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O LUGAR DA PESQUISA: AS ESCOLAS DA ZONA RURAL DA MANCHESTER MINEIRA

No documento darielidaltrozoilha (páginas 52-57)

3 AS TRILHAS METODOLÓGICAS

3.2 O LUGAR DA PESQUISA: AS ESCOLAS DA ZONA RURAL DA MANCHESTER MINEIRA

Para iniciar a discussão sobre o lócus da pesquisa permito-me parafrasear a afir- mação de Freire (1989b) de que a leitura do mundo antecede a leitura da palavra escrita ou falada. Seus relatos apaixonados da infância do lugar onde vivia mostravam que a leitura de um menino curioso e atento aos detalhes do mundo a sua volta permitiram-lhe compreender e apreender com mais clareza a apropriação da palavra escrita quando chegou à escola. Mesmo sendo num tempo e numa situação diferente, quero assumir a postura de uma criança curiosa, que mesmo ansiosa frente ao caminho que precisa ser desbravado, pretende dar os primeiros passos, pesquisando e conhecendo. Seguindo o conselho de Freire,

era buscar o panorama da realidade das escolas rurais além de obter subsídios para os posteriores encaminhamentos da pesquisa. Optamos pelo modelo de entrevista semiestruturada porque é um tipo de instrumento flexível em que não há a imposição rígida de questionários, além de ser muito usado nas pesquisas em Educação. Entendemos que “A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.33-34).

2 Tive acesso a todos os documentos do setor, no entanto, não me foi permitido fazer cópias do material

vou seguindo, já que ele assegura: “à medida em que me fui tornando íntimo do meu mundo, em que melhor o percebia e o entendia na ‘leitura’ que dele ia fazendo, os meus temores iam diminuindo” (p.11). E junto com as pessoas, caminhando pelas comunidades pretendo transformar as palavras ouvidas ou escritas em “palavramundo”.

Estou falando especificamente dos núcleos urbanos de Torreões e de Monte Verde. Tal escolha deu-se em função de dois motivos: primeiro, pelo fato das escolas destas comunidades: Dom Justino e Padre Caetano terem nucleado várias escolas menores de comunidades e fazendas de seu entorno: Escola Municipal de Jacutinga, João Pinheiro, Luiz Moreira de Almeida, João Cândido Pereira, Monsenhor Nogueira, Escola de Mascate e de Pires são alguns exemplos. No entanto, pela quantidade de fazendas desta região, o montante de escolas nucleadas é bem maior. O segundo motivo que justifica essa escolha refere-se ao fato dessas escolas da rede municipal serem antigas e se localizarem em distritos muito povoados no passado.

São comunidades que se caracterizam pela produção agrícola para sustento familiar, mas também por abranger um grande número de pessoas que trabalham nos mais diversos setores na cidade de Juiz de Fora devido a proximidade do centro - cerca de 40 km - e por haver a facilidade do transporte público que permite ir e voltar no mesmo dia. Outra peculiaridade é a existência de pessoas que trabalham como caseiros ou trabalhadores eventuais em condomínios e chácaras de pessoas que moram na cidade, mas que se deslocam para estes locais principalmente nos fins de semana.

Torreões possui no seu “núcleo urbano”, além da escola, pequenos comércios e um aglomerado de residências, inclusive de moradores muito antigos, totalizando em torno de 1.800 moradores em toda a região do distrito. De acordo com os dados históricos fornecidos pela Secretaria de Educação, a escola Dom Justino José de Sant’Anna iniciou suas atividades no prédio do Centro Cultural de Torreões no ano de 19703. No mesmo ano foi oficializado o nome da escola, que homenagearia o primeiro bispo de Juiz de Fora e que se notabilizou por suas atividades de promoção da área rural do município. Inicialmente essa escola era mantida pela Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC)4 e em 1976 ocorre a transferência para a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora que então assume como mantenedora.

