• Nenhum resultado encontrado

Mencionamos, com certa frequência, a oposição da Igreja em relação à modernidade. Não raro, estas menções a representam como um bloco compacto e homogêneo, de modo que a oposição da Igreja também parece ser a toda a modernidade e suas consequências, para as quais observaremos as contradições. Como aponta René Rémond, “mesmo os espíritos mais refratários à sociedade moderna jamais condenaram em bloco todos os seus atributos”102

.

Assim, os católicos se vestem como todo mundo, leem jornais, andavam de trem, depois de carros, bem como usavam os telefones. “Suas reservas ao mundo moderno sempre foram parciais e seletivas. Longe de recusar o progresso científico

100

PEQUENOS deveres do assignante do jornal catholico. A ORDEM. 14 jul.1935.

101 DEBRAY, Régis. Vie et mort de l‟image: une histoire du regard en Occident. Gallimard, Paris. 1992. 102

RÉMOND, René. Vous avez dit catholique? Paris: Desclée de Brouwer, 2007. Traduzido do francês pela autora a partir do fragmento “même les esprits les plus réfractaires à la société moderne n‟ont jamais condamné en bloc tous ses attributs”.

ou técnico, alguns são mesmo a vanguarda para utilizar as técnicas mais modernas ao serviço da fé”103

. Naturalmente, dentro desta seleção, a imprensa é mais um meio moderno utilizado para promover “ideias, com frequência, retrógradas”, nas palavras do próprio Rémond. A própria Igreja justifica tais utilizações, como podemos visualizar através da seguinte epígrafe, publicada em „A Ordem‟ no ano de 1936104

:

Epígrafe de „A Ordem‟ (11/1936) Fonte: A Ordem, 25/11/1936

A linotípia foi inventada nos anos 1880 por Ottmar Mergenthaler, alemão naturalizado estadunidense, de religião protestante luterana. A linotípia (de line of types: linha de caracteres) foi constantemente aprimorada nos anos seguintes à sua invenção e permitia a composição de linhas em bloco, multiplicando por cinco ou seis a velocidade da composição105.

A Bôa Imprensa se desenvolveu no fim do século XIX e não teve reserva alguma em utilizar uma tecnologia concebida por um protestante - cuja religião é inserida dentro da grade de compreensão da modernidade como um dos seus males. Os avanços técnicos-científicos - devidos ao adensamento dos preceitos da modernidade - eram visualizados pela Igreja como frutos de um falso saber, pois finalizavam em si mesmos uma vez que se concentravam apenas nos resultados imediatos de seus avanços materiais. O verdadeiro saber era, estritamente, aquele que poderia conduzir ao entendimento da doutrina cristã e, por conseguinte, o conhecimento de Deus106.

O Progresso humano advindo a partir de tais avanços materiais era igualmente rejeitado pela Igreja católica, uma vez que implicava – como era colocado pela teoria

103 Ibidem.Traduzido a partir do trecho “Leur réserve à l‟égard du monde moderne ne fut jamais que

partielle et selective. Loin de récuser le progrès scientifique ou technique, certains furent à l‟avant-garde pour utiliser les techniques les plus modernes au service de la foi”.

104 Epígrafe. A Ordem, 25 de novembro de 1936, p.1. 105

MARTIN, Laurent. La presse écrite em France au XXème siècle. Paris: Librairie Générale française, 2005, p.19-2. Collection La France Contemporaine, dirigida por Jean-François Sirinelli.

106 MANOEL, Ivan A. Progresso e perdição do homem In: O pêndulo da História: tempo e eternidade no

laica – não somente na ruína dos valores medievais e no estabelecimento de novos valores éticos e morais, mas que tal progresso só seria consolidado quando o mundo moderno fosse dominado pela Razão humana em detrimento das amarras teológicas do catolicismo,107 que, no máximo, seria resumido a um âmbito da realidade, de cunho pessoal e restrito ao âmbito privado, enquanto nos tempos áureos do medievo, possuía a abrangência da sociedade na sua globalidade108.

