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O 6.º noviço de frei Martinho da Santa Maria foi Frei Baltazar das Chagas, que se afirmou como corista, foi nomeado varias vezes guardião dos conventos de Salvaterra e

3.1. A Livraria no contexto conventual da Serra da Arrábida

3.1.1. Livraria Velha

A informação escassa não nos permite configurar com claridade elementos temporais ou espaciais que permitam situar em termos concretos a fundação e a evolução das instalações da Livraria. Não obstante, a falta de registos não diminui a importância que os religiosos atribuíam ao espaço que deveria albergar os livros apesar das restrições da regra franciscana. A necessidade de ter um espaço próprio para os livros necessários, seja para a evolução espiritual de cada um, seja para práticas religiosas, determinou-os a contemplar nos estatutos as normas de construção de um tal espaço.

Os Estatutos da Província de Santa Maria da Arrábida, no capítulo 40, intitulado Dos edifícios, estabelece que “Havera em cada um dos nossos conventos duas casas lançadas fora da quadra do dormitório, huma para livraria, outra para hospedaria […]” (ESTATUTOS, 1698, p. 79).

Começando com o aspeto cronológico, relativamente à data da edificação da Livraria Velha seria apropriado apontar para duas possíveis datas, 1542 ou 1546.

A primeira data - o ano 1542 - representa a fase inicial da construção do chamado Convento Novo e compreende a edificação do conjunto das seguintes dependências: igreja, cozinha, refeitório, fonte e umas celas; enquanto o ano de 1546 situa-se na fase

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de acrescentos efetuados por D. Jorge, que incluem a finalização da igreja, a construção do coro e antecoro, da sacristia e antessacristia (QUINTELA... [et al.],1996, p. 351). Os autores da crónica Espelho de penitentes..., frei António da Piedade e frei José de Jesus Maria, ao relatar as fases da construção de várias instalações do convento, não mencionam o mesmo processo em relação à Livraria.

Por outro lado, ainda relativamente à fase inicial de construção, conta o mesmo autor, que frei Martinho opôs-se à extensão da construção do convento para não ofender o espírito franciscano seguido pelos arrábidos: “Não fez o Duque D. João de Lancastre mais obras, pela repugnância do Venerável Fr. Martinho...” (PIEDADE, 1728, p. 58). Neste contexto, será que foram seguidas as diretivas dos Estatutos e construíram uma livraria também em conjunto com outras dependências ainda em 1542, ou dada a relutância do frei Martinho em construir mais dependências, este espaço foi edificado mais tarde? E se for este o caso, em que altura se pode situar a construção da Livraria Velha: a partir do ano 1546, na fase de finalização das construções de dirigidas por D. João, ou ainda mais tarde? Uma vez que não existe nenhuma indicação acerca deste espaço nos anos já referidos, é difícil de conjeturar a data da fundação da Livraria Velha.

Relativamente à localização da Livraria Velha no contexto conventual tomamos como ponto de partida a mesma fonte, e a mais antiga que se conhece sobre o convento, ou seja a Crónica de frei António de Piedade. O citado autor, referindo-se a este espaço, descreve apenas numa frase onde estará situada a Livraria, sem entrar em detalhes:

Junto a este terreiro [Santiago], sobindo vinte dous degraous, faz a Serra huma abertura, da qual se contínua outra rua coberta de parreiras, de sessenta passos de comprido, e de sete palmos de largo, e nella la se vêm a Livraria, e mais duas cellas. Não tem mais ruas (PIEDADE, 1768, p. 65).

Ao identificar o respetivo espaço in loco, tomamos como ponto de referência ainda as descrições de Perestrelo (1952, p. 122): “Ao deixarmos o Terreiro de Santiago, trepamos doze íngremes degraus e achamo-nos no “segundo dormitório […]. À esquerda, celas, a Livraria Velha e o “Relógio” em recanto ladrilhado com bancos de ambos os lados. Não tem mais ruas”. Dado que para este tipo de identificação cada elemento referido é muito importante, não nos deixa sem ponto de interrogação a discrepância que observamos nas duas afirmações citadas no que diz respeito ao número de degraus. Deste modo, ao subir do Terreiro de Santiago, são vinte e dois degraus,

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segundo a afirmação de Piedade, enquanto de acordo com Perestrelo são doze. Não se sabe a que se deve esta diferença no número de degraus. Tirando este aspeto discrepante, as descrições feitas na Crónica apontam para o mesmo espaço que hoje se pensa que outrora era a antiga Livraria.

Para atestar a ideia acima exposta reproduzimos a descrição do cronista sobre a localização do Terreiro de Santiago, que antecede o acesso para a Livraria Velha:

Mais adiante se vê um pequeno, mas alegre terreiro, de comprimento de doze passos e seis de largo, que chamão de Santiago,… . Logo se encontra com a cella dos Prelados, junto a huma escada coberta, que desce para o Coro. Em eminente lugar, subindo huma escada tosca de dezasseis degraos, se admira a cella do Venerável Frei Diogo dos Anjos, singular Anacoreta deste Ermo (PIEDADE, 1728, p. 69).

É precisamente a partir deste terreiro que 12 degraus levam para a rua sem outras ruas, onde se encontram as duas celas e a Livraria Velha. Neste enquadramento, ao subir os respetivos degraus, a primeira porta à esquerda, atualmente identificada com o número 18, pertence à Livraria Velha. Numa perspetiva mais global, está situada no corpo do segundo dormitório. Segundo a descrição de Piedade, identificamos a localização da Livraria Velha no espaço representado na Figura 1, que neste caso seria a terceira porta a direita, ou seja, é a cela que tem o telhado próprio e mais alto do que a das primeiras duas celas.

62 Figura 1 – Suposta localização da Livraria Velha (terceira porta a direita)

(Foto da autora, 27.05.2018)

Sobre a área da Livraria, os Estatutos indicavam: “terão as tais casas vinte palmos de comprido, será a largura a da quadra, para que fiquem mais perfeytas” (ESTATUTOS..., 1768, p. 79). As medidas tiradas no local mostram que o comprimento do espaço é de 3,2 m, a largura é de 2,6 m, que se traduzem numa área de cerca 8,3 m2. Comparando com a área prevista pelos Estatutos, e considerando que um palmo tem cerca de 22 cm, verificamos que a área total é inferior relativamente às medidas estipuladas.