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4. SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL

5.4 Local do estudo

Inicialmente, cogitou-se a possibilidade de execução do estudo no serviço de emergência psiquiátrica do Hospital Psiquiátrico Estadual Nina Rodrigues. Contudo, como se verificou uma escassez de informação nos prontuários, no que diz respeito a endereço e telefone das pessoas atendidas, o que dificultaria o contato posterior, bem como de dados sobre características do quadro que motivou a internação, optou-se por realizar a pesquisa no CAPS vinculado à Prefeitura de São Luís. Considerou-se que, nesse local, haveria menor chance de carência de tais informações, tendo em vista o maior tempo que o paciente passa na instituição.

O CAPS II Municipal atende, atualmente, além da população do distrito em que está inserido, que possui aproximadamente 120.000 (cento e vinte mil) habitantes, os demais distritos da cidade e mesmo pessoas provenientes de municípios próximos, em razão da escassez de serviços e de profissionais especializados nesses locais. O Centro de Atenção municipal foi fundado em junho de 2004. Na época, os profissionais que formaram seu quadro técnico foram recrutados pela SEMUS (Secretaria Municipal de Saúde). Toda a equipe passou por treinamento. Decorridos mais de dois anos, houve saída e substituição de alguns membros. Em 2005, o CAPS Municipal foi reinaugurado em outro local, uma residência de dois andares, que foi adaptada. No primeiro andar, concentra-se a maioria dos serviços de atendimento da instituição. No segundo,

encontram-se as salas da coordenação, de Psicologia e de Psicopedagogia, sendo que o acesso dos pacientes a esse andar tende a ocorrer quando há atividade em alguma das duas últimas salas.

No local do estudo, diariamente se observa uma freqüência média de 60 a 70 pessoas. Seu horário de funcionamento é das oito às dezessete horas, de segunda a sexta-feira. A equipe é composta por 47 membros, divididos nos turnos matutino e vespertino, a saber: um diretor-clínico (médico com especialidade em saúde mental, que realiza atividades administrativas e consultas); um coordenador-técnico (um psicólogo que foi remanejado para essa função); um administrador; seis psicólogos; cinco terapeutas ocupacionais; cinco enfermeiras; quatro assistentes sociais; dois médicos- psiquiatras; dois fisioterapeutas; uma pedagoga; uma farmacêutica; uma secretária; uma artesã; sete técnicos de enfermagem; duas recepcionistas; cinco “auxiliares operacionais de serviços diversos”; e, um motorista.

A divisão dos pacientes entre os profissionais de nível superior de mesma categoria e entre os técnicos de enfermagem ocorre segundo acordo por eles estabelecido ou conforme determinação do corpo administrativo, como no caso dos médicos. Essa divisão foi realizada da seguinte forma:

Assistente social – as profissionais da manhã se revezam no atendimento dos pacientes dos regimes semi e não-intensivo. As assistentes sociais da tarde ficam com os usuários do intensivo.

Enfermeiro(a) – quatro profissionais distribuem entre si os pacientes de acordo com o regime, intensivo ou semi-intensivo, e sexo. Somente uma profissional acompanha os pacientes do não-intensivo.

Fisioterapeuta – os profissionais dividem entre si os pacientes de forma a que cada um fique com uma quantidade equivalente.

Médico(a) – enquanto uma psiquiatra acompanha as mulheres do regime intensivo, outro profissional11 é responsável pelo atendimento dos homens. Ao médico especialista em saúde mental, cabe o acompanhamento dos pacientes do semi e do não-intensivo. Pedagoga – seu registro no prontuário do paciente ocorre somente nos casos em que faz acompanhamento psicopedagógico.

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Algumas vezes, em razão de demandas internas, a divisão por sexo dos pacientes entre os psiquiatras não é adotada. O paciente pode ser encaminhado para o médico que tenha mais disponibilidade no momento, como ocorreu com Elisa.

Psicólogo(a) – cada profissional acompanha, em média, vinte pacientes. Quando há um novo caso, ele é encaminhado ao psicólogo que estiver com menos pessoas no momento.

Técnico de enfermagem – o encaminhamento do paciente a um dos técnicos é determinado pelas enfermeiras.

Terapeuta ocupacional – o processo de encaminhamento do paciente a esse profissional segue praticamente o mesmo percurso dos psicólogos.

Ressalta-se que essa divisão não impede que o paciente solicite ser atendido por outro profissional se assim o desejar12, nem que o corpo técnico o remaneje para outro médico em razão de licença do anterior ou de outras situações que indiquem tal necessidade.

