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CAPÍTULO 1 – ELEMENTOS TEÓRICOS

1.4 Algumas considerações sobre o livro didático

1.4.3 O livro didático e o trabalho docente

Na verdade, a posição privilegiada que o livro didático ocupa hoje na escola pode ser explicada por razões históricas que marcaram a questão da educação no contexto brasileiro. De acordo com Batista (2000),

é no mercado escolar, que acolhe e utiliza o livro didático, (...) que podem ser encontrados muitos dos fatores condicionantes das características materiais, funcionais e estruturais da produção didática de uma determinada sociedade, num determinado momento de sua história (BATISTA, 2000, p. 562- 563).

Com o processo de democratização do ensino público, ao longo dos anos 60 e 70, a população escolar brasileira cresceu consideravelmente. Esse crescimento, por sua vez, exigiu a necessidade de um número maior de professores em um curto período de tempo. Preparados pelos Cursos de Licenciatura ou pelas Escolas Normais, esses profissionais tiveram uma formação deficitária. Como ressalta Molina (1988), neste caso, infelizmente, a quantidade não se fez acompanhar pela qualidade e o que se viu foi a formação de professores em cursos rápidos, sem maior embasamento teórico (p. 26).

A extensão do crescimento de docentes, no Brasil, no período acima refereciado, pode ser apreciada pelos dados estatísticos apresentados por Batista (2000) sobre um estudo realizado pela professora Aparecida Joly Gouveia (1968). Os resultados da pesquisa mostram que os professores de nível médio eram cerca de 67.000 em 1959 e calcula-se que, quatro anos

depois, em 1963, já tivessem ultrapassado a casa dos cem mil, além de constituírem também, nessa mesma época, “a categoria profissional mais numerosa dentre as consideradas de nível universitário” (BATISTA, 2000, p. 559-560).

Foi, então, num cenário caracterizado por professores sobrecarregados de aulas, com longas jornadas de trabalho, número excessivo de alunos e, principalmente, má formação, que surgiu a concepção de livro didático como organizador da prática pedagógica. Geraldi (1991) afirma que:

A solução para o despreparo do professor, em dado momento, pareceu simples: bastaria oferecer-lhes um livro que, sozinho, ensinasse aos alunos tudo o que fosse preciso. (...) Os livros didáticos seriam de dois gêneros: verdadeiros livros de textos para os alunos e livros-roteiro para os professores, para que aprendessem a servir-se bem daqueles (...) Automatiza-se, a um tempo, o mestre e o aluno, reduzidos a máquinas de repetição de material (...) (GERALDI, 1991, p.125).

A partir disso, o livro didático passou a assumir um papel fundamental na sala de aula. Segundo Batista (2001), o modelo de livro didático instituído tinha por principal função estruturar o trabalho pedagógico, apresentando, portanto, as seguintes características:

Buscando assumir essa função estruturadora do trabalho pedagógico, os livros didáticos tendem a apresentar não uma síntese dos conteúdos curriculares, mas um desenvolvimento desses conteúdos; a se caracterizar não como um material de referência, mas como um caderno de atividades para expor, desenvolver, fixar e, em alguns casos, avaliar o aprendizado; desse modo, tendem a ser não um apoio ao ensino e ao aprendizado, mas um material que condiciona, orienta e organiza a ação docente, determinando uma seleção de conteúdos, um modo de abordagem desses conteúdos, uma forma de progressão, em suma, uma metodologia de ensino, no sentido amplo da palavra (BATISTA, 2001, p. 29).

Algumas décadas já se passaram, mas as pesquisas continuam atestando que essa visão de livro didático vem se consolidando ao longo dos anos. Conforme Lajolo (1996), a precaríssima situação educacional faz com

que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o ‘que’ se ensina e ‘como’ se ensina o que se ensina (p. 4).

Sobre esse aspecto, Freitag et al (1989) complementam: o livro didático não é visto como instrumento de trabalho auxiliar na sala de aula, mas sim como a autoridade, a última instância, o critério absoluto de verdade, o padrão de excelência a ser adotado na aula (p. 124).

Bittencourt (1998) acrescenta que, além do livro didático continuar sendo o principal instrumento de trabalho para professores e alunos, passou a ser também, para os pais, um material indispensável, os quais consideram-no como referencial básico para o estudo (p. 71).

É comum, portanto, ouvirmos depoimentos de professores que se sentem pressionados pelos pais, especialmente em escolas privadas, a cumprirem integralmente o programa proposto pelo livro adotado. Como bem lembra Souza (1999a), ele é encarado como um paradigma que sustenta a transmissão de saber via escola (p. 94). Para essa autora, inclusive, o trabalho dos agentes do MEC (através do Plano Nacional do Livro Didático) contribui para legitimar o LD como fonte quase que exclusiva de transmissão de conhecimento em contexto escolar (SOUZA, 1999a, p. 57-58).

Na opinião de Silva (1996), a tradição do livro didático, sustentada por pais, organização escolar, marketing das editoras e imaginário de professores, acabou associando a aprendizagem ao cumprimento das liturgias dos livros didáticos.

Não é à toa que a imagem estilizada do professor apresenta-o com um livro nas mãos, dando a entender que o ensino, o livro e o conhecimento são elementos inseparáveis, indicotomizáveis. E aprender, dentro das fronteiras do contexto escolar, significa atender às liturgias dos livros, dentre os quais

se destaca aquela do livro “didático” (...) pois é assim mesmo (e somente assim) que se aprende (SILVA, 1996, p. 11).

Dessa forma, a partir das considerações acima levantadas, percebe-se a necessidade da realização de estudos que visem à análise avaliativa desse objeto tão presente no contexto escolar brasileiro. Paraíso (1997) nos adverte para a importância de investigações dessa natureza:

Daí a importância de estudos que examinem atentamente esses livros didáticos, já que eles orientam as práticas pedagógicas, selecionam o que é válido e, portanto, o que merece ser ensinado, são os direcionadores das aprendizagens escolares e, por fim, são materiais centrais do “currículo em ação” (PARAÍSO, 1997, p. 92).