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As colunas da Ordem: imprensa, identidade e atuação política da Igreja Católica norte-rio-grandense (1935-1936)

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Academic year: 2021

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(1)AS COLUNAS DA ORDEM: IMPRENSA, IDENTIDADE E ATUAÇÃO POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NORTE-RIO-GRANDENSE (1935-1936). PATRÍCIA WANESSA DE MORAIS.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS LINHA DE PESQUISA II: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS. AS COLUNAS DA ORDEM: IMPRENSA, IDENTIDADE E ATUAÇÃO POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NORTE-RIO-GRANDENSE (1935-1936). PATRÍCIA WANESSA DE MORAIS. NATAL, 2017.

(3) PATRÍCIA WANESSA DE MORAIS. AS COLUNAS DA ORDEM: IMPRENSA, IDENTIDADE E ATUAÇÃO POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NORTE-RIO-GRANDENSE (1935-1936). Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de PósGraduação em História, Área de Concentração em História e Espaços, Linha de Pesquisa II: cultura, poder e representações espaciais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Amado Peixoto.. NATAL, 2017.

(4) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, LetrasWanessa e Artes -de. CCHLA Morais, Patricia As colunas da Ordem: imprensa, identidade e atuação política da Igreja Católica norte-rio-grandense (19351936) / Patricia Wanessa de Morais. - 2017. 172f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História e Espaços. Orientador: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto. 1. A Ordem (jornal). 2. Anticomunismo. 3. Igreja e Estado - Igreja Católica. I. Peixoto, Renato Amado. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 070:322(813.2).

(5) PATRÍCIA WANESSA DE MORAIS. AS COLUNAS DA ORDEM: IMPRENSA, IDENTIDADE E ATUAÇÃO POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NORTE-RIO-GRANDENSE (1935-1936). Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos professores:. _________________________________________ Dr. Renato Amado Peixoto. __________________________________________ Dr. Cândido Moreira Rodrigues. ________________________________________ Nome do Avaliador Interno. _________________________________________ Nome do Suplente. Natal, _________de__________________de____________.

(6) “A Igreja... é um mundo” Émile Poulat. “O passado é uma terra estrangeira” Arnaldur Indridason – La cité des jarres. “É preciso sempre desconfiar das aparências”. Comandant Rovére. A vida não é nunca simples. Arnaldur Indridason – Étranges Rivages. Tudo que ignoramos nos parece simples.. À minha mãe Vera e ao meu esposo David..

(7) AGRADECIMENTOS. Agradeço ao meu orientador, o professor Renato Amado Peixoto, por toda atenção, disponibilidade, encorajamento e confiança. Ao Conselho de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (Capes), pela bolsa concedida por quase toda a duração do curso. A todos os professores que, durante as disciplinas do mestrado, contribuíram de algum modo com o desenvolvimento deste trabalho, como foi o caso do professor Santiago Júnior, Durval Muniz, o meu orientador já citado e o professor Raimundo Arrais, a quem também agradeço a presença na banca de qualificação, junto ao professor Cândido Rodrigues, os quais me deram valiosas recomendações. Agradeço ainda a Luann, secretário da pós-graduação, por estar sempre disposto a nos ajudar com os pequenos probleminhas burocráticos que enfrentamos, além da maneira positiva e bem-humorada de nos encorajar e nos fazer acreditar que tudo dará certo. Tenho especial carinho e gratidão por alguns professores. Foi na escola estadual Winston Churchill, nas aulas de história do professor Rômulo Angélico, que eu desenvolvi o interesse que já tinha pela disciplina. Posteriormente, no cursinho preparativo para o vestibular, com as excelentes aulas do professor Enzio Andrade e as divertidíssimas aulas do mitológico professor „Kokinho‟, tal interesse se aguçou. Durante a graduação em História, o professor Wicliffe Costa me ensinou não somente a botar os pontos nos is, mais também nos js, entre tantos outros saberes, que eu devo igualmente aos professores Durval Muniz e Renato Amado e outros. Naturalmente, a professora Aurinete tem presença obrigatória nos agradecimentos de todos aqueles que cursaram História na UFRN. A todos os meus colegas do mestrado, em especial Abimael, Monique e Júlio César, colegas estes que são também amigos. Abimael sempre descontraindo com suas imitações maravilhosas. Monique e Júlio, sempre compartilhando, com toda leveza e bom humor, as agruras e lamentações da vida de estudante. O compartilhamento das experiências, alegres ou difíceis, foram importantes para nos darmos conta que todos temos dificuldades e, sobretudo, capacidade de nos superarmos. Nada está definido de início e experiências como essa nos constrói e nos ensina a sermos mais fortes diante das adversidades..

(8) Ainda os dois Henriques, Denis, Arilene, Jandson, os dois Lucianos, Lívia, Flávia, Gabi e Antônio, a quem sou grata pela ajuda durante os estudos preparatórios para a seleção de mestrado, a ajuda na elaboração do projeto e a indicação de várias bibliografias. Ainda os meus colegas e amigos que fiz nessa trajetória da universidade, com especial carinho a Adriel Felipe, Felipe Tavares, Samuel Carvalho, Mayane, Jessica Dalcinha, Diana e Lúcio; amigos que eu quero levar para a vida toda. Aos meus amigos da Equipe de Atletismo Desafio, em especial Batista e Vanusa, com os quais, ao fim de cada dia cansativo de aulas e/ou estudos, eu recarreguei as energias. O agradecimento a vocês não poderia faltar aqui, pois sei que torcem por mim para além das pistas. Aos amigos que fiz nos últimos meses da escrita do trabalho. Sylviane, Dominique, Gerald, Henri, Claude, Nicole, Jacqueline, René e outros com os quais compartilhei o trabalho voluntário no resto du coeur, onde eu ia uma vez por semana ajudar aos mais necessitados; foram momentos ideais de relaxamento após um trabalho solitário e cansativo. Não posso esquecer a amiga Ratiba, que conheci na sala de estudos da biblioteca Méjanes e que, nos momentos de pausa, partilhávamos experiências e café sob aquele leve sol dos últimos meses de inverno. Ao meu amado companheiro David, por ter sempre apoiado e estimulado os meus estudos. Sua disciplina, seriedade, leveza e modéstia em tudo que faz são um modelo para mim, entre outros tantos bons exemplos que você me dá, que me fazem admirá-lo tanto quanto amá-lo. Sinto-me orgulhosa e grata de compartilhar a vida contigo. Palavra alguma pode conter o amor que nutro por você. Aos meus avós maternos, Francisca e Sérgio de Morais, dos quais só tenho boas lembranças e exemplos. Eles dois, que assinavam o nome com dificuldade, vindos de um tempo em que estudar significava pertencer ao grupo dos mais abastados, privilégios para poucos, me ensinaram desde pequenininha o valor dos estudos, dado terem observado que não era mais privilégio e sim, direito. À minha amada mamãe Vera, a pessoa mais importante da minha vida, por todos os esforços e abdicações que fez por mim desde sempre.. Palavras nunca serão. suficientes para agradecer aos cuidados e amor imensurável que sempre me deu..