O ingresso no CAPS II pode ser feito através de encaminhamento ou por demanda espontânea. Nas duas situações, não é raro que a pessoa já tenha alguma indicação diagnóstica. Como não há CAPSad em São Luís, a maior parte da clientela da instituição tende a ser composta por pacientes com “transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas”. Em segundo lugar, aparece o grupo de pessoas com diagnóstico em alguma das classificações da categoria “esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes”. Esse grupo é sucedido, por sua vez, pelo de “transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes”. Tende a ser freqüente, ainda, a presença de pacientes com transtornos “do humor” e de “personalidade e de comportamento em adultos”. Em menor porcentagem, encontram-se casos de pessoas com diagnóstico de retardo mental ou de epilepsia, sendo alguns em comorbidade com outra classificação nosológica.

Ao ingressar no CAPS, o indivíduo passa por consulta de admissão, comumente feita por médico e, em seguida, pela assistente social. Pode ser realizada também por outro profissional que esteja disponível no momento. Para o ingresso do paciente na instituição, exige-se a presença de um acompanhante13 – que, em geral, vem a ser um familiar – que o leve e o busque nos horários de entrada e saída, bem como que participe das reuniões que se façam necessárias. Na consulta de admissão, além da escuta da queixa clínica, são fornecidas orientações sobre o funcionamento institucional.

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Essa solicitação tende a ocorrer mais em relação aos médicos e psicólogos.

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Após esse momento inicial, o paciente já começa a freqüentar o CAPS no mesmo dia ou no próximo. Quando chega, passa por uma revista na entrada14. Em seguida, há entrega de medicamento, que é repetida à tarde. Em alguns casos, o paciente recebe medicação para uso noturno. Quinzenalmente, é reavaliado pelo médico. Se necessário, a consulta pode ocorrer em intervalo menor.

Pela manhã, em geral, ocorrem duas oficinas – antes e depois do horário do lanche – assim como no turno vespertino. Periodicamente, há passeios a pontos turísticos da cidade e festas na instituição, especialmente em datas comemorativas.

A coordenação das oficinas se dá segundo cronograma elaborado pela equipe, no qual são estabelecidos datas, temas e o profissional responsável. Cada membro da equipe coordena semanalmente, em média, duas oficinas. Alguns profissionais são responsáveis, ainda, pela coordenação de grupos específicos para pacientes com depressão e dependentes de substâncias. Também são desenvolvidos, na instituição, grupos de redução do tabagismo para pessoas da comunidade que tenham interesse, bem como palestras em escolas da rede pública sobre prevenção ao uso de drogas.

A transição de um regime de atendimento a outro acontece a partir de avaliação realizada pela equipe. É feita uma lista dos pacientes que se considera já terem condições de passar para o semi-intensivo ou o não-intensivo. Devido à dificuldade de junção de todos os profissionais da equipe para tal fim, a avaliação em geral é feita por aqueles que trabalham no mesmo turno e estão disponíveis no momento da reunião. Como forma de contornar a dificuldade citada, definiu-se que todos os profissionais devem escrever seu parecer na lista das pessoas selecionadas para a mudança de regime. Caso algum dos membros da equipe demonstre discordância a que essa transição seja feita por determinado paciente, deve registrar seus argumentos em contrário.

Quando o paciente chega ao regime não-intensivo, inicia-se a etapa de sensibilização em relação ao momento da alta, através de reuniões semanais realizadas por psicóloga, assistente social e enfermeira. Em paralelo, é feito contato com a rede de atenção básica para que o paciente continue recebendo a medicação em postos de saúde após sua saída do CAPS. Quando aquele passa para a atenção básica, profissionais da

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A inspeção dos pertences foi definida após situações de ameaça aos profissionais por pacientes e de agressões desses entre si. Foi também estabelecida para que não haja entrada de cigarros ou de outras drogas na instituição. Considerou-se, ainda, a revista necessária, em razão da constatação de que alguns pacientes estavam guardando em seus pertences o medicamento que lhes era entregue, sem utilizá-los.

instituição (assistente social, médico, psicólogo e farmacêutica) vão quinzenalmente aos postos de saúde para acompanhamento do caso e prestação de assessoria à equipe.