Uma Igreja que se autocompreende

É na tentativa de analisar como se situava a imprensa católica que faremos uso do conceito de autocompreensão109, de Ivan Manoel, que sintetiza momentos em que se

visualiza a predominância de uma determinada forma de organização e atribuições, que tem a ver com o conhecimento, a imagem que a Igreja faz de si própria em um dado momento e que se desdobra em direcionamentos para a atividade católica e o seu desempenho na sociedade. Portanto, atribuir rótulos ou definições a uma instituição tão longeva e com uma atuação global é uma tarefa fadada ao malogro. Para evitar este insucesso é que acreditamos ser importante tal conceito, pois ele exige, segundo seu autor, que se aponte temporal e espacialmente, de qual Igreja se trata, antes do esforço de identificar e significar a sua atuação.

A filosofia católica da história se autocompreende como a história da salvação humana, porque, entre outras questões, a finalidade da história não se refere à temporalidade, mas à eternidade; ainda, porque o projeto de salvação divina só se realizará com o pleno consentimento da humanidade. Conforme Manoel, trata-se de uma filosofia que “dialoga com dois universos distintos – um, material, concreto, onde se realiza a história humana; outro, abstrato, idealizado, para onde a história deverá levar os homens. Ser esse final bom ou ruim, é algo que depende inteiramente da vontade humana110”. Em resumo, a questão baseia-se na vontade e liberdade humana, ou seja, o livre-arbítrio.

Deste modo, “tudo quanto o homem fez ou fará no concreto da história reflete sua opção – ou ele age conforme os preceitos católicos e isso se reflete no equilíbrio

107

Ibidem, p. 29 – 51.

108

MOISSET, Jean-Pierre. Histoire du catholicisme. Paris: Flammarion, 2006, p.356.

109

Op. Cit. MANOEL, Ivan.

social, ou ele age contra esses preceitos e gera o caos social”111. Tal constatação anula a convicção de que a Igreja prega a passividade ou aceitação de um destino no qual ele pouco pode influir. Ao contrário, ela ensina que o homem deve agir fortemente para direcionar sua história para um final feliz, para o reencontro com Deus e não para perdição eterna.

Para o autor, este é um dos pontos fundamentais da questão, pois ao ensinar e estimular os homens a direcionarem sua história colocando como fim a eternidade, a doutrina da Igreja pode provocar comportamentos ambíguos. Um deles é “aquele que propõe ações, digamos, „concretas‟, na esfera sócio-política”. Não obstante a doutrina permanecer a interpretar a vida temporal como palco da luta contra o Bem e o Mal, a hierarquia católica não limita sua ação e a de seus fiéis ao campo devocional. Pelo contrário, “a Igreja se atribui e aos seus fiéis o direito e o dever de intervirem no social e no político para garantirem que as estruturas sociais sejam transformadas em conformidade com a doutrina católica112”.

Assim, do século XIX para o XX é verificada uma ampliação na esfera devocional e, igualmente, uma ampliação e fortalecimento da atuação católica no âmbito sócio-político. Isto se compreende também porque a Igreja considerou o mundo moderno como produto direto das filosofias racionalistas e do abandono da doutrina cristã, ou seja, um produto do Mal que deveria ser transformado pela doutrina e ação da Igreja, não bastando a ampliação e o fortalecimento da esfera devocional para enfrentar Modernidade, tendo este domínio servido como alicerce de uma sólida atuação sócio- política.

Isto foi evidenciado, no período em apreço, quando essa “ação concreta” foi explicitada através dos programas da Ação Católica, no sentido de se recristianizar as estruturas sociais, de dotá-las de um fundamento doutrinário católico, de tirá-las das influências consideradas malignas do racionalismo, do materialismo, do liberalismo e do socialismo113.

É com base nestas considerações que desejamos encaminhar a compreensão dos sentidos que se apresentavam associados à atuação da imprensa. Primeiro, a partir da

autocompreensão analisaremos uma Igreja, no Rio Grande do Norte dos anos 1930, que

se atribui como tarefa atuar pela imprensa (o jornal „A Ordem‟); nisto subjaz ainda as

111 Ibidem, p. 19. 112

Ibidem, p.20.

proposições expostas acima em torno da filosofia católica da história, que entendemos como legitimadora de tal atuação.