(9) DE MORAIS, Patrícia Wanessa. As colunas da ordem: Imprensa, identidade e atuação política da Igreja Católica norte-rio-grandense (1935-1936). 2017. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História e Espaços da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/RN. RESUMO Este trabalho objetiva investigar a construção da identidade católica norte-rio-grandense através da atuação política e religiosa da Igreja Católica norte-rio-grandense entre 1935 e 1936, por meio do exame do órgão oficial da Diocese de Natal, o jornal „A Ordem‟. Entendemos que esta atuação se relaciona com os problemas colocados à Igreja com o advento da República e a Constituinte de 1892, quando aquela instituição ficou formalmente separada do Estado e precisava reagir ao seu declínio enquanto instituição. A partir da reorganização e expansão diocesana, a ampliação dos quadros de clérigos e intelectuais leigos, foi posto em prática o paradigma da Neocristandade, amparado no catolicismo ultramontano, e assim a Igreja reconstruiu a sua influência na sociedade e política do país. Na década de 1930, no contexto da queda do liberalismo, a Igreja já contava com uma vasta rede diocesana, com uma imprensa católica e com intelectuais militantes para poder disseminar o seu pensamento e combater os “males modernos”. A partir da fundação do jornal „A Ordem‟, no ano de 1935, como resultado dos esforços organizacionais da Diocese de Natal, pretendemos mostrar que, no caso norte-riograndense, a recusa à modernidade é apenas parcial, como evidencia a própria imprensa, que em um contexto de crise da identidade católica, passa a ser, ao mesmo tempo, um meio para reinserção dos princípios católicos na sociedade e um fim que deveria constituir contrapartida a imprensa laica. É neste sentido que investigaremos a imprensa como parte de uma autocompreensão da Igreja, ligada ao projeto internacional da „Boa Imprensa‟ que, no Rio Grande do Norte, demonstrou ser um dos componentes da formação da identidade católica. Subjacente a isto se desenvolve o projeto de intelectual católico, que analisaremos a partir da trajetória de Otto Guerra que, assim como a imprensa católica, responde à modernidade e possui como objetivo a recatolicização da sociedade. Por último, ainda perseguindo a compreensão da identidade católica norterio-grandense, analisaremos alguns acontecimentos que colaboram reafirmar o compromisso de incorporação da Igreja ao discurso anticomunista, elemento este sem o qual não podemos entender o catolicismo dos anos 1930 e tampouco, a constituição de sua identidade em oposição ao comunismo. Estes acontecimentos são o Levante Comunista de 1935, a proposta de comemoração do tricentenário da chegada de Maurício de Nassau à Recife elaborada em 1936 e, por fim, a Guerra Civil Espanhola. Analisaremos esses acontecimentos a partir das publicações do jornal „A Ordem‟ e demonstraremos que eles foram apresentados e rememorados de forma concatenada, entrelaçando períodos, personagens e acontecimentos diferentes em meio a uma recusa parcial da Igreja à modernidade e à elaboração do Rio Grande do Norte enquanto um território católico. Palavras-chave: Jornal „A Ordem‟; anticomunismo; Identidade Católica..

(10) DE MORAIS, Patrícia Wanessa. Les colonnes de l'ordre : presse, identité et action politique de l'Église Catholique dans l'État du Rio Grande do Norte (1935-1936). 2017. Mémoire de Maîtrise présenté au Programme d'Études Supérieures en Histoire et Espaces de l'Université Fédérale du Rio Grande do Norte, Natal/RN. RÉSUMÉ Le sujet de ce mémoire est la construction de l'identité catholique dans l'État du Rio Grande do Norte au travers de l'action politique et religieuse de l'Église Catholique de cet état, de 1935 à 1936, et s'appuie sur l'organe de presse officiel du diocèse de Natal, le journal 'A Ordem' ("L'Ordre"). Nous établissons que cette action est liée aux problèmes que l'avènement de la République et l'Assemblée Constituante de 1892 ont posés à l'Église, quand cette institution a été formellement séparée de l'État et devait réagir à son déclin en tant qu'institution. Les principes du néo-christianisme, soutenu par l'ultramontanisme, furent mis en pratique au moyen de la réorganisation et de l'expansion diocésaine, et c'est ainsi que l'Église reconstruisit son influence sociale et politique dans le pays. Dans les années 1930, dans le contexte d'une crise du libéralisme, l'Église s'appuyait déjà sur un vaste réseau diocésain, une presse catholique et des intellectuels militants pour pouvoir diffuser sa pensée et combattre les "maux modernes". C'est à partir du lancement du journal 'A Ordem' ('L'Ordre'), en 1935, qui est le résultat des efforts de réorganisation du Diocèse de Natal, que nous montrons que, dans le cas du Rio Grande do Norte le refus de la modernité est partiel, comme le démontre la presse elle-même, que dans un contexte de crise de l'identité catholique, devient à la fois un moyen de réintroduire les principes catholiques dans la société et une fin pour contrecarrer la presse laïque. C'est en ce sens que nous étudions la presse comme un élément d'une auto-compréhension de l'Église, liée au projet international "Maison de la Bonne Presse", et qui s'est montrée être un des éléments de la formation de l'identité catholique dans le Rio Grande do Norte. De manière sous-jacente, se développe le projet de l'intellectuel catholique, que nous analyserons à partir de la trajectoire de Otto Guerra qui, tout comme la presse catholique, répond à la modernité et a comme objectif le rétablissement du catholicisme dans la société. Enfin, et toujours dans le but de comprendre l'identité catholique dans le Rio Grande do Norte, nous analysons certains événements qui contribuent à la réaffirmation de l'engagement de l'Église dans le discours anticommuniste, élément sans lequel on ne peut ni appréhender correctement le catholicisme des années 1930 ni la construction de son identité en opposition au communisme. Ces événements sont le soulèvement communiste de 1935, le projet de commémoration du tricentenaire de l'arrivée de Jean Maurice de NassauSiegen élaboré en 1936 à Recife et, enfin, la guerre civile espagnole. Nous étudions ces faits à partir des éditions du journal 'A Ordem' e montrons qu'ils furent présentés et rappelés de manière enchaînée, entremêlant différents périodes, personnages et événements au milieu d'un refus partiel de la modernité de la part de l'Église et à la construction du Rio Grande do Norte en tant que territoire catholique. Mots-clés: Journal 'A Ordem'; anti-communisme; identité catholique..

(11) LISTA DE FIGURAS. Figura 1 – Discurso do presidente Getúlio Vargas ....................................................... 50 Figura 2 – O Fracasso do golpe communista ............................................................... 53 Figura 3 – Epígrafe de „A Ordem‟ (11/1936) ............................................................... 55 Figura 4 – Capa da edição inaugural de „A Ordem‟ ..................................................... 75 Figura 5 – Epígrafe de „A Ordem‟(05/1936) ................................................................ 80 Figura 6 – A Acção Integralista Brasileira ................................................................... 94 Figura 7 – O jovem jornalista Otto Guerra nos tempos da juventude em Natal........... 95 Figura 8 – Maurício de Nassau .....................................................................................105 Figura 9 – A Opinião de Plínio Salgado .......................................................................110 Figura 10 – Mussolini, Salazar e Hitler .......................................................................120 Figura 11 – Epígrafe de „A Ordem‟..............................................................................147.