5.5 Instrumentos

Para a realização da pesquisa de campo, foram utilizados roteiros de entrevista e diário de campo. Segundo Minayo (2004), enquanto a entrevista faz parte da relação mais formal do trabalho de campo em que intencionalmente o pesquisador recolhe informações através da fala dos participantes, o diário de campo, por meio da observação participante, permite o registro dos momentos informais de contato com o grupo investigado. Portanto, ambos os instrumentos se constituem como complementares no processo de investigação dos fenômenos individuais e coletivos. À análise das entrevistas, soma-se a reflexão sobre as relações que se dão no cotidiano, as quais “são significantes, mesmo sem intenção de significar” (p. 111). Esse caráter complementar contribui ainda para que, na medida em que convive com o grupo, o pesquisador possa retirar de seu roteiro questões que identifica como irrelevantes, acrescentando outras, e que consiga compreender aspectos que a ele se explicitam aos poucos.

Visando um melhor esclarecimento dessas duas estratégias de investigação, são apresentadas a seguir suas principais características.

5.5.1 Roteiro de entrevista

Segundo Minayo (2004), trata-se de um instrumento para orientar uma “conversa com finalidade”, devendo ser facilitador de abertura, de ampliação e de aprofundamento da comunicação. Dele constam itens que se tornam indispensáveis para o delineamento do objeto em relação à realidade empírica, no sentido de se encaminharem para lhe dar forma e conteúdo.

Foram desenvolvidos roteiros de entrevista específicos para o paciente, sua família e profissionais do CAPS. Para tanto, utilizou-se modelo semi-estruturado, por permitir maior flexibilidade na formulação das questões e pela possibilidade de obtenção da informação investigada de modo sistematizado (Iribarry, 2003). Todos os três roteiros foram elaborados a partir da literatura específica, de sugestões de profissionais da área de saúde mental e/ou acadêmica, assim como da experiência clínica da pesquisadora.

5.5.1.1 Roteiro de entrevista com o paciente

Na entrevista realizada junto à paciente, buscou-se conhecer sua história de vida, de forma a se analisar o que propiciou sua ida ao CAPS. Para tanto, no roteiro, há questões sobre sintomas apresentados ao longo de seu desenvolvimento, a queixa que contribuiu para o ingresso no local do estudo e seu modo de compreensão de tudo isso.

Foram também formuladas perguntas referentes à sua dinâmica familiar. Buscou-se investigar como a paciente retrata a história de sua inserção nela e as relações que atualmente estabelece com seus familiares, segundo o tipo de parentesco e de proximidade. Por fim, há questões sobre a percepção ou não de mudanças em si que associa à sua permanência no CAPS e aos serviços nele oferecidos.

Ressalta-se que todos os pontos acima citados demandaram a realização de diversos encontros individuais com a paciente ao longo da pesquisa de campo. Foram realizados cerca de vinte encontros. Ponderou-se que, diante da extensão do roteiro, da necessidade de desenvolvimento de uma relação de confiança com a participante e do fato de seu discurso se encontrar, ao ingressar no CAPS, significativamente descarrilhado, as questões deveriam ser feitas de modo gradativo, para se propiciar um espaço de reflexão conjunta sobre implicações que o repensar de sua trajetória de vida viesse a lhe trazer e para se poder fazer a reconstituição dessa.

5.5.1.2 Roteiro de entrevista com os familiares

O roteiro de entrevistas com os parentes de Elisa foi igualmente desenvolvido na tentativa de reconstituição do fenômeno psicótico na história de vida familiar e de compreensão de suas implicações na relação entre os membros. Procurou- se também investigar o itinerário terapêutico percorrido pela família até o ingresso no CAPS. Além disso, são propostas questões referentes a cuidados com a paciente que a família considera necessários e o modo de relação antes e após o reconhecimento do fenômeno psicótico. Nessa parte, o roteiro se baseou no modelo desenvolvido por Falcão (2006), em seu estudo sobre filhas cuidadoras de pessoas portadoras de Alzheimer.

Há questões sobre mudanças percebidas na paciente após seu ingresso e permanência no CAPS. Questionam-se, ainda, concepções sobre a instituição na perspectiva dos familiares, bem como sobre sua relação com profissionais da equipe.

Optou-se pela realização de entrevista individual com cada membro da família selecionado, por se considerar importante haver um momento específico para a escuta de sua relação com Elisa, de modo a que não se sentisse constrangido em falar de

conflitos na interação com ela e/ou com outros familiares. Foi analisado ainda que, como há muitos temas na dinâmica familiar que tendem a ser silenciados, a entrevista individual também poderia proporcionar, caso fosse necessário, um momento de acolhimento e de apoio.

5.5.1.3 Roteiro de entrevista com os profissionais

Neste roteiro, investiga-se o que os profissionais têm a dizer sobre a relação CAPS e psicose. Sobre o primeiro, há questões relativas ao seu modo de ingresso na instituição, bem como à caracterização da proposta de atendimento dessa, em especial no que tange aos pacientes psicóticos.