Embora o modelo social vigente na Idade Média tenha se dispersado há tempos, a Igreja católica procura elaborar referências à época em que a instituição se constituía como a sociedade dentro da sua globalidade, sendo inimaginável o conceito de „religião‟ que conhecemos atualmente, como um âmbito da realidade que convive entre outros e redefinida, não raro, como crença de cunho pessoal que não deve interferir em outros setores da vida114. Assim, reagindo à tendência que, no Brasil, se observou após o fim do padroado (1889), a Igreja estava ávida por, com o auxílio das páginas da imprensa, recolocar o catolicismo como orientador de todos os âmbitos do mundo social.

A imprensa católica: breve histórico

Na passagem do Império para a República, segundo Gomes115, havia uma grande quantidade de jornais católicos no Brasil, em geral sustentados pela boa vontade dos fiéis, mas seguidos de perto pela hierarquia. A separação entre o Estado e a Igreja catalisou esforços no sentido de constituir “uma imprensa católica inspirada em estratégias organizacionais modernas de propaganda e distribuição de produtos, bem como preocupada em estabelecer conceitos e políticas que definissem um mundo social edificado sob o fundamento católico”116.

Nesse momento, a imprensa católica brasileira sofre uma censura na medida em que o caráter catequético dos jornais é secundarizado em prol de uma postura mais combativa, que deveria estar atenta aos ataques à religião católica na imprensa para respondê-los prontamente através do mesmo meio e com a mesma virulência. Apesar disso, se autonomeavam „Bôa Imprensa‟, que logo se transformou em um Centro, com normas e recomendações. A Liga e o Centro da Bôa Imprensa foram fundados em 1909 e amparados por associações e organizações cujo fim era promover, organizar e financiar a „bôa imprensa‟ católica117.

114 Op.cit. MOISSET, Jean-Pierre. 115

Ibidem. GOMES, Edgar. P.251.

116 GONÇALVES, Marcos. Missionários da “boa imprensa”: a revista Ave Maria e os desafios da

imprensa católica nos primeiros anos do século XX. Revista Brasileira de História – órgão oficial da Associação Nacional de História. São Paulo, ANPUH, vol. 28, nº. 55, jan/jun., 2008. p. 65.

Segundo o artigo 2º do capítulo I, sobre “Organizações e fins” do estatuto da Liga da Bôa Imprensa, esta teria por fim “auxiliar o Centro [da Bôa Imprensa] para a consecução de seu fim que é: desenvolver a boa imprensa e a sã litteratura, fornecendo artigos, correspondências, noticias aos jornaes coligados; fundar e desenvolver bibliotecas; publicar bons livros de sciencia e literatura etc.” No capítulo 2, sobre os “Deveres” dos sócios, o artigo primeiro diz que os associados devem “rezar diariamente uma „Ave-Maria‟ – pelos fins da obra”. Observamos aí a amplidão nacional da Liga e como havia uma cooperação entre os „bons jornais”, para os quais o Centro deveria produzir material118.

Nesses moldes se inseria o „Oito de Setembro‟, primeiro jornal católico norte- rio-grandense fundado em 1897, pelo Padre João Maria. Quatro anos depois da fundação, lamentando à guisa das dificuldades de cumprir com os custos do contrato de aluguel da tipografia e a ameaça de ter que encerrar a tiragem; se estimulava, no entanto, através da concorrência, pois na cidade publicava-se “[...]em bom papel, bôa impressão, tipografia própria um jornal protestante, trabalhando na destruição da doutrina católica, simulando que a religião de Jesus Cristo seja ali puramente ensinada119”.

Nos anos 1920 em diante ocorre a secularização da sociedade, que merece mais atenção nas páginas dos jornais católicos, assim como a Revolução Russa (1917), a Guerra Civil Mexicana (1924-1934) e Espanhola (1936-1939), o acirramento dos movimentos sociais, a fundação do Partido Comunista e outros “males modernos” dentre os quais a ameaça comunista, embora o protestantismo tenha continuado a ser alvo de combate.

Exemplo deste tipo de luta é que, dentro da efusão de pesquisas sobre o catolicismo, que se materializaram em dissertações, teses e livros publicados nas últimas duas décadas, a imprensa católica serviu de fonte privilegiada para a temática do anticomunismo, por exemplo. Trabalhos referenciais deste domínio se valeram de jornais e revistas católicas. É o caso de Rodrigo Motta, que utiliza diversas fontes do periodismo católico na obra Em guarda contra o perigo vermelho, que dá um panorama do anticomunismo no Brasil entre 1917 e 1964. Marco Antônio Pereira utiliza

118 O estatuto da Liga da Boa Imprensa foi replicado na tese de doutorado de Edgar da Silva Gomes

(p.259-261), já citado neste texto.