(12) SUMÁRIO Introdução ...................................................................................................................12. 1 “A Ordem: não queremos outra coisa” .................................................................31 1.1 A reorganização diocesana .....................................................................................33 1.2 Getúlio Vargas e o novo projeto nacional ..............................................................41 1.3 O Levante Comunista de 1935 ...............................................................................44. 2 “O jornal catholico nunca deve ser rasgado depois de lido”: Imprensa e Identidade católica......................................................................................................54 2.1 Lutando com as armas do inimigo: Modernidade e imprensa ................................54 2.2 Imprensa, Identidade católica e espaço ..................................................................69 2.3 “Sentinela indormida nas lutas da imprensa, nos combates da fé e na defesa da Pátria”: Otto Guerra, a Congregação Mariana e „A Ordem‟ ........................................82. 3 Identidade católica norte-rio-grandense e outras histórias .................................99 3.1 Católicos, holandeses e comunistas: identidade católica norte-rio-grandense .......100 3.2 “A lição da Espanha”: A guerra civil espanhola no Rio Grande do Norte e a concorrência entre o catolicismo e o comunismo .........................................................117 3.3 “A Espanha afogada em sangue”: A Guerra Civil Espanhola e o medo nas páginas do jornal „A Ordem‟ .....................................................................................................140. Considerações Finais ..................................................................................................155 Fontes Pesquisadas .....................................................................................................160 Referências Bibliográficas .........................................................................................166.

(13) 12. INTRODUÇÃO. Questões presentes “Quando o filho do homem vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”. A interrogação apresentada no evangelho de Lucas (18, 1-8) pairou sobre os cristãos durante os períodos de crise que acometeu a trajetória da religião. Mas podemos aferir que ela jamais foi tão pertinente que desde o começo do novo milênio, em um mundo ocidental que herdou todo o progresso da razão, das luzes, história e ciência. Nas sociedades desenvolvidas, secularizadas, laicizadas, que se tornaram autossuficientes materialmente e espiritualmente, a fé cristã parece até já apagada da cultura. Como continuar a acreditar, no século XXI, em Jesus Cristo, sua ressurreição, Virgem Maria e mãe? Acreditar nestas velhas luzes que seriam os milagres, os êxtases, as visões e estigmas? Acreditar na vida após a morte, no pecado original, no paraíso e no inferno? Os cristãos são confrontados à questão de sua sobrevivência: saber se sua fé é ou não condenada a desaparecer no confronto entre o homem sem Deus, com a racionalidade científica; ou se ela é capaz de reencontrar o seu poder espiritual, profético, anunciando uma nova ordem de fé e valores? As reformas que a igreja encabeçou no século passado permitiram-na, nas palavras de dois historiadores1 de orientação e especialização no catolicismo (cujas contribuições estão permeando minhas reflexões nesta introdução), “d‟épouser son temps”. Em tradução literal temos “casou-se com seu tempo”. Bom, podemos arriscar que, na relação entre a Igreja e a Modernidade, já vinham se relacionando numa espécie de “namoro escondido”, com idas e vindas. O “casamento”, como não é surpreendente, teve seus conflitos, rupturas, momentos de paz e reconciliação. Inicialmente, eu tinha certo como uma operação matemática que a Igreja, no período em que recorto a pesquisa, estava em um polo extremamente oposto à modernidade. Agora, seria incapaz de afirmar isso com qualquer certeza, pois vejo esta relação recheada de nuances. A leitura de “Vous avez dit catholique”, de René Rémond, certamente me influenciou. Embora o livro se dedique a pensar o ambiente francês, taxado como anticlerical e laicizado por excelência, vejo frequentes semelhanças com o. 1. TINCQ, Henri. Les catholiques. Paris: éditions Grasset & Fasquelle, 2008, p.160; RÉMOND, René. Vous avez dit catholique? Paris: Desclée de Brouwer, 2007..

(14) 13. catolicismo que vivenciei no meio que cresci e, não menos, no que pesquisei, um pouco mais recuado no tempo. Recentemente, vi se espalharem nas redes sociais rumores atribuídos ao Papa Francisco, que teria dito que o fogo do inferno e Adão e Eva não seriam reais. Se ele efetivamente disse, é outra questão. O que achei demasiado curioso foi o fato de ter visto alguns católicos compartilharem e não verem problema algum na declaração. Isto me levou direto para o que Rémond apontou, sobre o catolicismo não se apresentar mais como homogêneo, comparando a um tempo em que aceitávamos em bloco e negávamos do mesmo modo. E aqueles que se dizem católicos não estão mais convictos de acreditarem nas mesmas verdades, mesmo as mais essenciais, como a ressurreição de Cristo. Ainda que podemos não ter dificuldade de crer no que a Igreja propõe sem, no entanto, nos sentirmos obrigados a seguir ao pé da letra todas as suas recomendações: mas escolhemos entre o que ela propõe, fazemos uma seleção individual2. É cada vez mais raro fieis que se acreditam em pecado mortal se eles faltam ao ofício. A recomendação da confissão não é respeitada que por uma minoria. A situação não é, de todo, original, dado que, em outras épocas os bons católicos contrariavam as regras morais. Todavia, o fazendo, sabiam-se pecadores, pediam perdão e tomavam a firme resolução de não recair no pecado. A novidade é que os católicos que se consideram como bons cristãos contestam, hoje, as diretivas morais do magistério. Esta novidade é, em parte, uma consequência da mudança ocorrida na relação entre a pessoa e o fato religioso. Antes se observava a aceitação de um bloco de crenças, atitudes, práticas que faziam um corpo com os hábitos sociais, estes pouco dissociáveis do catolicismo. Em uma sociedade relativista e pluralista, na qual o status de verdade mudou, não se afirma mais com tanta liberdade e naturalidade que a tradição é a verdadeira entre outras falsas. Acreditar em uma verdade objetiva, emanada de um ser superior e sobrenatural, não é mais evidente em uma sociedade em que os indivíduos produzem seus próprios sistemas de significações, valores e referências, que conduzem, por sua vez, suas experiências e exprime suas aspirações. Nesta sociedade, a verdade com pretensão universal é enxergada como autoritária, contrária à tolerância e ao respeito à pluralidade, reivindicados, atualmente, como critérios infalíveis. Neste sentido, mais. 2. RÉMOND, René. Ibidem. P.18-19..

(15) 14. uma vez somos impelidos a considerar que não há mais uma fé monolítica – como já dissera, em outras palavras, Rémond – mas diversas maneiras de viver a fé católica3. Postas estas considerações, que redundam na identidade católica e nas mudanças e ações que a Igreja empreendeu, este trabalho tem a ambição de investigar o que era ser um bom católico no Rio Grande do Norte dos anos 1930, aliado à investigação em cima da imprensa católica, que constituía simultaneamente o perfil do bom católico e o esforço de reação da Igreja para “dilatar o reinado divino sobre a terra”. Pesquisar o catolicismo não se resume a obter respostas simplesmente sobre a Igreja. Tal pesquisa traz sentidos e contribuições também para a História do Brasil, mais especificamente do Rio Grande do Norte. Como esperar entender a história de um país no qual mais da metade dos seus habitantes se dizem católicos, sem, no entanto, considerar tal pertencimento? Conceberíamos, por exemplo, pesquisar um país mulçumano sem considerar o islã? Dada as devidas ressalvas que deve ter a comparação, o óbvio não para a questão demonstra não somente sua possibilidade, mas como sua legitimidade4. Por mais variadas e pessoais que sejam as formas de crer, o domínio das crenças religiosas enforma o pensamento dos seus adeptos, orientam seus pontos de vista, sensibilidades e comportamentos. No caso da Igreja Católica, dispõem mesmo de toda uma rede de escolas dotada de pedagogia própria, que, certamente, age de forma a modelar as condutas sociais. A partir de 2012, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte instalou a „Comissão da Verdade‟ com vias a investigar as violações aos direitos humanos que ocorreram no âmbito da instituição durante o regime ditatorial militar entre 1964 e 1988. À época graduanda da licenciatura em História, fui uma das selecionadas para atuar como bolsista da Comissão e realizar tarefas de pesquisa em arquivos e colheita de depoimentos. Para resumir esta história e ir direto ao ponto que me interessa, o fato é que, após diversas pesquisas que buscaram remontar ao período em que a universidade foi fundada, na aurora dos anos 1960, ficou claro que as origens da maior instituição de ensino superior do estado se ligam aos esforços da Igreja Católica norte-rio-grandense, que fundou diversas escolas, as quais depois se tornaram faculdades e estas,. 3 4. TINCQ, Henri. Op. Cit. P. 162. RÉMOND, René. Op. Cit. P.35..

