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2. A CORRUPÇÃO COMO UM FENÔMENO SÓCIO-CULTURAL INERENTE

2.3 CORRUPÇÃO NO PODER LEGISLATIVO

2.3.2 Lobby como direito constitucional

A prática do lobby surgiu e se desenvolveu nos EUA, onde é tratada como uma atividade legalmente reconhecida e regulamentada. Durante muito tempo, os EUA estavam isolados dos demais países por ser o único a regular as atividades lobistas. Todavia, esse cenário passou por grandes alterações em razão do contínuo aumento de países adeptos dessa regulamentação.

Em 1991, a Austrália, o Canadá e a Alemanha seguiram o exemplo norte-americano e regulamentaram o lobby enquanto mecanismo de influência privada no processo decisório público. Posteriormente, diversos outros países, seguindo esta tendência promulgaram normas para regulamentar a atividade lobistas ou estão em vias de fazê-lo.49

Nesse mesmo sentido, a Comissão Europeia iniciou em 2005 um processo de consulta para a regulamentação de lobistas, no qual foi aberto um cadastro voluntário para lobistas em meados de 2008. O crescente interesse por parte de think tanks50 e de organizações da

sociedade civil (OSCs) em definir responsabilidades no lobby e torná-lo mais transparente denota a relevância com a qual essa questão vem sendo tratada internacionalmente.51

Apesar de já terem sido apresentadas diversas propostas legislativas, o Brasil ainda não possui nenhuma lei para regulamentar a prática do lobby. Destacamos aqui o projeto de Lei n° 1.202/2007 do Deputado federal Carlos Zarattini, e o projeto de Lei n° 336, que tramita no Senado, de autoria do Senador Walter Pinheiro, que possuem matéria idêntica (regulamentação do lobby). Ainda que existam tentativas legislativas de regulamentação da atividade, parece não haver interesse político em regulamentá-la.

49 OCDE, Lobbyists, Governments and Public Trust: Building A Legislative Framework for Enhancing

Transparency and Accountability in Lobbying (Paris: OCDE, 2008).

50 Think tanks são instituições dedicadas a produzir e difundir conhecimentos e estratégias sobre assuntos

políticos, econômicos ou científicos, sobretudo em assuntos sobre os quais pessoas comuns não encontram facilmente base para análises de forma objetiva. Elas podem ser independentes ou filiadas a partidos políticos, governos ou corporações privadas.

51 ZINNBAUER, Dieter. Corrompendo as normas do jogo: do lobby legítimo à captura de regulamentos e

políticas públicas. In: Transparência Internacional: Relatório Global de Corrupção 2009 Corrupção e o setor privado. p. 35. Disponível em: http://www.transparency.org/. Acesso em: 02 maio 2016.

Ainda em 1972, a Câmara dos Deputados apreciou o projeto de Resolução nº 38 que, dentre outras alterações ao Regimento Interno, preceituava a necessidade de credenciamento de entidades de classe de empregados e empregadores, além de órgãos de profissionais liberais, para atuarem legitimamente nas dependências da Casa como grupos de pressão. Esse projeto, após ser aprovado pelos parlamentares, deu origem ao artigo 60 do Regimento Interno da Câmara à época, tornando-se o primeiro reconhecimento formal da presença de grupos de influência no Parlamento.52

Apesar do aparente desinteresse do Congresso Nacional em promover uma sólida regulamentação da matéria sua ausência não constitui óbice para sua prática corriqueira nos bastidores legislativos, principalmente no que diz respeito ao lobby empresarial. A atividade lobista é uma constante inerente às atividades desenvolvidas pelo Congresso Nacional, em razão de que as decisões ali tomadas diariamente têm o condão de surtir efeitos diretamente nas atividades empresariais e em suas receitas.

Partindo-se da definição empregada por Farhat, do ponto de vista político-parlamentar, o lobby deve ser entendido como:

(...) a atividade organizada, exercida por um grupo de interesses definidos com o objetivo de ser ouvido pelo poder público, para lhe transmitir informações e obter de seus agentes determinada lei ou ato normativo, parecer, decisão ou atitude diante de um problema, interesse ou postulação concretos.53

Partindo deste conceito de lobby como “atividade exercida com o objetivo de ser ouvido pelo poder público”, ele é mecanismo intrínseco ao processo democrático que deve permear todo sistema pautado no pluralismo de interesses. Com isso, a prática de lobby deve ser interpretada como uma decorrência dos direitos constitucionais de associação e de petição, expressamente previstos no artigo 5°, incisos XVII e XXXIV, “a” da CF/88.

