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Luis Alberto Rojas Marín vs Peru: seria a tortura a “cura gay”?

3 OS DIREITOS SEXUAIS NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS

3.2 As demandas perante a Corte e a Comissão: uma análise de casos

3.2.13 Luis Alberto Rojas Marín vs Peru: seria a tortura a “cura gay”?

Em 14 de abril de 2009, a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos, o Centro de Promoção e Defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos (PROMSEX) e a Redress Trust – Seeking Reparations for Torture Survivors, apresentaram à CIDH a petição nº 446-09, por meio da qual alegam a responsabilidade da República do Peru pela tortura e detenção ilegal e arbitrária do Sr. Rojas Marín, as quais teriam sido motivadas pela sua orientação sexual. Além disso, aduzem os peticionários que o país falhou no dever de investigar e esclarecer judicialmente os fatos, de modo que as situações descritas implicam violação aos direitos constantes dos artigos 7.4, 7.5, 8, 11.1 e 25 da CADH, em conjunto com as obrigações dos artigos 1.1 e 2 do mesmo diploma legal. Também mencionam a violação aos artigos 1, 6 e 8 da Convenção

Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Os peticionários afirmam que, ainda que indiretamente, foi também afetada a mãe da vítima, Sra. Juana Rosa Tanta Marín, cuja saúde foi prejudicada por conta da angústia e do temor de represálias gerados pelos fatos alegados no petitório, o que configura afronta ao artigo 5 da Convenção Americana (CIDH, 2014a, p. 01, § 1-2).

Os peticionários afirmam que a vítima é um jovem gay de escassos recursos econômicos, que à época dos fatos contava com 26 anos de idade. Em 25 de fevereiro de 2008, por volta das 0h30min, quando se dirigia para sua casa, foi abordado pela força de segurança do governo local da Província de Ascope, por encontrar-se em “atitude suspeita”. Por não portar os documentos de identificação, a vítima foi conduzida à Delegacia de Polícia do Distrito de Casagrande, em Trujillo, tendo sido privada de sua liberdade desde às 6 horas da manhã. Durante sua detenção, foi interrogado e insultado com frases alusivas à sua orientação sexual, sempre em tom ofensivo. Além disso, foi agredido física e verbalmente por três agentes policiais. Até sua liberação, foi mantido desnudo e teve seu corpo manuseado, a ponto de sofrer tortura mediante a introdução de um cassetete policial de borracha no ânus, o que resultou em lesões com sangramento (CIDH, 2014a, p. 02-05, § 7-25).

No que diz respeito à jurisdição interna, os peticionários alegam que a vítima denunciou os fatos perante a polícia de Casagrande, lugar a que estavam adscritos os policiais que lhe perpetraram as agressões. Seu pedido, entretanto, foi rechaçado, sob o argumento de que o chefe da unidade policial não estava presente. Aduzem que embora o Ministério Público tenha determinado a perícia médica, o procurador responsável agiu com desídia no exercício de suas funções em relação à vítima, de modo que não pôde submeter-se ao exame médico no mesmo dia dos fatos (25), mas tão somente em 29 de fevereiro (CIDH, 2014a, p. 02, § 10).

Reclamam os peticionários de que há uma tendência dos fiscais e juízes do Estado peruano em qualificar os atos de tortura como um delito de abuso de autoridade, o que prejudica demasiadamente a elucidação de fatos graves e a respectiva sanção. Ademais, mencionam que a impunidade no Peru é ainda mais grave quando se trata de pessoas pobres e campesinas, como é o caso do Sr. Luis, ao que se soma o fato de ser gay. Em suma, portanto, o jovem foi discriminado por sua orientação sexual não somente pelos agentes policiais, mas também pelo Poder Judiciário local, que desqualificou as denúncias e declarações da vítima, banalizando a gravidade do caso.

O Estado peruano defendeu-se das alegações argumentando que os peticionários não esgotaram os recursos judiciais internos e, além disso, que os fatos narrados não constituem violação de direitos, com o que requereu o arquivamento da petição. Sobre os fatos, especificamente, o Estado alegou que vizinhos haviam reportado aos agentes policiais a presença de pessoas “estranhas” na rua. Disse que havia três pessoas, sendo que abordaram somente a vítima em virtude de que opôs resistência injustificada. Argumentou também que o rapaz estava embriagado, motivo pelo qual foi levado à Delegacia de Polícia de Casagrande para identificação. Ainda, afirmou que existiu uma séria e exaustiva investigação dos fatos por parte das autoridades peruanas com respeito à violência sexual alegada. Sobre o abuso de autoridade, aduziu que o Código de Processo Penal do país possibilita a intervenção para controle de identidade independentemente de ordem da autorização de um fiscal ou juiz (CIDH, 2014a, p. 05-07, § 26-38).

Em seu Informe nº 99/14, de 06 de novembro de 2014, a CIDH reconheceu ter competência ratione personae, ratione loci, ratione temporis e ratione materiae para análise do caso. No que se refere ao esgotamento dos recursos internos, a Comissão observou que os processos iniciados – tanto no que diz respeito à responsabilidade pelos fatos de violência e discriminação, quanto no tocante à discriminação por parte dos fiscais do caso – foram encerrados ainda na etapa de investigação. Desse modo, a CIDH considerou que a vítima está isenta da necessidade de esgotar os recursos da jurisdição interna, aplicando-lhe a exceção do artigo 46.2.a e b da CADH.

Sobre o prazo de apresentação da petição (artigo 46.1.b da CADH), a CIDH considerou que foi intentada em um período de tempo razoável, visto que os fatos ocorreram em 25 de fevereiro de 2008 e o caso foi submetido à CIDH em 14 de abril de 2009. Ainda, em atenção ao artigo 46.1.c da Convenção Americana, a CIDH entendeu que inexiste outro procedimento pendente ou já julgado no cenário internacional que reproduza os fatos narrados pelos peticionários. Por fim, a Comissão considerou que os fatos mencionados podem caracterizar, em uma análise de fundo, uma violação de direitos, declarando admissível a petição com relação aos artigos 5, 7, 8, 11, 24 e 25 da CADH, em conexão com as obrigações constantes dos artigos 1.1 e 2 do mesmo diploma legal, bem como no que diz respeito aos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (CIDH, 2014a, p. 11, § 62). O caso agora aguarda a análise de fundo da questão.

3.2.14 Identidades que (trans)bordam nos espaços burocráticos: Tamara