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CAPÍTULO 1 – ELEMENTOS TEÓRICOS

1.1 Epistemologia e didática

1.1.2 Epistemologia e didática das grandezas geométricas

1.1.2.2 Uma modelização didática para as grandezas

Uma modelização didática para as grandezas geométricas pode ser encontrada nos trabalhos desenvolvidos pelas pesquisadoras francesas Douady & Perrin-Glorian (1989).

Estudando a construção da noção de área, em alunos franceses do curso médio5, essas pesquisadoras recorreram ao conceito de quadro, por elas assim definido:

um quadro é constituído de objetos do ramo da Matemática, das relações entre esses objetos, de suas formulações eventualmente diversas e das imagens mentais que o sujeito associa, num dado momento, a esses objetos e relações (DOUADY & PERRIN-GLORIAN, 1989, p. 389).

Nesse sentido, as autoras apresentam três quadros a diferenciar: o geométrico, o das grandezas e o numérico. Perrot et al (1998) descrevem-nos da seguinte maneira:

O quadro geométrico, constituído pelas linhas ou superfícies. O quadro das grandezas, comprimentos e áreas: com processos de comparação bem escolhidos, nem sempre

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numéricos, se pode realizar classes de equivalência de linhas, de superfícies; com processos operatórios adequados sobre linhas, superfícies, se pode induzir uma lei interna sobre as grandezas. O quadro numérico, consistindo nas medidas do comprimento das linhas e da área das superfícies, que pertencem ao conjunto dos números reais não negativos: linhas ou superfícies pertencendo à mesma classe, tendo mesma grandeza, têm também a mesma medida, qualquer que seja a unidade escolhida (PERROT et al., 1998, p. 5).

No quadro das grandezas devem ser consideradas a álgebra das grandezas e as relações funcionais entre grandezas. Nele, as grandezas são entendidas como elementos de estruturas algébricas, nas quais estão definidas operações e funções: adicionar “grandezas de mesma espécie”, multiplicar uma grandeza por um número, multiplicar ou dividir grandezas, obter uma grandeza como função de outra grandeza, etc.

No esquema abaixo, apresentamos os três quadros explicitados como proposta para organizar as situações de ensino relativas à noção de grandezas geométricas.

Nas considerações feitas por Bellemain & Lima (2002), as investigações relativas ao campo das grandezas geométricas devem considerar a complexidade deste campo, explorando a riqueza de imbricações entre os três quadros acima (p. 46).

Com efeito, o mapeamento proposto pelas pesquisadoras Douady & Perrin-Glorian (1989) tem oferecido subsídios importantes para a realização de

Quadro Geométrico Quadro das Grandezas Quadro Numérico

pesquisas não só na França, mas também no Brasil, permitindo, entre outros aspectos, na opinião de Barbosa (2002), tirar da obscuridade o conceito de grandeza (p. 31).

Câmara dos Santos (1999), da mesma forma, atesta a pertinência da organização conceitual sugerida por essas pesquisadoras, em virtude de defenderem o ponto de vista que o processo de ensino-aprendizagem de geometria deveria propiciar a construção dos conceitos de área e perímetro como grandezas, ao invés de se restringir ao simples cálculo de números (p.4). Esse autor lista algumas dificuldades ou erros conceituais comumente apresentados pelos alunos em relação ao domínio do campo das grandezas geométricas, tais como: a confusão entre perímetro e área, bem como entre contorno e superfície; a confusão entre a grandeza e a medida da grandeza; e a idéia de que somente os segmentos de reta possuem comprimento (CÂMARA DOS SANTOS, 1999, p. 3).

Barbosa (2002) acrescenta, a essa lista de dificuldades, o amálgama que os alunos fazem entre contorno e perímetro, destacando que esse é um caso típico em que se requer a passagem do campo geométrico ao campo das grandezas.

Douady & Perrin-Glorian (1989) também enumeram algumas dificuldades resistentes nos alunos e bastante conhecidas pelos professores do ensino fundamental, são elas:

• A possibilidade de medir a área de uma superfície depende da compatibilidade entre a sua forma e a forma da superfície unitária, ou seja, só é possível medir a área de uma superfície, se for possível ladrilhar, efetivamente, com um número inteiro de exemplares da superfície unitária.

• A área é ligada à superfície e não se dissocia de outras características dessa superfície.

• Se o perímetro de uma superfície se altera; sua área também (e reciprocamente).

• Se duas superfícies têm o mesmo perímetro, elas têm a mesma área.

• Estende-se o uso de certas fórmulas a situações em que elas não são válidas (DOUADY & PERRIN-GLORIAN, 1989, p. 393).

Quanto à identificação da área à superfície, Perrot et al (1998) observaram as dificuldades de alguns alunos diante de situações em que eram solicitados para comparar divisões eqüitativas de um bolo retangular, como no exemplo abaixo:

Os autores afirmam que o terceiro e quarto exemplos, que envolvem figuras diferentes e com denominações distintas, são menos aceitos que os demais, nos quais era possível fazer uma superposição exata dos quatro pedaços.

O mesmo comportamento foi observado por Lima, P. (2000) num experimento realizado com 35 professores de um curso de especialização em ensino de Matemática. Porém, para esse experimento, as divisões deveriam ser feitas pelos sujeitos envolvidos. As sugestões, apresentadas por esses professores, incidiram, predominantemente, sobre as partições da região retangular em figuras congruentes.

Segundo Lima, P. (2000) a riqueza dessa atividade está em fornecer uma situação na qual a dissociação entre figura e área é bem evidenciada, pois em cada uma das soluções as subdivisões possuem a mesma área, apesar de serem figuras geometricamente dos mais variados tipos (p. 8).

Diante do exposto, na perspectiva de Douady & Perrin-Glorian (1989), as situações de ensino, que visem à construção dos conceitos relacionados às grandezas geométricas, devem assegurar a distinção e articulação entre os quadros apresentados, propiciando a passagem de um quadro a outro e considerando o tempo suficiente para que cada uma das concepções subjacentes aos quadros se torne significativa para os alunos, a fim de evitar o amálgama precoce entre elas, o que se constitui numa fonte de dificuldades ulteriores.

Reconhecemos, pois, a complexidade do campo conceitual das grandezas geométricas e compartilhamos da idéia de Bellemain & Lima (2002) acerca da necessidade de uma análise aprofundada desse construto, como condição para melhor compreender as dificuldades de aprendizagem dos alunos, bem como para intervir de maneira pertinente, favorecendo o estabelecimento das articulações entre as múltiplas concepções possíveis dos conceitos relativos às grandezas (p. 23).

Por fim, observamos que a integração, entre os três quadros propostos, acompanhou a evolução histórica do conceito de área, como podemos verificar nos comentários feitos na seção anterior desta dissertação.