(16) 15. amalgamadas e incorporadas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, posteriormente, federalizada5. Os professores eram, em grande parte, oriundos dos quadros católicos: tanto eclesiásticos quanto leigos se revezavam para ministrar aulas em vários cursos, como por exemplo, Dom Heitor Sales, Dom Eugenio Sales, Otto Guerra, Ulisses de Góis e Monsenhor Francisco de Assis Pereira. Ainda resultado dos trabalhos da „Comissão da Verdade‟, quando passamos para a fase de colheita de depoimentos dos envolvidos no período, fiquei surpresa pelo fato de vários dos perseguidos pelo regime comentarem em seus depoimentos que começaram a se engajar politicamente a partir da inserção na Igreja Católica e eram ligados aos movimentos da Igreja, notadamente a Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Universitária Católica (JUC)6. No desmonte ocorrido entre o trono e o altar, desdobraram-se para uma separação radical entre o secular e o religioso as instituições de ensino, notadamente as universidades, que são vistas por excelência como laicas e „livres‟ das amarras que julgam andar ao lado do pensamento religioso. Neste sentido, é curioso apontar as contribuições tão elementares da Igreja para existência de uma universidade. No mesmo sentido, as ligações entre a religião e a política foram, durante muito tempo, desprezadas, sendo a religião enxergada como incapaz de fornecer explicações à política. O segundo exemplo demonstra o contrário disto, mas também uma imbricação entre como a Igreja se compreendia naquele momento e sua catequese política. Como indagou Renato Peixoto, seria recebida com a mesma legitimidade a assertiva de que a categoria „Religião‟ explica ou concatena a categoria „Política‟? Termos como „sagrado‟, „irracional‟ ou „ideologia‟ indicariam uma tomada pouco séria. 5. Otto Guerra, com o apoio do ainda Pe. Eugênio e de Dom Marcolino, foi o professor-fundador da Escola de Serviço Social (1945). Inicialmente de nível médio, em 1953 o a lei federal 1889 de 13.06.1953 lhe confere status de nível superior. Ulisses de Góis, com o apoio de outros professores, dos Bispos Dom Marcolino Dantas e Dom Eugênio Sales, organizou a Faculdade de Ciências Econômicas (1957), Administrativas e Contábeis. Em 1954, é fundada a Faculdade de Direito de Natal, da qual Otto ocupa os cargos de professor e vice-diretor. Em 1956 é fundada a Faculdade de Filosofia de Natal, na qual Otto Guerra também figurou como professor fundador. Esta faculdade era mantida pela Associação dos Professores, uma entidade dirigida pelo católico Ulisses de Góis. Posteriormente, a Faculdade de Filosofia ganha o curso de Pedagogia e então passa a se chamar Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Em 1958 é fundada a Universidade do Rio Grande do Norte (URN), que incorpora estes cursos supracitados, assim como os seus professores. SEABRA, Zélia. Otto Guerra: traços e reflexos de uma vida. Natal: Jovens escribas, 2012. 6 São exemplos Gileno Guanabara, Geniberto Campos, Francisco Floripe Ginani, Maria Laly Carneiro, Josemá Azevedo e Marcos Guerra. Fonte: Comissão da verdade da UFRN: relatório final / Universidade Federal do Rio Grande do Norte. – Natal, RN: EDUFRN, 2015..

(17) 16. da discussão, arriscando-se a pensar a Religião que na verdade o pensa, conforme alertara Bourdieu em relação ao Estado7.. Percurso até a pesquisa Fui aluna integrante do Grupo de Pesquisa „História, Catolicismo e Política no Mundo Contemporâneo‟ e „Rede de Pesquisa História e Catolicismo no Mundo Contemporâneo‟, sob a liderança de Renato Peixoto. A primeira oportunidade de pesquisar a Igreja apontou quando iniciei como bolsista de iniciação científica em um projeto sobre a reelaboração do pensamento conservador no Rio Grande do Norte entre as décadas de 1930 e 1940, sob a orientação do professor Renato Peixoto. Posteriormente e simultaneamente a oportunidade como bolsista de iniciação científica, passei a frequentar o arquivo da Arquidiocese de Natal, também porque passei a fazer parte de um projeto da pró-reitoria de extensão, ligado ao departamento de História e dirigido pela professora Margarida Dias. Este projeto tinha como objetivo higienizar e catalogar a documentação da instituição, experiência muito útil para conhecer um pouco mais dos projetos da Igreja durante o século XX. Foram nestas ocasiões que pude descobrir a pesquisa em arquivo. Relembro como fiquei estupefata, nas primeiras idas ao acervo, com o conteúdo do jornal católico „A Ordem‟. Esperava um jornal “mais católico” e, no entanto, me deparei com conteúdos eminentemente políticos, militantes, combativos, com ataques diários ao comunismo, à maçonaria, ao protestantismo e aos “maus costumes”, relacionado à ausência dos princípios católicos na vida pública, entre outros. Aos poucos, com a leitura da bibliografia sobre a Igreja, por sinal muito profícua em dissertações e teses nos últimos anos, a enxurrada de informações visualizadas no jornal passou a fazer mais sentido. Além do jornal em si, me despertava a curiosidade pela quantidade de notícias que atacavam o comunismo – uma continuidade que vai marcar toda a existência do periódico, aliás – e, a partir de 1936, como os esforços anticomunistas vão ganhar um reforço por meio do advento da Guerra Civil Espanhola, que „A Ordem‟ vai noticiar diariamente. Estes dados começaram a suscitar que o anticomunismo estava acoplado ao projeto identitário da Igreja norte-rio-grandense, especialmente após o Levante 7. PEIXOTO, Renato Amado. 'Creio no espírito Cristão e Nacionalista do Sigma': Integralismo e Catolicismo nos Escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo' In. Rede de Intelectuais Católicos. (Org. Gizele Zanotto et all). Passo Fundo: UPF, 2015..