A escola funcionou durante quarenta anos num pequeno prédio em difíceis condições 3 A partir do Decreto de criação no 1.008/1970 (JUIZ DE FORA, 1970).

4 A Campanha Nacional de Escolas da Comunidade foi criada em 1943 por Felipe Tiago Gomes,

permitindo a criação de mais de 2.000 escolas em todo o Brasil, fato que a credenciou como o mais expressivo movimento de educação comunitária existente na América Latina. O foco era atender o interior dos estados, cidades e lugarejos onde na sua maioria, a presença do ensino público não se fazia presente. Contava com a parceria de pessoas, comunidades, empresas e posteriormente do Estado e é atuante até hoje, porém com um número bem mais reduzido de escolas e instituições de ensino superior (CNEC, 2016).

estruturais. Mesmo assim foi ampliando a oferta de etapas de ensino: em 1997 começa a ser oferecida a Educação Infantil e em 2002 a Educação de Jovens e Adultos. Somente em 2008 que a escola é reformada e ampliada. Dentre as escolas rurais, destaca-se por ter sido a primeira a oferecer os 9 anos do Ensino Fundamental e a Educação Infantil e também é a única no meio rural que possui o Programa de Educação em Tempo Integral5. Atualmente atende a 242 alunos distribuídos na Educação Infantil (pré-escola) e no Ensino Fundamental de 9 anos onde atuam 40 docentes. Possui um total de 11 salas de aula, quadra coberta, biblioteca, laboratório de informática, refeitório e alimentação para os alunos e infraestrutura adequada. A escola recebeu maior concentração de recursos e consequentes reformas e melhorias estruturais, pois nucleou várias escolas menores, tornando-se escola-polo das comunidades da região.

Monte Verde é uma comunidade rural que faz parte do distrito de Torreões. Possui no seu “núcleo urbano” mercadinhos e pequenas lojas com itens básicos que dividem espaço com os condomínios fechados e as casas da comunidade que se distribuem às margens da rodovia MG 353 e do Rio do Peixe. Um pouco da história dessa comunidade pode ser conhecida por meio do trabalho “Mutirão de Criação6” realizado na Escola Municipal Padre Caetano, datado de 27 de julho de 1985 e que era parte integrante do Projeto Educação para o Meio Rural, desenvolvido pela Secretaria de Educação na época. Esse material, encontrado nos arquivos do Setor de Arquivo e Memória do Departamento de Planejamento, Pessoas e Informação (DPPI), foi realizado por professores, alunos e suas famílias, pelas supervisoras e orientadoras das escolas de zona rural e responsáveis pelo módulo sobre classes multisseriadas7 e tinha como proposta elaborar junto aos alunos e a comunidade um material de referência para utilização na escola. Trata-se de registros em folhas mimeografadas, algumas quase apagadas pela ação do tempo que tratam de histórias pessoais de moradores, o tipo de roupa que se vestia antigamente, as festas de casamento, a igreja, causos de pessoas conhecidas, cantigas e o registro de como era a vida em Monte Verde, como nos mostram esses dois relatos de pais de alunos:

Meu avô contava que a vida era cheia de rotina. (...) Na época de preparação para festa, todos pintam as casas, varrem as ruas para receber as pessoas que vem da cidade. O pessoal de Monte Verde é gente simples, mas são muito acolhedores. Muitos são empregados, outros trabalham na lavoura plantando milho, feijão e arroz. Quando eu vim para cá só existiam duas casas. Uma onde é a do Sr. Bandeira, e outra, onde é a do Seu Tatão, onde ficava a

5 Conforme a Portaria no 448/2007 (JUIZ DE FORA, 2007).

6 Mutirão de criação de Monte Verde. 1985. Texto extraído de: Secretaria de Educação de Juiz de

Fora: Arquivo DPPI em 21 de novembro de 2016. Essa compilação de trabalhos faz parte do acervo de documentos que tratam da história e outros aspectos vividos pela comunidade na época.