119

“OITO de setembro”. A ORDEM, Natal, 14jul.1935, p.2. Replicado em „A Ordem‟ no seu editorial inaugural, foi publicado originalmente em 1901, no jornal que dá título ao texto.

exclusivamente a imprensa católica no seu estudo sobre como os periódicos se expressaram sobre o anticomunismo a partir de regime comunista russo, o Levante de 1935 e a Guerra Civil Espanhola, detendo-se nos anos 1936 a 1937, quando a temática anticomunista era tratada com frequência nas páginas católicas. Carla Rodeghero também se vale da imprensa católica do Rio Grande do Sul para a sua investigação sobre o anticomunismo católico entre o pós-guerra e o golpe de 1964, que resultou no livro O diabo é vermelho120. Outro estudo emblemático do uso da imprensa católica é o

já clássico livro A Ordem: uma revista de intelectuais católicos121, no qual seu autor

Cândido Rodrigues, tomando a Revista „A Ordem‟ como fonte e objeto ao mesmo tempo, investiga as matrizes político-ideológicas e teórico-filosóficas que nortearam o pensamento católico brasileiro.

Estes esforços da imprensa católica visualizados no Brasil não estão isolados na esfera nacional, ao contrário, fazem parte de um projeto internacional da Igreja Católica do qual a imprensa é um dos meios. A Restauração Católica, como aponta Moura, foi um movimento internacional fundamentado no tradicionalismo, intrinsecamente político e religioso e que objetivava fazer frente às propostas anticatólicas baseadas nas prerrogativas da modernidade, as quais tinham como consequência, dentre outras, a perda de espaço dos discursos do clero. Por esse viés, buscava-se, em resumo, recristianizar as instituições sociais. A restauração católica era baseada nos pressupostos estabelecidos pelo Concílio Vaticano I, que não somente reafirmava os preceitos do Concílio de Trento ocorrido no século XVI, como pensava a condição da Igreja em meio ao mundo moderno. Uma das resoluções tomadas tratava da organização de instituições para combater o laicismo em busca de recolocar os ensinamentos católicos como orientadores da sociedade.

É dentro desse escopo, então, que a Igreja Católica, no fim do século XIX, começou a ter consciência do alcance e da influência da imprensa na sociedade; a palavra escrita e impressa passaram a representar, para os católicos, um dos principais instrumentos no combate aos inimigos. Devido ao grande alcance e influência que estava exercendo sobre os cidadãos de um novo contexto mundial, a hierarquia

120 Op.Cit. MOTTA, Rodrigo; RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário

anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1945-1964). Passo Fundo: Ediupf, 1998.

121

RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem: uma revista de intelectuais católicos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

eclesiástica passou a defender com mais vigor a atuação dos católicos no campo da escrita122.

É em continuidade a estes projetos que em 1922 surge o projeto da Boa Imprensa no nível mundial. Neste mesmo ano foi lançada a primeira encíclica de Pio XI, que arrola as perspectivas para o seu pontificado. A carta Ubi arcano Dei advoga por uma sociedade em que os princípios cristãos norteiem todos os aspectos da vida em contraposição à tendência de reduzir a fé a uma questão privada e individual. Para esta empreitada, o papel conferido à imprensa e aos intelectuais na disseminação do ideário católico é apontado como seminal, por exemplo, a referida encíclica coloca a atividade da imprensa no mesmo nível de importância das preces diárias e obras de caridade, como podemos observar no extrato abaixo:

[...] Nós queremos dizer o zelo muito ardente que, para começar pelas preces assíduas e uma vida exemplar, depois pela via fecunda da palavra e da imprensa e outros meios, incluindo as obras de caridade123.