(18) 17. Comunista de 1935, como explicaremos posteriormente. A Igreja católica já possuía um pensamento conservador organizado – que incluía o anticomunismo – desde o século XIX e isto lhe conferiu a credibilidade para tomar a frente no combate ao comunismo que ameaçou o Rio Grande do Norte. A Guerra Civil Espanhola, aparentemente fora de lugar por se tratar de um conflito interno em um país distante e pouco importante politicamente em seu continente, na verdade fazia todo o sentido para a Igreja, uma vez que a Igreja católica daquele país sofreu toda sorte de ataques, com uma onda de anticlericalismo assombroso, justo no país considerado pela Santa Sé como mui católico. Se a temática anticomunista vai servir de constante reforço da Igreja para com o seu compromisso com o anticomunismo, o jornal nasce de um projeto, antes de tudo, político. Buscamos então investigar algumas nuances em torno da gênese do jornal, das pessoas e dos grupos envolvidos, a linha editorial seguida, certos acontecimentos que o jornal acompanhou de perto e o porquê de tê-los acompanhado. Portanto, „A Ordem‟ será igualmente a fonte e o objeto desta pesquisa.. Situando o tema e definindo alguns conceitos Existindo há mais de dois milênios, a Igreja Católica Romana dificilmente pode ser considerada pelos seus estudiosos como uma instituição homogênea e imutável. Pelo contrário, nesta longa trajetória e em cada uma das suas extensões disseminadas por todo o mundo, características específicas e várias formas de explicá-las foram utilizadas. Visualizam-se, em dados momentos, a predominância de determinadas formas de organização e atribuições, que têm a ver com o conhecimento e a imagem que a Igreja faz de si própria e que redundam em direcionamentos para a atividade católica e o seu desempenho na sociedade. Portanto, atribuir rótulos ou definições a uma instituição tão longeva e com uma atuação global, é uma tarefa fadada ao malogro. Para evitar este insucesso é que acreditamos ser importante apontar, temporal e espacialmente, de qual Igreja vamos tratar, antes do esforço de identificar e significar sua atuação 8. Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo oferecer uma entrada, entre muitas que são possíveis, para a compreensão da atuação política e religiosa da Igreja Católica norterio-grandense entre 1935 e 1936.. 8. MANOEL, Ivan Aparecido. O pêndulo da História. Tempo e eternidade no pensamento católico (1800 – 1960). Maringá: Eduem, 2004..

(19) 18. A autocompreensão significa momentos em que a Igreja se pensa e se autoatribui tarefas específicas em acordo com os objetivos estabelecidos. Pensamos que, da forma como a Igreja se entende e se atribui tarefas, ela espera um comportamento dos fiéis e da sociedade por um todo, de acordo com cada autocompreensão, uma vez que Igreja sem fiéis e sem relação com a sociedade não faz sentido. A autocompreensão redunda, assim, na questão identitária. Ao se atribuir tarefas e esperar dos fiéis um comportamento em acordo, a Igreja se entende e se identifica particularmente. Assim, o conceito de Identidade emprestado por Stuart Hall9 nos serve para pensar a Igreja, porque o autor entende tal categoria dentro de um contexto de crise de identidades, quando “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio”. No quadro deste declínio, a identidade católica é uma dessas velhas identidades, abalada pelo iluminismo e a modernidade e cuja produção de uma nova identidade deve ser entendida aí neste processo. Ao reiterar o papel do bom católico, a Igreja norte-rio-grandense atesta que tal papel não é suficientemente claro, como já foi outrora. Igreja é igualmente um conceito a ser definido, que entendemos não ser evidente. O termo pode ter diversas acepções e por isso estabelecemos que Igreja é entendida na sua vertente “institucional, social e visível. É a Igreja uma sociedade organizada hierarquicamente, que se manifesta externamente na profissão de fé, comunicação dos sacramentos e observância das leis10”. Ainda, é centrada no sumo pontífice romano, que a conduz para a realização dos seus projetos. Acontecimento é igualmente um conceito a definir. Em Renascimento do Acontecimento, François Dosse11 elabora uma biografia da categoria acontecimento, na qual discute a idas e vindas na historiografia, que a apreendeu de diversos modos ao longo do tempo, negando-a ou afirmando-a. Para o autor, o acontecimento não está voltando simplesmente, após um longo tempo de ostracismo, que o autor atribui à vigência do paradigma estrutural. Por isto o termo renascimento, e não retorno. Há uma mudança na trajetória do acontecimento e é esta mudança que é investigada. A mudança que o autor enfoca na obra relaciona-se com o status do acontecimento na contemporaneidade, inserido em um contexto em que as mídias e o 9. HALL, Stuart. Identidade em questão. In: A identidade cultural na pós-modernidade. 10a ed. Rio de janeiro: dp&a; 2005. 10 Ibidem, p.10. 11 DOSSE, François. Renascimento do Acontecimento. São Paulo: UNESP, 2013..

(20) 19. seu desenvolvimento crescente interferirão diretamente na forma como o acontecimento será concebido. O acontecimento passa, então, a ser inseparável dos seus suportes de difusão na sociedade moderna. Há uma inerência entre o acontecimento e sua relação pela mídia. Para ser, o acontecimento deve ser reconhecido. Nesta perspectiva, as mídias são a mediação deste conhecimento e reconhecimento12. Assim, a recepção pública do acontecimento não é um processo externo de atribuição de sentido em relação a um fato – estas etapas na verdade não se separam, são uma só. Em poucas palavras, descrever inclui interpretar.. O título e o recorte temporal Esse trabalho tem como título: “As colunas da Ordem: Imprensa, Identidade e atuação política da Igreja Católica norte-rio-grandense (1935 – 1936)”. Nele, procurei explorar a ambiguidade do termo coluna, que significa tanto um pilar de sustentação para uma construção material, quanto uma página imprensa ou manuscrita. Com “as colunas da ordem” eu quero aludir às páginas do jornal e também suscitar que este periódico serviu de sustentáculo para a ordem que a Igreja desejava implantar. Ordem é igualmente tomada em sua ambiguidade, significando uma determinada organização e estrutura e também o próprio jornal que nos serve de fonte. O recorte se estende entre 1935 e 1936, porque é um momento que abarca o desenvolvimento que vivia a Diocese de Natal, emblematizado pela fundação do Jornal „A Ordem‟, pela formação de intelectuais católicos norte-rio-grandenses, como Otto Guerra, Luís da Câmara Cascudo e Ulisses de Góis. Outros desdobramentos também justificam este recorte, como a chegada do novo bispo, Dom Marcolino Esmeraldino de Souza Dantas; e a tensão entre Getúlio Vargas e as organizações familiares norte-riograndenses, que é aproveitada pela Igreja de modo a atuar politicamente. “A „Crise de 1935‟ se constitui num reflexo das tensões entre a produção de uma identidade e de uma espacialidade estadual, que se tornam mais agudas no contexto pós-Revolução de 1930”, como também que “a Diocese de Natal teve participação decisiva na „Crise de 1935‟, uma vez que suas estratégias e atuação desencadearam, estimularam ou potencializaram diversos acontecimentos do período13”. 12. Ibidem, p. 259 – 261. Segundo Dosse, ainda no século XIX, foi a imprensa quem fez do caso Dreyfus teria existido sem a mídia, mas dificilmente seria um caso nacional francês. 13 PEIXOTO, 'A Crise de 1935 no Rio Grande do Norte: a tensão entre as identidades estadual e a nacional por meio do caso norte-rio-grandense'. In: VI Simpósio Internacional Estados Americanos -.

