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TABELA 7 MUNICÍPIOS BRASILEIROS COM DÉFICIT CORRENTE 1997/2003 (%) Ano/pop em

3. A LRF E A GESTÃO DAS RECEITAS MUNICIPAIS

3.1. LRF: FINALIDADE, INOVAÇÕES E CONCEITO

A LRF tem por finalidade, conforme disposição legal inserida em seu artigo 1º, estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, em consonância com a CF/88. Constitui-se em uma norma jurídica que determina uma série de regras para a gestão fiscal de todos os entes federados, ou seja, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, bem como os respectivos Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) e suas administrações (diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes).

A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar (LRF, art. 1º § 1o).

O objetivo da LRF, para Nascimento (2001), é sedimentar o regime de gestão fiscal responsável, mediante a introdução no ordenamento jurídico de mecanismos legais que deverão nortear os rumos da Administração Pública, constituindo-se em um código de conduta gerencial para os gestores públicos.

Nesse sentido, Lino (2001) aponta que a Lei abrange a gestão financeira nas áreas relativas aos planos, orçamentos, receitas, despesas, endividamento e patrimônio públicos. Para tanto, a norma define limites e condições no que diz respeito à renúncia de receita, geração de despesas, dívidas consolidada e mobiliário, operações de crédito (incluindo operações de ARO), concessão de garantia, inscrição em Restos a Pagar e às metas de resultados entre receitas e despesas.

Segundo Castro (2001, p.14-15), a LRF torna a legislação que trata das finanças mais rigorosa e, justamente por isso, bem vinda, pois os ganhos advindos com a LRF superam as dificuldades que a norma traz, ao passo que “sai-se da irresponsabilidade fiscal – cultuada há mais de cinco séculos – e entra-se na gestão com responsabilidade fiscal, prestigiando-se a moralidade, a probidade e a responsabilidade social”. A finalidade da LRF consiste, para o autor, no equilíbrio das contas públicas; para tanto, compreende em sua essência um código de conduta pública, cujo intuito é melhorar a administração por meio da responsabilidade nas contas públicas, constituindo:

[...] compromisso com o planejamento, o orçamento, a execução orçamentária, os limites para a dívida, o endividamento e a fixação de outros limites para as despesas de pessoal, metas e objetivos para controlar as receitas e despesas, com mecanismos adicionais previstos na [...] LDO e na [...] LOA, todos ancorados na Constituição da República. Extrai-se dela, LRF, a responsabilização institucional da entidade pública e a pessoal dos governantes (CASTRO, 2001, p.31).

Pereira Jr. (2001, p.173) entende que a LRF veio estatuir “condições, termos e requisitos para o regular exercício da gestão financeira e patrimonial do Poder Público [...]”. Já para Toledo Jr. e Rossi (2001, p.38-39), a LRF “disciplina o manejo das contas públicas visando objetivos macroeconômicos (nível geral de preços, dos juros, emprego, etc.), sendo pois, um instrumento de política fiscal”. Esses autores explicam que, sob a ótica macroeconômica, a LRF se insere na estratégia implementada pelo governo federal no Programa de Estabilidade Fiscal de combate ao déficit e redução da dívida pública.

Para Bremaeker (2000, p.3), o que a LRF busca é “fazer com que o Poder Público realize despesas dentro do limite de suas receitas”, evitando, com isso, a ampliação do déficit primário. Para alcançar seus objetivos, a LRF determina que seja adotado “um processo permanente de planejamento, com transparência na elaboração e divulgação dos documentos orçamentários e contábeis”. O autor indica que a apreensão dos prefeitos ante a promulgação da LRF residiu no fato de que, em um contexto de dificuldades financeiras vividos pelos municípios, estes foram pressionados a equilibrar suas finanças em um curto espaço de tempo, mesmo com a redução do FPM, entre os anos de 1999 e 2003. Contudo, ressalta que para os municípios cuja situação financeira já esteja equilibrada, a única preocupação efetivamente trazida pela norma é o limite de gastos com pessoal (60% da RCL).

