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crianças Histórias de pretos e de brancos com ilustração de Maria Keil

2.3. o livro como comunicação, ludicidade e artefacto de design

2.3.1. o livro como comunicação

Ao afirmarmos que o livro é comunicação queremos sublinhar, por um lado, a conceptualização exposta no ponto que precede esta abordagem, o 2.2.1, em que dissertámos acerca da materialidade do livro e, por outro lado, clarificar o que encerra essa afirmação.

Deste modo, começaremos por apresentar a perspectiva conceptual acerca do que queremos dizer quando enunciamos comunicação.

Os vários autores que escolhemos para nos orientar nos modos de pensar o livro, das páginas 46 à 53 desta dissertação, cada um, a seu modo, destacam um ou outro aspecto da complexidade inerente ao livro. Ao assumirmos o livro como um artefacto vivo, reconhecemos que ele é um meio, um suporte de signos verbais, não verbais ou para verbais, que envolve um destinatário que, utilizando-o, por ele é influenciado. Em consequência disso, o livro é considerado como um medium de comunicação e, como tal, reportamo-nos ao pensamento de Mcluhan para quem o “medium é a mensagem” (McLuhan, 2008: 21).

Ao elaborarmos a proposta projectual da maquetização de transposição do livro para crianças Histórias de pretos e de brancos para a web como se poderá verificar no ponto 3.2. desta dissertação, o livro medium é colocado numa dimensão de convergência multi média que a web possibilita.

Esta aproximação ao livro, feita através do medium, remete-nos também para a necessidade de clarificar o conceito de comunicação uma vez que o conhecimento comum, em geral, sublinha um dos eixos conceptuais que constituem este conceito polissémico.

Como podemos verificar de seguida, e adoptando o pensamento de Frank Dance (1970), a comunicação não pode ser definida por um conceito, mas por um feixe de conceitos.

O livro como medium de comunicação envolve toda a teia conceptual que passaremos a expor.

Mas, primeiro, iremos indagar sobre o uso que os falantes da língua portuguesa fazem do vocábulo comunicação. De acordo com o Dicionário do Livro de Faria & Pericão (2008: 296), a palavra comunicação, neste contexto, aparece ligada ao acto ou efeito de comunicar. Mais ainda, é um processo complexo de que os media são apenas uma parte; é a transferência de significados por meio de transmissão de sinais; exposição oral ou escrita sobre um tema; transmissão de informação; meio de transmissão; passagem;

conversação; informação; actividades educativas; publicações, de modo a atingir o maior número possível de utilizadores; aviso; notícia;

participação; declaração.

Como é possível, podemos verificar a existência de uma diversidade de significados associados à palavra comunicação de onde destacamos, a comunicação enquanto processo, informação, transmissão, relação, artefacto e acção e meio.

Na verdade, a comunicação humana é muito mais do que transmitir informação, como geralmente é entendida. A comunicação é também partilhar pensamentos, gestos, silêncios, expectativas, espaço, tempo, experiências mediados ou não por artefactos. Mas primeiro e antes de tudo, ela é condição de ser do Humano, que se manifesta diversamente e produz efeitos. Sublinhamos que a comunicação é um fenómeno humano e as suas manifestações estão em constante mudança e evolução. Porém, o processo da comunicação visa a intercompreensão, a sua meta ideal.

O livro, enquanto medium de comunicação, é um artefacto mediador de comunicação cuja mesma meta deve orientar-se para a

intercompreensão.

As gravuras rupestres nas cavernas, a invenção da linguagem, da escrita, da tipografia e, hoje em dia, a revolução comunicacional tecnológica encabeçada pelo computador e pelos meios digitais, são exemplo da emergente necessidade humana de comunicar e de potenciar a compreensão.

Segundo Conceição Lopes (Dezembro de 2007), a comunicação é um processo inevitável, intencional e irreversível, sendo, assim, é impossível fechar ou restringir este processo numa única definição.

Sendo nosso objectivo, neste ponto, clarificar o conceito de comunicação que nos orienta, escolhemos a obra de Frank Dance acerca do tema em questão: The “Concept” of Communication (1970). O autor sistematiza o processo de comunicação, identificando quinze eixos conceptuais que possibilitam a compreensão da complexidade do processo da

comunicação humana. Conceição Lopes (Dezembro de 2007), interpretando Dance, distingue cada um dos quinze eixos da seguinte forma:

a comunicação como símbolo verbal ou de discurso - onde existe a troca verbal de pensamentos ou ideias;

a comunicação como compreensão - processo dinâmico de compreensão parte a parte, em constante mudança e permanente adequação entre os protagonistas da situação;

a comunicação como interacção / relacionamento / processo social - a comunicação é interacção, sendo este um dos seus sistemas

primários;

a comunicação como diminuição da incerteza – a comunicação emerge da necessidade de diminuir a incerteza, para agir eficazmente e proteger ou fortalecer o ego;

a comunicação como processo - a comunicação é o processo de acção e de transmissão de informação, ideias, emoções, recorrendo ao

uso de símbolos que tanto podem ser palavras como imagens, figuras, gráficos ou tecnologias;

a comunicação como transacção, transmissão e interacção - a comunicação é o fio condutor de algo que é transferido seja de um objecto ou de uma pessoa para outra. Nesta dimensão, comunicação pode significar o que é transferido ou os meios que servem para fazer a transferência ou todo o processo;

a comunicação como ligação e união - a comunicação é o processo de ligação de partes descontínuas de realidades do nosso mundo, une- as umas às outras;

a comunicação como partilha - a comunicação é o processo que torna comum a duas ou várias pessoas o que era pertença de uma ou de poucas. A comunicação liberta a informação;

a comunicação como medium / canal / transporte / meios / via - a comunicação é um meio de enviar e partilhar, mensagens ou ordens, por telefone, televisão, rádio, correios e várias plataformas informáticas (internet, sites, blogs, chats, twitter, facebook, etc.);

a comunicação como reprodução de memórias - a comunicação é o processo de orientar a atenção de outra pessoa com o objectivo de partilhar testemunhos e reproduzir memórias;

a comunicação como resposta discriminatória / modificação de comportamentos / resposta / mudança - a comunicação é a resposta discriminatória de um organismo vivo a um estímulo. Estabelece-se a comunicação quando um dos protagonistas da interacção, em presença de um outro na mesma situação, produz uma alteração química ou física numa dada situação, emitindo um sinal, que influencia o comportamento do outro;

> a comunicação como estímulo – a comunicação é a transmissão de informação, consistindo num estímulo discriminativo, de um emissor (fonte) para um receptor;

> a comunicação como consciência / comunicar com objectivo / persuasão - a comunicação tem como interesse fulcral as situações comportamentais em que uma fonte transmite a mensagem para um ou mais receptores com a intenção consciente de influenciar os

a comunicação como situação - o processo de comunicação é aquele em que existe a transição de uma situação estruturada como um todo para outra, na forma pretendida.

a comunicação como poder - a comunicação é o mecanismo através do qual se exercem poderes.

Para terminar, face ao anteriormente exposto, destacamos que o livro, independentemente da sua natureza material ou imaterial deverá considerar cada um destes eixos conceptuais para ser um medium de comunicação e, como tal, um livro vivo.