No nível nacional, foi fundada a revista „A Ordem‟ e, pouco depois, num

contínuum, o Centro Dom Vital, ambos dirigidos pelo intelectual católico Jackson de

Figueiredo. Nos anos 1930, sob a direção de Alceu Amoroso Lima, o Centro se firmou e expandiu, abrindo filiais nas principais capitais do país. Por sua vez, a revista „A Ordem‟ teve êxito em inserir suas explicações espirituais e morais, sobressaindo a outras de caráter materialista, em meio a um ambiente de concorrências no que toca às interpretações sobre o momento do país. Em suas páginas, visualizavam-se uma concepção de mundo totalizadora e cujos moldes se julgavam capazes de colocar o Brasil no rumo correto, o que não se acreditava possível fora da doutrina social da Igreja124.

Não obstante o desenvolvimento da imprensa no Brasil remontar ao século XIX, é a partir da década de 1920, atingindo o auge nos anos 30, que ela vai se consolidar como instrumento de persuasão e doutrinação das massas, tanto no que toca à imprensa

122 AMARAL, Walter Valdevino do. Apostolado da Boa Imprensa: Contribuições das filhas de Maria na

imprensa católica (Pernambuco, 1902-1922). Escritas, Tocantins, v. 1, n. 6, p.204- 224, 2014.

123 PIO XI. Ubi arcano Dei. Roma, p.10. Acessado através do endereço eletrônico

http://w2.vatican.va/content/pius-xi/fr/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19221223_ubi-arcano-dei- consilio.html, em 26 de janeiro de 2017, às 13h15. Tradução do autor a partir do seguinte fragmento em língua francesa: “Nous voulons dire ce zèle très ardent qui, d'abord par la prière assidue et une vie exemplaire, puis par lavoie féconde de la parole et de la presse et les autres moyens, y compris les œuvres de charité”.

laica, quanto a de orientação religiosa. Com relação à alçada desta última, acreditava-se que “a grande missão que este paiz tem o direito de exigir da imprensa nestes dias de confusão de valores, de desorientação doutrinaria [...] a grande missão que cumpre aos jornaes brasileiros é, acima de tudo, doutrinar. [Mas] doutrinar a bôa doutrina”125.

O jornal católico norte-rio-grandense, homônimo, vai surgir em um ambiente em que a imprensa católica está em pleno fôlego: o Centro Dom Vital contava com cerca de vinte centros filiais espalhadas pelo país, e Roma sediava a Exposição mundial da Bôa Imprensa. Este projeto da Boa Imprensa representou também um importante aliado da ortodoxia no sentido de definir os inimigos do catolicismo, colaborando também para a formação de uma identidade católica que, naquele momento, se colocava em uma relação umbilical com a identidade nacional brasileira.

A edição inaugural do jornal „A Ordem‟ é emblemática por diversos motivos. Além de trazer os caminhos que a linha editorial seguiria dali em diante, é deveras expressiva a data de sua fundação: 14 de julho126:

Em outros tempos, o dia 14 de julho era feriado nacional no Brasil. Era uma data ligada à Revolução Francesa, que appareceu no mundo com o propósito de garantir os “direitos dos homem”. Esqueceram, porem, os revolucionarios dos “deveres do homem” e sobretudo os “direitos de Deus”.

Acreditamos que o extrato supracitado faz referência ao período inicial da República brasileira, que tinha a França como paradigma da liberdade e da civilização e dedicava certa adoração pela Revolução Francesa, chegando mesmo a comemorá-la anualmente. O hino nacional francês era canto obrigatório em todas as manifestações liberais de rua, especialmente as republicanas. Em „A república consentida: cultura democrática e científica do final do Império‟, Maria Tereza de Mello comenta sobre uma frase que Machado de Assis copiou de um historiador italiano e que foi publicada em um jornal carioca: “todo homem tem duas pátrias – a sua e a França”. Ainda conforme a autora supracitada, o mesmo periódico acrescentou: “a festa de hoje [14 de julho] é a da nossa própria família, a família da civilização e da liberdade‟‟127

.

Ainda sobre essa incômoda influência – ao menos para a Igreja –, era corriqueiro comparar o trajeto histórico brasileiro ao francês, uma vez que éramos “filhos diretos da

125

SALGADO, Plínio. A MISSÃO da imprensa. A Ordem, 14 jul.1935, p.5.

126 'Nossos propósitos', Natal, p.1, 14.jul.1935. A Congregação Mariana dos Moços, que se encarregou

„d‟A Ordem‟, fora fundada nesta mesma data, dois anos antes.

127

MELLO, Maria Tereza Chaves de. A República Consentida: Cultura Democrática e Científica do Final