(21) 20. Além dos resultados oriundos da „Reorganização diocesana‟ como estratégias da Igreja à estadualidade republicana, temos ainda o Levante Comunista de 1935, que inscreveu definitivamente a Diocese de Natal no jogo político norte-rio-grandense14. Além do Levante Comunista de 1935, „A Ordem‟ cobrirá, em 1936, o debate em torno da proposta de comemoração do tricentenário da chegada de Maurício de Nassau à Recife e, logo depois, com a deflagração da Guerra Civil Espanhola, o jornal fará uma cobertura bastante assídua neste ano inicial da guerra. Nesse sentido, o recorte tenta atender a estes acontecimentos que avaliamos como elementares para compreender a construção da identidade católica norte-rio-grandense em curso naquele período.. As fontes Este trabalho utilizará como fonte principal o jornal católico norte-rio-grandense „A Ordem‟, cuja fundação data de 14 de julho de 1935, a partir dos esforços da Congregação Mariana dos Moços, vinculada à Diocese de Natal. Ao elegermos como fonte documental um jornal católico, algumas premissas ligadas a esta escolha devem ser exploradas, inclusive a de encará-lo não somente como fonte mais também como objeto de pesquisa. Temos em vista que trabalharemos com o que foi selecionado, ordenado, estruturado e narrado para resultar em notícias. Estas ações não são automáticas, ao contrário, elas estão atreladas a uma complexidade de questões que vão desde a decisão de publicá-las até a forma e disposição em que aparecem na materialidade do jornal. É eloquente e alvo de toda a atenção o fato de algumas notícias estarem estampadas na primeira página do periódico enquanto outras aparecem em pequenas notas, assim como algumas virem acompanhadas de imagens e terem início na primeira página e continuação na última. Alguns assuntos levam semanas e são trabalhados em suíte, sendo acompanhado até em meses, quase como uma espécie de novela; enquanto outros são apresentados de forma esporádica ou mesmo em uma só edição. Também é importante o problema de o jornal, entendido no singular, ser feito por um grupo de indivíduos arregimentados em torno de um projeto coletivo, agregados. Pesquisas acadêmicas contemporâneas, 2012, Natal. Anais do VI Simpósio Internacional Estados Contemporâneos. Natal: UFRN, 2012. v. 1. p. 294-301.p. 295 – 296. 14 Ibidem. PEIXOTO, 2012. P.296 – 299..

(22) 21. em torno de ideias, crenças e valores que se desejam difundir por meio da palavra escrita15. A fim de dar conta também dos responsáveis pela linha editorial, das ligações e relações destes com outros projetos, periódicos e instituições é que entrelaçaremos „A Ordem‟ com outras publicações. Além disso, tentaremos trazer à tona a „Bôa Imprensa‟ (em vigor desde o fim do século XIX, sendo um projeto transnacional que reunia os jornais e revistas de orientação católica) e a Revista „A Ordem‟ (editada pelo Centro Dom Vital, de circulação nacional, que exercia o papel de porta-voz oficial da Igreja em nível nacional) por entender que o jornal norte-rio-grandense se inseria no projeto desta revista e não somente dialogava como, também, pode ser entendida como uma ramificação desta segunda. Ainda, levantaremos o papel exercido pela Congregação Mariana dos Moços e Otto de Brito Guerra por entender que estes, respectivamente editora e o editor „d‟A Ordem‟, foram definitivos para o surgimento e manutenção do diário católico.. A religião e a historiografia No século XIX, predominaram as abordagens que inseriam a religião em escalas evolutivas que deveriam ser superadas, sendo a secularização o fim da etapa e o triunfo da razão, acreditando que os dados históricos ajudariam no desaparecimento da religião, que aconteceria em decorrência do progresso, da ciência e indústria. Coexistindo com estas análises positivistas, vigorava também a historiografia tradicional das religiões, cujo tratamento dado ambicionava a confirmação de crenças que os dados históricos pudessem trazer para o cristianismo. Enquanto uma tinha como preocupação norteadora as origens das instituições e crenças da humanidade, buscando estabelecer a verdade do cristianismo, a outra se baseava na expectativa de laicização progressiva. Ambos os modelos eram afeitos a obras grandiosas que pretendiam dar conta de longos recortes temporais e espaciais, à moda das “Histórias Gerais”. Outras formas utilizadas no tratamento da religião pela historiografia tradicional se deram de modo a inseri-la na história dos países e entendê-las como parte das instituições e do Estado. Ainda como abordagem vigente, temos a milenar „História da Igreja‟, concentrada nas grandes personagens, nos dogmas, nas instituições, nas. 15. DE LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2010, p.140..

(23) 22. estruturas, na hierarquia, na santidade canonizada e nas teologias oficiais, com ênfase em suas relações com os governos, deixando de lado movimentos de ideias, práticas populares ou atividades missionárias. Com a renovação historiográfica trazida pelos Annales, surgiram novas preocupações historiográficas, adensadas pelo diálogo com disciplinas como a economia, a demografia, a psicologia, a antropologia e a sociologia. Neste escopo, a religião ganhou novas e profícuas abordagens. A escola dos Annales e a História Nova, em especial a partir da terceira geração e o maior diálogo com outros campos das Ciências Humanas, catalisaram o surgimento de vários caminhos para a História das Religiões. Uma das transformações mais proveitosas se deu em enxergar a religião, agora, de uma maneira multifacetada e a possibilidade de ligá-la a outras temáticas, tais como sentimentos, a exemplo do amor, do medo, da segurança; da mulher, da família, da educação, das festas, da feitiçaria ou outras práticas, em entrelaçamento com as estruturas sociais e a coletividade. O tratamento das crenças ganhou complexidade uma vez que saiu do binômio ortodoxia/heresia em prol do interesse pelas condutas perante certas situações, tal como a morte e o medo, individual ou coletivamente ou em articulação com estruturas socioeconômicas16. É neste sentido que a religião vai passar a ser, frequentemente abordada em conexão com outros campos, a exemplo do campo político que é o que nos interessa aqui. Se, por um lado, a Escola dos Annales ventilou novos ares para o estudo do fenômeno religioso, uma das críticas que ela mais sofreu foi de uma suposta negligência em relação à política, como suscita o seu próprio subtítulo: “economias, sociedades, civilizações”, presente na revista homônima. Essa negligência, entretanto, é alvo de discussões, haja vista a presença, mesmo que secundária, de questões políticas em várias obras dos historiadores dos Annales e a predominância deste campo nas contribuições de historiadores como François Furet, Michel Vovelle, Marc Ferro e Maurice Agulhon.17 À parte isto, o fato é que, em menor ou maior grau, a política foi vitimada pelo ranço da história dita positivista, na qual este campo reinava absoluto. E assim, como 16. ALBUQUERQUE, Eduardo Basto de. Historiografia e Religião. Revista Nures, SÃo Paulo, v. 5, n. 1, p.1-10, jan. 2007. Quadrimestral. Disponível em: <http://www.pucsp.br/revistanures>. Acesso em: 07 maio 2016. 17 BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: A Escola dos Annales (1929-1989). São Paulo: UNESP, 1992, p. 70..

(24) 23. critica Rémond, “avanços se operam muitas vezes em detrimento de outro ramo, como se todo avanço devesse ser pago com algum abandono, duradouro ou passageiro, e o espírito só pudesse progredir rejeitando a herança da geração anterior”18, isto é, o desenvolvimento da história econômica e social em detrimento da política. A obra Por uma história política é um marco desta renovação que a História Política vai empreender no fim dos anos 1980, lançando questões acerca da imbricação e diálogo entre o político, o social, o econômico, o cultural, entre outros domínios. Diante disso, como argumenta o organizador, renomado historiador René Rémond, especialista no catolicismo e na história política, “o político não tem fronteiras naturais”, ele atravessa outros domínios, mas sem fixar territórios. O modelo desta renovada história política agora se entrelaça com outras áreas, como é o caso da religião. Em „Religião e Política‟, capítulo da coleção organizada por Rémond, Aline Coutrot nos coloca o seguinte questionamento: “em que o religioso, particularmente o cristianismo, pode interessar à história do político? O que há de comum entre a religião, que propõe a salvação no além, e a política, que rege a sorte dos homens nesta terra?” A historiadora francesa, cujo grande tema de pesquisa é a interface entre religião e política, nos responde que é pelo fato de serem distintas que podemos interrogar acerca de suas relações, não raro com caráter interdependente. Coutrot enfatiza que: [...] a crença religiosa que se manifesta em Igrejas, que são corpos sociais dotados de uma organização que possui mais de um traço em comum com a sociedade política. Como corpos sociais, as Igrejas cristãs difundem um ensinamento que não se limita às ciências do sagrado e aos fins últimos do homem. Toda a vida elas pregaram uma moral individual e coletiva a ser aplicada hic et nunc; toda a vida elas proferiram julgamentos em relação à sociedade, advertências, interdições, tornando um dever de consciência para os fiéis se submeter a eles. Definitivamente, nada do que concerne ao 19 homem e à sociedade lhes é estranho .. Na tentativa de inverter a situação em que o religioso costuma ser explicado pelo político, Coutrot pontua que “limitar-se, como se faz às vezes, às posições políticas é deter o olhar na superfície das coisas. Elas são inseparáveis de uma concepção. 18. RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p.13. COUTROT, Aline. Religião e política. In: REMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p.331-358. 19.