O que a LRF visa, efetivamente, para Santos e outros (2003, p.14), é “estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”, amparadas na CF/88, prevendo a punição para gestores infratores, bem como “a supressão no repasse de verbas, a qualquer título, para aqueles que descumprirem a determinação legal de orçamento equilibrado”. Para esses autores:

[...] enganam-se aqueles que vêem a responsabilidade fiscal refletindo uma preocupação ética do governo federal no processo de alocação de recursos pelos poderes públicos brasileiros; longe disso, até porque seria ingenuidade pensar que orçamento equilibrado seja sinal caracterizador de honestidade na gestão dos recursos públicos (SANTOS e OUTROS, 2003, p.11).

A partir da reflexão de Santos e outros, compreende-se que, apesar dos clamores da sociedade por uma administração pública que utilize, de modo eficiente e probo, os recursos públicos, em estrita obediência aos princípios há muito esquecidos, os quais deveriam nortear a administração do Estado (se é que um dia foram lembrados), em sua essência, a LRF não se presta a garantir o uso honesto do dinheiro público, mas sim que o uso, seja ele qual for, não gere desequilíbrio orçamentário.

Contudo, apesar da lucidez desse pensamento, no que tange à efetiva probidade no uso dos recursos públicos, devemos ter esperança nos princípios secundários trazidos pela LRF para garantir o objetivo precípuo do equilíbrio orçamentário: o planejamento, controle e a transparência. Com o planejamento e controle, espera-se o aumento de arrecadação própria conjuntamente com o controle periódico e sistemático desta, de modo que não haja falta de disponibilidade financeira. Já com a transparência, espera-se a divulgação da quantidade e destinação dos recursos utilizados, promovendo o acompanhamento pela sociedade e facilitando a execução do trabalho de controle externo.

Quanto às inovações trazidas pela LRF, Sacramento (2004) aponta que alguns autores, como Vignoli (2002) e Khair (2001), indicam que a LRF não trouxe consigo inovações no que tange ao controle orçamentário, vez que as condições para a efetiva integração entre planejamento, programação e orçamento já haviam sido inseridas no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 4.320/64. Esta é a lei responsável pelas normas gerais de direito financeiro e normaliza a elaboração e controle dos orçamentos e balanços, tanto do governo federal como do GSN. Sacramento destaca que se a referida norma tivesse sido efetivamente observada, já se teria alcançado o equilíbrio das contas públicas; fato que não ocorreu em decorrência da não utilização efetiva, por boa parte dos gestores, dos instrumentos orçamentários (PPA, LDO e LOA), que se constituem, muitas vezes em um documento para formalizar a prescrição legal. A grande inovação da LRF, para Cruz e outros (2000, p.14), “reside no fato de responsabilizar especificamente a parte da gestão financeira a partir de um acompanhamento sistemático do desempenho mensal, trimestral, anual e plurianual”. Lino (2001, p.19) aduz, que mesmo não introduzindo grandes inovações ao ordenamento jurídico pátrio, a LRF tem virtudes como:

[...] explicitar conceitos que, embora subjacentes no ordenamento constitucional brasileiro, andavam esquecidos, propiciando, a partir daí, adoção de determinados tipos penais que, certamente, se correta e prontamente aplicados pelos órgãos competentes, sem dúvida serão lembrados de forma melhor pelos gestores, propiciando maior seriedade na administração dos recursos públicos.

Para Feistel (2002, p.128-129), as medidas impostas pela LRF, em geral, não são inovadoras e, inclusive, deveriam ser de uso geral. Contudo “são vistas como desencadeadoras de uma verdadeira revolução na gestão da coisa pública”. Para atingir os fins a que se propõe, depende da qualidade dos trabalhos e da independência das entidades responsáveis pela fiscalização do seu cumprimento. Dentre as inovações ao ordenamento jurídico, o autor destaca as seguintes:

