitos e as praias. No decorrer da obra, Corbin (1989) se expressa de diversas maneiras sobre sua problemática, fala em um “despertar do desejo coletivo das praias” (p.65); na penetração do litoral “no horizonte dos atrativos” (p.72); na “emergência de um prazer e suas modalidades” (p.299); ou, em alguns momentos, lança mão de expressões mais categóricas, como a genealogia de uma “praia moderna” (p.298) ou simplesmente “invenção da praia” (p.82). Atentar para o uso de expressões como

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“desejo” 7, “atrativos” e “prazer”, nos ajuda a entender não só a problemática, mas também o

modelo teórico-metodológico cujo autor apoia-se. Para Corbin (1989), os “dispositivos afetivos”, isto é, as emoções, os desejos, os sofrimentos, os prazeres, os comportamentos são instrumentos legítimos na pesquisa histórica, capaz de “reencontrar a coerência dos sistemas de representação e apreciação”. (p.7), caracterizados por muitos como história das sensibilidades8.

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Mais especificamente sobre o litoral da cidade de Fortaleza destacamos alguns outros trabalhos, que cabe aqui comentar um pouco mais. São pesquisas nas áreas de sociologia, antropologia, geografia e, mais timidamente, na história.

Em Mar a Vista, o geógrafo Eustógio Dantas (2002) tem como problema central a mudança do caráter da cidade de Fortaleza em relação ao litoral no decorrer do século XX. De cidade litorânea-interiorana para litorânea-marítima, de Capital do Sertão para Cidade do Sol, este é o movimento que o autor identifica na cidade. No Ceará colonial, o sertão já se sobrepunha do ponto vista tecnológico, natural e simbólico, frente ao litoral, sediando no interior a maior parte das atividades econômicas do estado, ainda dependente administrativamente da capitania de Pernambuco.

Seria só no início do século XIX, quando Ceará torna-se político e administrativamente independente de Pernambuco e quando há a abertura dos portos brasileiros para além da metrópole, bem como o desenvolvimento da cultura do algodão no estado, que Fortaleza se colocaria como geoestratégia de canal para o exterior, ainda que, como ressalta Dantas (2002, p.24) “sem abdicar herança proveniente de quadro simbólico do sertão”. Esses eventos seriam, entretanto, possibilitadores necessários da construção da

7 Ca be lembra r que no origina l o livro é intitula do Le territoire du vide: L’Occident et le désir du rivage

(1750-1840). Nesse ca so, a pa la vra desejo está presente no título origina l em fra ncês e a pa la vra ima giná rio teria sido

a crescenta a penas no título em português.

8 Pa ra o historia dor fra ncês Ala in Corbin (2005, p.19), a história da s sensibilida des busca “ identifica r a utiliza ção

dos sentidos que permitiu construir imagens do outro, dar forma ao imaginário cultural.”. Interessa -se, portanto, ma is pelos sentidos e menos pela s ca usa s. Além do Território do Vazio, outra s obra s do a utor, como Saberes e

odores, Histoire du silence, dentre muita s outra s, preocupa -se em reconstruir a rela çã o da s socieda des com

diversos sentidos, seja o olfa to, a a udiçã o, a visã o em rela çã o à na tureza , a o corpo, à s emoções etc. Outros historia dores ca ros a esta pesquisa ta mbém tra balha ram com a história da s sensibilida des e dos sentidos, sã o e le s Keith Thoma s (1988), Huizinga (2010), Viga rello (1985; 2014). Na história da educa çã o no Bra sil temos Rocha (2017), Ta borda de Oliveira ; Beltra n (2013); Ta borda de Oliveira (2018), entre outros.

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dominação do litoral sobre o sertão na visão do autor, em especial graças ao porto da cidade de Fortaleza.

Embora, segundo Dantas (2002), o final do processo de transformação do caráter de Fortaleza em cidade litorânea-marítima só ocorra no final da década de 1980, já nas décadas de 1920 e 1930 – parte do recorte temporal da pesquisa aqui realizada – teria se iniciado timidamente a incorporação inicial das zonas de praia a partir da Praia de Iracema.

A forma como o autor trata esse período, designado por ele como inicial no processo de integração das zonas de praia à cidade, e mais que isso, nas mudanças na mentalidade da população em relação ao litoral, é ainda pouco trabalhada. Atribuindo causas predominantemente economicistas para a aproximação com o litoral, a terapêutica só aparecendo timidamente em relação aos banhos de mar realizados pelas classes abastadas, deixa-se de lado o sentido multifacetado que as várias práticas e usos do espaço litorâneo manifestavam, não se restringindo a uma classe (embora conflitos de classes ali se efetivassem). São exemplos de práticas que atribuem sentidos totalmente inéditos para a praia: os esportes náuticos, em especial as corridas de jangadas e provas a nado, sejam institucionalmente organizados ou de caráter mais espontâneo.

Ainda que não seja comparável a transfiguração pela qual a cidade passa na década de 1980 e 1990, caracterizada pela ampla valorização do turismo e do mercado imobiliário nas zonas da praia, com o que ocorreu entre as décadas 1920 e 1940, é neste último período que já se pode falar num interesse difundido entre a população local pelo litoral. Apesar de não ser o suficiente para que a totalidade dos grupos abastados ou a população como um todo se tornasse desejosa por residir nas zonas da praia, é a partir da década de 1920 e 1930 que o ambiente litorâneo se consolida como um local de sociabilidade, de encontro e de conflitos para a maior parte da população, em que interesses relacionados à saúde, à beleza e ao divertimento se agregaram ao sentido anterior e ainda existente de trabalho, evidenciado principalmente pelas atividades pesqueiras e portuárias.

Nossa pesquisa, portanto, pretende colocar uma lupa no período entre 1920 e 1940 e nas relações da cidade de Fortaleza com seu litoral por meio das práticas, questionando, dessa forma, o caráter supostamente tímido, embora reconhecidamente inicial, desta relação.

Os estudos de Eustógio Dantas (2002, 2010), além de todas as reflexões proporcionadas sobre esta relação litoral-cidade, conceituada como maritimidade9 por vários

9 O conceito de ma ritimida de é ba sta nte centra l na obra de Da nta s (2002, 2010), seu entendimento a poia -se na

visão de Paul Claval: “[...] maneira cômoda de designar um conjunto de relações de uma população com o mar – a quela s inserida s no pla no da s preferência s, da s ima gens e da s representa ções coletiva s em pa rticula r.”(2010,

Referências

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