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2. LIVROS DIDÁTICOS E GÊNEROS ESCOLARES

2.2 O que se tem falado acerca de LDPs

2.2.1 Livro Didático: um livro para o professor ou pelo professor?

Os livros didáticos, em seus primórdios, foram pensados prioritariamente para auxiliar o trabalho do professor, portanto, era para o público de consumidores docentes que ele se voltava, com o tempo, porém, isso foi se modificando e os manuais passaram a ser pensados para serem consumidos pelas crianças, pelos estudantes que os adotavam e que passaram a ter direito de posse sobre ele. Esse direcionamento maior ao aluno fez com que os projetos gráficos dos manuais fossem repensados para contemplar esse público, o que, aos poucos, levou autores e editoras a terem uma preocupação maior em agradar e conquistar também os discentes.

Inicialmente os livros poderiam ser feitos por pessoas que, voluntariamente ou por ordem superior exerciam essa função, esse trabalho era visto como um feito honroso em benefício da pátria. Escrever um livro era um serviço patriótico, que enaltecia não somente o país como também quem se prontificava em fazê-lo. Obviamente não era qualquer pessoa que poderia ser escolhida para tão digna tarefa, os escritores de manuais eram notáveis intelectuais do país, conhecidos por sua vasta erudição. “Os homens de “confiança” do poder comporiam o grupo ideal de autores de obras didáticas, mas, com o decorrer do tempo, o número limitado de obras que surgiram fez com que as nossas autoridades educacionais aceitassem pessoas menos “nobilitadas” (BITTENCOURT, 2008, p. 31). Com a diminuição de interesse dos voluntários autores de obras didáticas, o governo passou a prever premiações com honrarias ou com dinheiro para quem executasse tal tarefa.

No período republicano a prática de premiações para autores de livros didáticos continuou, no entanto, passou-se a incentivar que as obras fossem escritas por professores em plena atividade em sala de aula, profissionais com experiência pedagógica o bastante para lidar com as questões do ensino, e não mais pessoas notáveis por seu prestígio social; também se instaurou, nos anos finais do século XIX e início do século XX, um incentivo à nacionalização das obras didáticas. Muitas críticas foram surgindo aos livros estrangeiros que não traziam em seus conteúdos a essência e as particularidades do território e dos costumes brasileiros, também estes não tinham um vocabulário típico do nosso português brasileiro, grande parte das obras eram de autores portugueses (de Portugal), por esse motivo elas traziam muitos termos desconhecidos em nosso idioma. Dadas as oposições e críticas a esse aspecto, os manuais didáticos foram com o tempo se aperfeiçoando, trazendo cada vez mais o rastro de uma brasilidade e as características da escola e do ensino que se fazia no Brasil, no entanto, a concepção do livro como manual basilar para a formação dos professores e como meio de disseminação do conhecimento aos alunos, permaneceu.

No começo da década de 1990 os interesses se voltaram mais para a observação da qualidade dos livros didáticos adotados em território nacional, no entanto, pesquisas sobre a história, as modificações, as evoluções e os processos por que esses manuais passam até chegar nas mãos do aluno ainda despertava pouco interesse. Atualmente já é possível encontrarmos diversas pesquisas sobre esses manuais, o livro didático possui um extenso leque de possibilidades de investigação, podendo ser considerado sob aspectos que vão desde sua produção e recepção, até os vieses culturais, ideológicos e comerciais. De acordo com

Bittencourt (2008), o livro didático é um excelente produto comercial, a literatura escolar é considerada como o produto de maior vendagem no quadro atual das editoras nacionais.

Apesar disso, grande parte das análises direcionadas aos materiais didáticos se aprofundam apenas em suas questões ideológicas, somente uma parcela bem pequena dos estudos surgidos recentemente tem se ocupado das questões políticas que envolvem sua produção, divulgação e uso. Pesquisas que investiguem o livro didático nessas diferentes dimensões são importantes porque os manuais escolares mudam o tempo todo, estão sempre em constante transformação. Eles acompanham o crescimento econômico, político, social e educacional de um país e evoluem no tempo juntamente com o meio social que o cerca. Se confrontarmos os primeiros livros didáticos que circularam no Brasil-colônia com os que conhecemos atualmente, certamente perceberemos que muita coisa mudou, esses materiais passaram por inovações que vão desde modificações no formato e no projeto gráfico, à diferentes abordagens e direcionamentos a professores e alunos. Se observarmos um manual didático do século XIX, por exemplo, veremos que nesse período a autonomia dada ao professor era bem maior que hoje, isso fica evidente sobretudo quando consideramos que:

Ao autor de livro didático desse período e até nas primeiras décadas do século XX cabia basicamente a tarefa de selecionar textos de escritores consagrados da língua portuguesa para compor antologias, compêndios e manuais. Assim, além das escolhas feitas, a voz desse autor se fazia ouvir nas epígrafes, no prefácio, nas notícias bibliográficas, nas notas de rodapé e na própria organização do volume – segundo critérios cronológicos, temáticos ou de gênero, por exemplo (LAURIA, 2004, p. 68).

Podemos dizer que à medida que o autor do livro didático foi além do seu trabalho de escolha de textos, acrescentando também aos manuais estratégias de trabalho em sala de aula, propondo exercícios e diferentes formas de abordagens, vimos decrescer a autonomia do professor em sala de aula. Hoje os livros didáticos trazem propostas de exercícios com suas respectivas resoluções, indicam leituras, filmes, atividades e projetos a serem desenvolvidos com os alunos, de forma que ao professor cabe meramente o trabalho de reproduzir o que está nos manuais. Mas a que se atribui essa mudança? Por que, com o passar dos anos, os manuais didáticos foram indo cada vez mais além em seu papel, oferecendo fórmulas mágicas, exercícios e estratégias mastigadas para facilitar o trabalho do professor em sala de aula?

De acordo com Soares, a resposta a essa pergunta remonta às concepções que nossa sociedade foi construindo acerca do professor. Este profissional “vai sendo considerado, ao longo do tempo, cada vez menos capaz de assumir autonomamente a ação docente, num movimento em que a profissão “professor” vai se transformando em trabalho e o profissional, em trabalhador” (SOARES, 2001, p. 33), com isso, o docente vai tendo cada vez menos crédito como profissional capaz de levar uma formação adequada aos seus alunos.

Embutido nesse pensamento está a premissa do professor atarefado demais para elaborar exercícios, a consciência de que ser professor nos dias de hoje implica trabalhar em várias escolas para conseguir sobreviver, um professor sem tempo para estudar, elaborar, planejar-se. Há muitas concepções implícitas nessas mudanças, estas foram aparecendo e tomando forma no processo de elaboração e confecção do livro didático que, conforme dissemos, acompanha as mudanças e as transformações da sociedade. Assim, vimos emergir nos últimos anos um livro simplificado e mastigado, para facilitar a vida do professor sem tempo, sem leituras e com poucos conhecimentos.