7 OLIVEIRA, Laura Esteves de; PINTO, Vera Lúcia Marques. Módulo como trabalhar com classes

multisseriadas. 1985. Material extraído de: Secretaria de Educação de Juiz de Fora: Arquivo DPPI em 14 de setembro de 2016.

escola. Depois formaram a igreja e surgiu uma casa mais lá na frente. Depois foi aumentando: um vinha, fazia uma casa; outro vinha, fazia outra. Depois fizeram um botequim e do botequim fizeram uma vendinha. Até que hoje está lotado de casa e não tem lugar para fazer mais nada.

Há também relatos que retratam fatos da vida cotidiana, os costumes da comuni- dade, o lazer dos jovens. São histórias marcantes que revelam experiências pessoais ao mesmo tempo em que mostram as características de uma época, no caso de um período anterior a década de 1980, pois trata-se das falas de pais de alunos estudando na escola em 1985.

Existiam muitos bailes na poeira. As moças dançavam à luz dos canudos de bambu (era um pedaço de bambu cheio de óleo ou querosene). Os pais ficavam olhando: não podia um chegar perto do outro, se encostava um pouco o pai vinha e separava. Quase sempre saía briga, corria todo mundo, apagavam as luzes e era aquela confusão (Relato de mãe de aluna).

A “Escola de Monte Verde” foi construída em 1954 na fazenda que levava o mesmo nome. Com o passar do tempo a escola foi crescendo e mudou de endereço e de nome, passando a denominar-se Escola Padre Caetano 8. Curioso o fato de ser estabelecido o nome antes mesmo da Portaria9 que autoriza o funcionamento da escola, ocorrência comum na pesquisa das escolas municipais.

De acordo com os dados do INEP (2016) a escola atende a 163 alunos, distribuídos na Educação Infantil (pré-escola) e Ensino Fundamental de 9 anos onde atuam 24 docentes. Possui um total de 6 salas de aula, quadra coberta, biblioteca, laboratório de informática, refeitório e alimentação para os alunos e infraestrutura adequada. Assim como aconteceu em Torreões, a escola recebeu maior concentração de recursos e consequentes reformas e melhorias estruturais, pois nucleou várias escolas menores, tornando-se escola-polo das comunidades da região.

Tive a oportunidade de conhecer a escola Padre Caetano no dia 08 de abril de 2017 ao ser convidada pela Secretaria de Educação para organizar uma formação para os professores. Foi uma experiência muito enriquecedora, pois trabalhamos em torno do tema “Construindo projetos didáticos a partir de memórias e saberes das comunidades rurais”, onde foi possível constatar que a totalidade dos professores que trabalham na escola atualmente ou estudaram na zona rural ou seus familiares tiveram tal vivência. E foi pisando no chão da comunidade e conhecendo alguns professores que atualmente trabalham em escolas rurais na rede municipal que despertou meu interesse em saber 8 Através do Decreto Executivo no626/1965 (JUIZ DE FORA, 1965).

um pouco mais sobre o panorama atual destas escolas. Em que situação se encontra atualmente as escolas municipais rurais de Juiz de Fora?

A rede municipal atendia no ano de 2016 a 43.238 alunos matriculados em 136 escolas, de acordo com o censo escolar de 2016. Destas, apenas onze10 estão classificadas como rurais atendendo 2.064 alunos nas localidades de Torreões, Monte Verde, Náutico, Humaitá, Rosário de Minas, Penido, Fazenda da Varginha, Valadares, Caeté, Sarandira, Igrejinha (INEP, 2016). As etapas de ensino oferecidas pelas referidas escolas abrangem a Educação Infantil com turmas de pré-escola (4 e 5 anos) e Ensino Fundamental, sendo que algumas oferecem apenas anos iniciais multisseriados, enquanto outras contemplam os 9 anos. Há também a oferta da modalidade de Educação de Jovens e Adultos.