(25) 24. determinada da verdade, das relações entre o espiritual e o temporal, e inexplicáveis sem isso20”. O religioso, portanto, pode estruturar o político e este, por sua vez, nos incidir sobre o religioso. Ainda, apesar das consequências catalisadas pelo liberalismo, contribuindo para a marginalização das Igrejas e, por conseguinte, uma sociedade secularizada e descristianizada, “a religião continua a manter relações com a política, amplia seu campo de intervenção e diversificar suas formas de ação, de tal forma que o assunto é de grande atualidade”21.. A virada pós-secular Depois da virada linguística, pós-modernidade e outros, havermos que considerar a virada pós-secular, denotando o declínio da ideia de que a religião se posicione em distância da esfera pública, permanecendo algo de cunho privado e individual. A “post-secular turn” reage a certas suposições que colocam em lados opostos a fé religiosa e a razão e baseia-se na ideia de que, ao trocar a fé pela razão, a modernidade nos deu o poder para interpretar e contestar em oposição à mera aceitação das diretrizes religiosas. A perspectiva deste argumento “secularização como diferenciação” enxerga as razões religiosas como ilegítimas na esfera política, e neste sentido, carente de uma justificativa secular. Segundo Tristan Sturm, na verdade a religião retorna para a esfera pública que ela nunca deixou, pois o público, mesmo secular, é perpassado por normas, valores e vocabulários religiosos; as perspectivas seculares e religiosas estão no mesmo solo e teoricamente compartilham igual importância22. Entre outras premissas, a virada pós-secular estabelece que a religião e a política não se separam. Este entrelaçamento da religião com a política sugere a necessidade de uma análise focalizada da geopolítica religiosa e a geopolítica da religião. O campo geopolítico excluiu as preocupações com o estudo da religião por causa da suposição de que o mundo moderno é secular e que a religião é um atraso em declínio. Trabalhos recentes sobre secularismo e teoria da secularização desafiam tal suposição partindo do pressuposto de que a religião não é vivida separadamente ou além de outros fenômenos 20. Ibidem. P. 338. 21 Ibidem, p. 335. 22 STURM, Tristan. The future of religious geopolitics: towards a research and theory agenda. Area, London, Royal Geographical Society (with the Institute of British Geographers), vol. 45, n° 2, jun. 2013, p. 134-140..

(26) 25. socioculturais; ela está intimamente envolvida nos sistemas políticos e outros domínios da sociedade, como a cultura e a economia, não operando na vida diária como uma variável independente e separada, embora possa ser investigado separadamente. Imbuído destas discussões, Renato Peixoto estabelece a aproximação entre o catolicismo e a política de tal modo que, questionando o peso da História das Religiões em relação à História Política, propõe que a religião seja flexionada de tal modo a explicar ou concatenar a política ou o Estado23. Para esta proposição, Peixoto suspeita qual pode ser a recepção, tendo em vista os preconceitos que a religião como temática ainda sofre na academia. “Muito provavelmente, os termos „Sagrado‟, „Irracional‟ ou mesmo „Ideologia‟ seriam apontados como os seus substitutos mais adequados no debate, indicando uma distinção entre as duas categorias24” e a condução do debate a partir de um binômio. Conforme analisa o autor, este tipo de premissa se baseia na reificação sofrida pela categoria „Religião‟ na modernidade, produzindo um discurso parcial e distorcido sobre a separação dos domínios religioso e laico de tal modo que a História da Religião foi alijada da História da Teoria Política e colocada como uma discussão menor, pouco séria, em relação à importância do Estado na construção da religião na modernidade. Este problema é oriundo da constituição dos saberes no Ocidente a partir do século XVIII, em virtude de toda a força que ganhou a separação dos papéis da Igreja e do Estado. Peixoto suscita, então, que a ultrapassagem deste problema em torno do estatuto da modernidade e da separação das esferas do político e do religioso exige a revisão da aproximação da História Política com a História da Religião, bem como reconsiderações de sua analítica em busca de suportes teóricos e metodológicos que reflitam essas preocupações25. Situamos nossa pesquisa neste entrelaçamento entre a História política e a História da religião por entender que, de outro modo, a investigação da atuação da Igreja será deficitária ou parcial, uma vez que na década de 1930, mais do que em. 23. PEIXOTO, Renato Amado. 'Creio no espírito Cristão e Nacionalista do Sigma': Integralismo e Catolicismo nos Escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo' In. Rede de Intelectuais Católicos. (Org. Gizele Zanotto et all). Passo Fundo: UPF, 2015. 24 Op. Cit. PEIXOTO, Renato. P. 1. 25. Ibidem. P.3.

(27) 26. qualquer outra, a dimensão política e a dimensão religiosa estiveram num só caminho, situação que se intensificou pelo combate da Igreja ao comunismo.. Quando a Igreja volta à cena Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as esperanças em torno das promessas dos avanços tecnológicos não se concretizaram em uma melhoria do bem-estar social, tendo a ciência contribuído mais para ampliar a mortalidade e a destruição, do que para a erradicação da miséria e exclusão social. Nesta via é que, a partir da década de 1920, pouco a pouco entram em decadência os valores e instituições associados à civilização liberal. Como bem demonstra Eric Hobsbawm, em 1920, por exemplo, havia cerca de trinta e cinco governos constitucionais eleitos; até 1938 este número tinha se reduzido quase pela metade e, em 1944, restavam em torno de 12, entre as sessenta e cinco nações do globo. Esta verdadeira “queda do liberalismo” propiciou a chegada ao poder de governos autoritários, como o de Benito Mussolini na Itália, Adolf Hitler na Alemanha, Oliveira Salazar em Portugal e Francisco Franco na Espanha. É neste contexto que assistimos. o pensamento. conservador. voltar. à. tona,. agora. alimentando a esperança de solucionar as agruras e penúrias sociais geradas pelo capitalismo liberal. Nesta nova tendência conservadora, o catolicismo sobressaiu-se, pois tinha um projeto conservador organizado já desde o século XIX, no qual as críticas ao liberalismo já vinham sendo ensaiadas26. É nesta circunstância que a Igreja brasileira busca os insumos do pensamento conservador católico, cuja organização iniciou desde fins do século XIX. Segundo Sérgio Miceli, os esforços ligados à reorganização diocesana, conceituada por Edgar Gomes de estadualização da Igreja, não se afastam destas questões. A reorganização do catolicismo no Brasil teve a preocupação e necessidade de “estadualizar” sua administração, para seguir os passos da centralização do poder civil e político. A partir de estratégias geopolíticas, dioceses foram construídas em áreas onde houvesse maior demanda do controle religioso sobre a população. Estes esforços se iniciam em 1890 quando, no limiar do regime republicano, a Igreja Católica foi formalmente separada. 26. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 113 – 143..