Há questões sobre como os profissionais definem a psicose. A partir disso, são propostas questões referentes aos critérios que consideram necessários para a elaboração do diagnóstico e fatores que associam à ocorrência de uma crise psicótica. Busca-se investigar o modo como os profissionais caracterizam a relação entre o CAPS e a família. Por fim, são questionadas suas impressões sobre Elisa, o histórico de sua relação com ela desde seu ingresso no Centro de Atenção e com sua família, assim como sobre o desenrolar de seu quadro.

5.5.2 Diário de campo

Na realização da observação participante, Bairrão (2005, 443) indicou que a Psicanálise proporciona “meios para, mais do que atribuir significados, resgatar nas coisas da realidade cultural a sua dimensão enunciativa, situando, interpelando e responsabilizando sujeitos sociais”, ao possibilitar que esses ouçam suas próprias falas. O método de observação participante implica, assim, uma participação observante, no caso, uma escuta participante. Dada a estrutura dialógica do fenômeno em estudo no presente trabalho, a participação se revela um instrumento de refinamento da escuta, a partir do cuidado que sinaliza da necessidade de se ter atenção a todos os modos através dos quais ele é contado.

A Psicanálise, ao preconizar uma escuta participante, torna-se mais do que um poderoso instrumento hermenêutico. Torna-se um instrumento heurístico, empiricamente posto, ao serviço do resgate de vozes coletivas (Bairrão, 2005).

Nessa perspectiva, a observação participante foi utilizada para a descrição, em diário de campo, das atividades acompanhadas pela pesquisadora ou narradas pelos pacientes, familiares e profissionais. A observação é entendida como o momento que enfatiza as relações informais do pesquisador no campo. No entanto, essa informalidade

aparente é igualmente revestida de cuidados éticos, teóricos e práticos (Minayo, 2004), para que, a partir da afinidade que se estabelece entre pesquisador e participantes, esses o considerem como um a mais no cotidiano da instituição, mesmo com o reconhecimento de ser sua proposta ali diferenciada. A partir disso, é possível, inclusive, que o pesquisador seja percebido como um membro do grupo a quem também se compartilha confidências.

Com a observação participante, o diário de campo se torna a redação da história da pesquisa, o que favorece o processo progressivo de compreensão do objeto pelo pesquisador (Minayo, 2004). Durante todo o período de realização da pesquisa de campo, fizeram-se relatos das atividades cotidianas ocorridas na instituição e do modo de interação intra e inter grupos de pacientes, familiares e equipe. Destaca-se que apesar de a observação livre ter se concentrado no CAPS, foram igualmente registradas visitas domiciliares, a um serviço de residência terapêutica e um jogo de futebol de quadra entre os pacientes.

Minayo (2004, p. 100) indicou que, no diário de campo, devem constar todas as informações “que não sejam o registro das entrevistas formais”. Todavia, nos encontros destinados à realização das entrevistas, considerou-se necessário o registro de impressões surgidas durante a contextualização da proposta do estudo, a apresentação e leitura do termo de consentimento e a gravação do diálogo. Nesses momentos, comentários dos participantes sobre a pesquisa, relações entre os três grupos de participantes e sobre a pesquisadora se constituíram como mais um rico dado a ser pensado durante a etapa de análise do material.

O diário foi adotado por se considerar que, uma vez inserido no campo de investigação como a instituição em questão, o pesquisador precisa de um instrumento que o ajude a delimitar os aspectos que irá registrar. Com isso, torna-se um diário clínico que permite ao pesquisador deixar fluir associações significantes formando uma trama, um tecido textual, em que sua experiência e a dos participantes do estudo ficam registradas. Esse é um registro que possibilita a estruturação e a análise do entrelaçamento de fenômenos histórico-culturais, político-ideológicos, institucionais e interpessoais presentes no tratamento dirigido aos pacientes no CAPS e a Elisa, em especial (Iribarry, 2003).

O diário de campo é dividido em quatro seções (Carvalho, 2007). A “caracterização do espaço físico” se refere às condições do local onde se deu a ação descrita. A seção seguinte, “ambiente social”, é dividida em duas partes. Numa,

fornece-se uma contextualização sucinta das atividades observadas; na outra, há a descrição, o mais fidedigna possível, das interações e acontecimentos ocorridos na data em questão. As duas últimas seções, “idéias analíticas e inferências” e “impressões e sentimentos”, referem-se ao registro de questionamentos, reflexões e incômodos decorrentes da observação.