a) fixa limites para os gastos com pessoal e para a dívida pública, como forma de evitar que superem as próprias receitas, com isso obrigando os governos a respeitar a relação entre dívida e capacidade de pagamento; b) determina a criação de metas para controlar as receitas e as despesas, possibilitando maiores oportunidades de correção dos problemas que possam surgir no meio do caminho, evitando, com isso, o corte indiscriminado de gastos; c) proíbe a criação de novas despesas sem a indicação das fontes de receitas ou sem reduzir outras despesas já existentes, como forma de garantir o cumprimento do orçamento atual e de não comprometer os orçamentos futuros; d) proíbe a antecipação de receitas a serem obtidas pelos sucessores e contrair despesas que não possam ser pagas na atual gestão, evitando que os recursos futuros sejam gastos na atual gestão e os gastos excedentes constituam problemas para os futuros gestores; e) obriga a prestação de contas à sociedade por meio da apresentação do “Relatório de Gestão Fiscal”. Esta medida oportuniza uma maior participação da sociedade na gestão dos recursos públicos, não ficando limitada à a do Poder Legislativo; f) possibilita a aplicação de penalidades aos gestores que não cumprirem as exigências legais, ao mesmo tempo

em que prevê medidas de reconhecimento público aos gestores que comprovarem eficiência, eficácia e efetividade na gestão dos negócios públicos.

Para Araújo e Moraes (2003, p.3), a LRF consolida muitas leis e práticas que, embora já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, não eram efetivadas pelos agentes públicos. Esses autores acrescentam aos pontos já levantados por Feistel os seguintes aspectos relevantes: 1º Adotou limites rigorosos, determinados pelo Senado, cujo descumprimento acarreta, principalmente, a suspensão de transferências e a vedação a empréstimos e convênios junto ao Governo Federal; 2º Ordenou que se estabelecessem metas fiscais anuais, e se elaborassem relatórios para acompanhamento destas; 3º Impôs a limitação aos restos a pagar, principalmente em anos eleitorais; 4º Obrigou o exercício das competências tributárias plenas por parte dos três níveis de governo “de modo a reduzir sua dependência de recursos oriundos de operações de crédito, em relação à União, no caso de Estados e Municípios, e também de socorro dos Estados, em se tratando dos Municípios”; 5º vedou a prestação de assistências financeira entre os níveis de governo, o que representaria “um limite aos refinanciamentos de dívida, principalmente dos governos estaduais e municipais junto ao federal”.

Os doutrinadores apontados neste trabalho, em geral, reconhecem que a LRF, em si, não é tão inovadora no que se refere aos instrumentos de planejamento, vez que muitos destes já eram previstos nas leis que tratavam das finanças públicas, inclusive a 4.320/64 e a própria CF/88. Porém, a LRF introduziu novos instrumentos de planejamento, controle, transparência e, principalmente, responsabilização institucional e pessoal na figura do gestor.

A gestão fiscal, para Platt Neto (2002, p.90), é “o processo de condução dos entes públicos no sentido de propiciar o atendimento das normas legais que tratam da utilização dos recursos públicos”. Segundo o autor “os diversos limites e condições orçamentários, financeiros e patrimoniais relativos à responsabilidade no uso do dinheiro público são alvo de atenção pela gestão fiscal”. Para Guedes (2001, p.15), a responsabilidade na gestão fiscal “pressupõe que a ação governamental seja precedida de propostas planejadas, transcorra dentro dos limites e das condições institucionais e resultem no equilíbrio entre receitas e despesas”.

Martins e Nascimento (2001, p.18,23-24) observam que, sob a ótica jur ídica, os princípios fundamentais da gestão fiscal responsável seriam: “prevenção de déficits, prudência fiscal, segurança, planejamento e publicidade ou transparência ”’ e que esta diz respeito ao:

[...] cumprimento de normas ou obrigações cometidas aos agentes públicos com vistas à manutenção regular das atividades por eles exercitadas no campo da gestão patrimonial. Envolve a ação tributária conjugada com os esforços no campo

financeiro em busca do equilíbrio orçamentário decorrente da programação de governo.