Algumas escolas organizam suas turmas unicamente no sistema multisseriado, o que é bem mais comum nas que possuem apenas Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental com poucos alunos, como é o caso das escolas Cel. Emílio Esteves dos Reis, Nagib Félix Cury e Victor Belfort Arantes. Em outras, mesmo organizando-se em turmas únicas, há a demanda de formação de turmas multisseriadas de acordo com o número de matrículas. Exemplo disso são as escolas Dr. Pedro Marques, Padre Caetano e Prof. Helena Antipoff que unificaram as turmas de 4 e 5 anos da Educação Infantil. A modalidade de Educação de Jovens e Adultos contempla do 1o ao 9o ano do Ensino Fundamental e é sequenciado em fases (I à IV para os anos iniciais e V à VIII para os anos finais) atendendo as comunidades das escolas Padre Wilson, Camilo Guedes, Dr. Pedro Marques e Cel. Emílio Esteves dos Reis. Outra peculiaridade da organização destas escolas é que boa parte delas oferece atividades complementares no turno inverso às aulas regulares como: laboratório de informática, educação musical, laboratório de aprendizagem, hip-hop, xadrez, capoeira, teatro, handebol, futsal e vôlei.

Quanto à estrutura, dentre os diversos itens elencados, os selecionados denotam que há uma grande discrepância entre as escolas: aquelas que receberam os alunos de escolas menores que paralisaram as atividades são as que possuem melhor estrutura física, enquanto as menores, que ficam em regiões mais distantes e isoladas, possuem estrutura mais limitada e não recebem melhorias porque a tendência dos investimentos públicos é que tais escolas, dentro de pouco tempo sejam fechadas e nucleadas em escolas maiores. Esta possibilidade vai na contramão da atual legislação que prevê a consulta às comunidades11 onde estabelece que a comunidade escolar deverá ser ouvida e a Secretaria de Educação do estado deverá justificar a necessidade de encerramento das atividades da escola além de constar a exigência de manifestação de órgão normativo – como os conselhos municipais de Educação - do sistema de ensino para o fechamento desse tipo de escola.

10 Por um erro de processamento do INEP, a Escola Victor Belfort Arantes consta na lista de escolas

urbanas. Mas a Secretaria de Educação esclareceu que já solicitou a correção, pois tal escola é rural. Os números apresentados acima levam em conta essa correção.

Neste universo de escolas rurais atuam 287 docentes de um total de 3.986. Nas atividades complementares desenvolvidas nessas escolas atuam 15 auxiliares/assistentes educacionais, 16 profissionais/monitores de atividades complementares e 01 intérprete de libras (INEP, 2016).

Sobre a formação continuada dos professores e demais profissionais, o programa de 2016 oferecido pela Secretaria de Educação através do Centro de Formação do Professor contemplou formações no primeiro e nos segundo semestre abrangendo dois eixos temáticos comuns e outros diferenciados: Currículo e práticas pedagógicas e Gestão da escola. Os diferenciados apresentam-se a partir do terceiro eixo, que no primeiro semestre contemplou projetos artístico-culturais, intercâmbios e seminários e no segundo, além deste, também tratou de encontros de formação complementares e propostas de apoio às escolas. Dentro de cada eixo há subdivisões em temas, trabalhadas através de cursos, grupos de estudo e oficinas12. Essas formações são detalhadas em um caderno disponibilizado às escolas para que as professoras possam escolher quais irão participar. São temáticas muito pertinentes e necessárias ao contexto de qualquer escola, mas, no entanto, não há nada que trate das peculiaridades de uma escola rural e da comunidade de seu entorno, e também não há outro material que seja trabalhado especificamente com as professoras e equipes gestoras das escolas rurais.

A partir dessa caracterização, muitos questionamentos vêm à tona sendo o ponto de partida os caminhos que levaram as escolas rurais de Juiz de Fora a configurar o panorama em que estão hoje. Diferentes olhares nos ajudarão a compreender esse processo.

No documento darielidaltrozoilha (páginas 52-57)