Além disso, o artigo 58, § 2º, inciso IV, da CF/88 determina que cabe às comissões das Casas do Congresso Nacional “receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas”.54 Nesse sentido, deve-se afastar a prévia pecha de corrupção para adotar-se a noção de que o

52 RODRIGUES, Ricardo José Pereira. A regulamentação do lobby no Brasil: leitura crítica de um projeto de lei.

Revista de Administração Pública – RAP, Rio de Janeiro, vol. 30, n. 1, Janeiro/fevereiro, 1996, p. 55. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/8127/6942. Acessado em: 30 abr 2016.

53 FARHAT, Saïd. Dicionário Parlamentar e Político: O Processo político e Legislativo no Brasil. São Paulo:

Fundação Peirópolis: Companhia Melhoramentos, 1996, p. 607.

54BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de

recebimento de interessados (pessoas físicas ou representantes de pessoas jurídicas) por parlamentares, é antes de mais nada um dever constitucional.

Enquanto mecanismo com amparo constitucional, o lobby deve ser entendido como um meio constituído por atividades que são realizadas com o intuito de influenciar os processos de elaboração de políticas públicas e decisões em instituições governamentais ou similares, seja ele exercido individualmente, seja por meio de grupos de pressão.

A importância da atuação dos grupos de pressão junto ao Congresso brasileiro se deve ao caráter eminentemente pluralista que reveste o modelo democrático. Segundo noções da própria teoria política, o pluralismo democrático é concebido como um modelo de democracia na qual grupos da sociedade civil se organizam e se mobilizam para defender mudanças no conjunto de políticas públicas em vigor.55

Pelo menos em tese, quanto maior for o grau de participação e institucionalização de grupos de interesse junto às atividades parlamentares, maior será – ou pelo menos deveria ser – a transparência do processo decisório. Além de que a participação ativa destes grupos permitiria o acesso de seguimentos sociais aos formuladores de políticas públicas.

A participação, seja de forma individual, seja de forma coletiva, nos processos de tomada de decisão, faz parte da liberdade política que guarnece os indivíduos que serão afetados pelas decisões legislativas. Liberdade essa necessária para a boa manutenção das relações entre Estado e particulares.

Utilizando a definição de Hayek sobre liberdade política, como sendo “a participação dos homens na escolha de seu governo, no processo legislativo e no controle da administração”56, o lobby enquanto possibilidade de o jurisdicionado influenciar na criação da legislação a que será submetido encontra-se em perfeita consonância com a essência de um Estado Democrático de Direito.

Não podemos olvidar que, justamente por se tratar de um sistema plural, o lobby não pode ser entendido como um fenômeno político unidimensional. Muito pelo contrário. De fato, essa atividade apresenta uma diversidade de interessados que, por sua vez, perseguem uma multiplicidade de objetivos que via de regra serão contrapostos. Assim, deve ser

55 RODRIGUES, Ricardo José Pereira. A adoção dos parâmetros da ocde para a regulamentação do lobby no

brasil. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.10, n.3, 2º quadrimestre de 2015. Disponível em: www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-7791. Acessado em: 28 abr 2016.

56 HAYEK, Friedrich August von. Os Fundamentos da Liberdade. Tradução de Anna Maria Capovilla e José

assegurada a igual oportunidade e capacidade de influência por sujeitos com interesses contrapostos.

Em razão dos eventuais e prováveis conflitos de interesses entre grupos de pressão distintos, surge a problemática em torno da influência desproporcional causada pelo poder econômico do lobby empresarial. Não é demais destacarmos que o lobby empresarial é exercido por grupos que possuem faturamento altíssimo ao ponto de, por vezes, suplantar as receitas domésticas de países inteiros, dispondo de um poder financeiro que nenhuma outra voz consegue enfrentar na competição pela visibilidade e persuasão política.57

Essa inegável desproporcionalidade entre as receitas dos grupos lobistas empresariais e os grupos representantes da sociedade civil, por exemplo, tende a causar, na prática, um desequilíbrio no poder de influência destes interessados junto ao Congresso Nacional. Desequilíbrio esse em razão da utilização ilícita dos recursos financeiros para compra de votações e decisões.

Aqueles que conseguem influenciar a produção legislativa podem utilizar essa capacidade e conhecimento especializado para o seu próprio benefício e em detrimento dos demais. Ao passo que os indivíduos desprovidos dessa capacidade terão menos condições de questionar ou de participar do processo pelo qual são governados.58