Fernando Cruz e outros (2000, p.16), assim como muitos autores que os sucederam, acreditam que o conceito de responsabilidade na gestão fiscal ficou delimitado no artigo 1º da LRF, o qual, segundo os referidos autores, refere-se a:

a) ação planejada e transparente; b) prevenção de riscos e correção de desvios; c) afetação do equilíbrio das contas públicas; d) cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas; e) obediência a limites, visando ao equilíbrio das contas públicas; f) condições no que tange a renúncia de receita; g) condições no que tange a geração de despesas com pessoal; h) condições no que tange a geração de despesas com a seguridade social; i) condições no que tange a geração de despesas com as dívidas consolidadas e mobiliária; j) condições no que tange as operações de crédito, inclusive por antecipação de receita; k) condições no que tange a concessão de garantias; l) condições no que tange a inscrição em restos a pagar.

Segundo Peres (2003), a responsabilidade fiscal do gestor público, objeto de regulamentação da LRF, fundamenta-se na observância do equilíbrio financeiro da execução orçamentária, incluindo inscrição de restos a pagar; limites dos gastos com pessoal e amortização da dívida pública (mobiliária e consolidada). Nesta linha, Lourençon (2001, p.40) concorda que o equilíbrio das contas públicas não se refere apenas à relação entre as receitas e despesas constantes do orçamento, mas também à busca de equilíbrio na execução orçamentária, entre os valores orçados e a disponibilidade financeira.

Os princípios básicos da gestão responsável do dinheiro público, para Toledo Jr. e Rossi (2001, p.41), não estão expressos na LRF, mas podem ser subtendidos de sua leitura. Esses princípios representam a “prevenção de déficits imoderados e injustificados”; diminuição do estoque da dívida a nível equivalente à capacidade de geração de receita; “valorização do processo de planejamento orçamentário ”; “política tributária previsível e controlada”; transparência na aplicação e preservação do dinheiro público.

Responsabilidade Fiscal Municipal, para Ortolani, Campello e Matias (2003, p.14) é “o comportamento atribuído a um município superavitário primeiramente, com um nível de endividamento condizente com sua capacidade de pagamento e com autonomia (baixa dependência) em relação às receitas provenientes de outras esferas de governo”.

Sem desconsiderar que a LRF impõe uma série de medidas que fortalecem a transparência na gestão e a responsabilização do gestor, deve ser observado que a questão da responsabilidade fiscal, conforme apresentado na LRF, perpassa tais questões, indo atingir diretamente o pacto federativo sancionado pela CF/88, vez que restringe, em certa medida, a autonomia dos municípios no que concerne à gestão dos seus recursos.

planejada que, além de tudo, é transparente, ou seja, o legislador determinou que, a partir do marco legal, não bastava o planejamento criado dentro das secretarias com objetivos de informar apenas o próprio governo, mas também a comunidade. Essa ação deveria, ainda, ter por objetivo prevenir os riscos e corrigir os desvios encontrados ao longo da execução orçamentária anual, por meio do estabelecimento de metas e seu acompanhamento sistemático.

Assim, ainda que muitos autores confundam os pressupostos da Gestão Fiscal Responsável, inseridos no artigo 1º da LRF com a própria responsabilidade, seguimos o entendimento que o referido artigo não define o conceito, apenas apresenta os pressupostos básicos para alcançá- la. Ademais, a despeito de muitos autores compreenderem a responsabilidade fiscal pela ótica da responsabilização aos gestores infratores, acreditamos que, principalmente a partir dos substitutivos da Câmara, o conc eito se ampliou para além do controle e responsabilização desejados pelo FMI. Relaciona-se muito mais com a administração responsável dos recursos públicos, ou seja, a busca efetiva por receitas (não oriundas de empréstimos e mesmo transferências), programando, nestas bases, as despesas (que possuem limites e regras próprias), a fim de eliminar os déficits e, assim, obter o equilíbrio orçamentário permanente. A punição constitui apenas instrumento de coerção para que os administradores não fizessem desta, mais uma lei “natimorta”.