(28) 27. do Estado brasileiro, deixando de ser sua religião oficial. O diferencial do trabalho de Gomes está em perceber que o “divórcio” com o Estado significou, em termos práticos, a liberação da Igreja de uma relação assimétrica e servil, diferente do que defende parte da historiografia tradicional para quem a Igreja, após ser alijada dos tentáculos do Estado, se encolhe ou fica reclusa27. A expansão diocesana dependeu de articulações “feitas nos bastidores da política”, seguida de uma reinserção de sua ideologia na nova cena política, até reocupar sua posição nas tramas do poder, agora com caráter tácito e não official. Seguindo, também, a regra do interesse, eventual ou constante, sem fazer parte do Estado, mas sabendo manejar toda sorte de articulações para continuar marcando presença na sociedade e receber as benesses que o poder político poderia lhe oferecer. É presumível, portanto, que tal rompimento possibilitou um esforço organizacional que logrou êxito. Esta reaproximação se dá conforme orientação do Vaticano à hierarquia, recomendando alianças políticas e doutrinárias com os setores favoráveis às pretensões católicas e cientes da colaboração ideológica que a Igreja podia prestar à consolidação da nova ordem social e política do Brasil. À época ainda em definição, o Estado brasileiro estava ciente que, ao ignorar a religião e as convicções intelectuais e morais que ela mobilizava, bem como o respaldo que podia oferecer, arriscava-se seriamente de faltar-lhe sustentação. Sem necessariamente se reintroduzir as igrejas sobre a cena política, não podia, contudo, considerá-la como negligenciáveis. As contribuições de Gomes são importantes para nós porque dão conta de um processo que circunscreve a fundação da Diocese de Natal, em 1909, auge da reorganização diocesana no Brasil. Quanto à fundação das dioceses sufragâneas (Mossoró e Caicó, fundadas na década de 1930) que tornam a Diocese de Natal apta a avançar ao status de Arquidiocese, estas se inscrevem dentro do programa da Neocristandade, paradigma que pretendia orientar a conduta da Igreja no que toca à sociedade e, sobretudo, reinstaurar a parceria com o Estado e atuar mais fortemente nas instituições sociais28. 27. AZZI, Riolando. A crise da cristandade e o projeto liberal. São Paulo: Paulinas, 1991; GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na Primeira República (1889-1930)." Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2012; MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. 28 MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e política no Brasil, 1916-1985. São Paulo: Brasiliense, 1989..

(29) 28. Não obstante a Igreja e o Estado estarem em processo de reaproximação desde o início do século XX, a intensificação, fortalecimento e consequente sistematização dessas iniciativas, mencionadas acima, vão ser intensificadas a partir da década de 20. Dom Sebastião Leme (então arcebispo de Olinda e Recife) publica, em 1916, a Carta Pastoral denunciando os problemas da Igreja brasileira no momento: fragilidade institucional, falta de padres, precária educação religiosa, ausência de intelectuais católicos, influência política fraca, fragilidade financeira, entre outros. Dom Leme reivindicava que as principais instituições sociais deveriam ser recristianizadas para que o Brasil fizesse jus à alcunha de “nação católica”. É a partir deste momento que a Neocristandade vai ser realizada mais concretamente, desdobrando-se para a Ação Católica a partir dos anos 1930, que constituía um projeto transnacional, cujo objetivo maior era o estímulo à militância leiga para a Igreja e o desenvolvimento da imprensa católica para fazer frente ao comunismo e as mudanças catalisadas pelo liberalismo. Suas atribuições ligavam-se àqueles problemas denunciados por Dom Leme. Era mister, ainda, formar quadros de intelectuais e alinhar as práticas religiosas à ortodoxia romana. Faz parte deste raciocínio a fundação da revista „A Ordem‟, sediada na então capital federal nos anos 1920 e, na década seguinte, o Jornal norte-rio-grandense homônimo.. O todo e as partes Para a investigação da identidade, atuação política e religiosa da Igreja Católica norte-rio-grandense entre 1935 e 1936 através do seu periódico e em relação a certos acontecimentos tais como o Levante Comunista de 1935, a proposta das comemorações nassovianas em Pernambuco e a Guerra Civil Espanhola, iniciaremos o primeiro capítulo fazendo um panorama do momento em que vivia a Igreja durante a década de 1930 e como essa instituição se realizou como ator político no contexto norte-riograndense. Esta hipótese, que situa a Igreja local como importante ator político no período, baseia-se no amparo da „Reorganização Diocesana‟, desempenhada desde o fim do Padroado, no projeto de Getúlio Vargas que buscava o fortalecimento de uma espacialidade centrada no nacional após a Revolução de 30 e na experimentação do Levante Comunista de 1935, conforme contribuições de Peixoto29.. 29. 'A Crise de 1935 no Rio Grande do Norte: a tensão entre as identidades estadual e a nacional por meio do caso norte-rio-grandense'. In: VI Simpósio Internacional Estados Americanos - Pesquisas.

(30) 29. No segundo capítulo analisaremos a hipótese de que a imprensa constituiu a identidade católica norte-rio-grandense, sendo um dos componentes de uma autocompreensão da Igreja, seja pela atuação dos intelectuais ou dos leitores. Tentaremos dar conta, dentro de um processo imbricado, da Congregação Mariana dos Moços, que será encarregada de fundar e gerenciar o Jornal „A Ordem‟, que funcionará segundo os ditames do projeto transnacional da „Bôa Imprensa‟. É por entender que o jornal não pairava no vazio e tinha instituições e pessoas “por trás” de si que procuramos, neste capítulo, entender a atuação da „Bôa Imprensa‟, da Congregação Mariana dos Moços norte-rio-grandense e a importância de um dos seus principais líderes e redator-chefe do Jornal „A Ordem‟, a saber, Otto de Brito Guerra, que veio a se tornar o intelectual católico leigo de maior relevância no estado. Por fim, o terceiro capítulo, amparando-se nas discussões estabelecidas nos dois capítulos anteriores, iremos investigar a identidade católica norte-rio-grandense a partir de alguns eventos cujas fontes demonstraram a necessidade de serem analisados conjuntamente. É o caso do Levante Comunista de 1935, da proposta de comemoração do tricentenário da chegada de Maurício de Nassau à Recife (1936) e da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Acreditamos que estes acontecimentos e a sua cobertura pelo jornal „A Ordem‟ foram, conjuntamente, constituidores e inauguradores da identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930. Essa identidade se constituiu em oposição à Pernambuco, utilizando os massacres de Cunhaú e Uruaçu (1645), que estabelecera querelas entre os dois estados, quanto à memória que tais eventos vieram a renovar com a proposta das comemorações nassovianas (1936), rivalidades essas entrelaçadas a eventos e questões políticas do momento. A Guerra Civil Espanhola, por sua vez, será analisada a partir da hipótese de que este acontecimento preocupou a Igreja norte-rio-grandense, porque tinha implicações na continuidade da instituição naquele país, o que, por conseguinte, também oferece uma compreensão da atuação espacial da instituição. Por fim, ainda se debruçando sobre a Guerra Civil Espanhola, analisaremos a ameaça que esta provocou à Igreja e a produção de paisagens do medo. Tentaremos, portanto, demonstrar como estes acontecimentos mencionados acima foram apreendidos e explicados dentro de uma mesma compreensão que os. acadêmicas contemporâneas, 2012, Natal. Anais do VI Simpósio Internacional Estados Contemporâneos. Natal: UFRN, 2012. v. 1. p. 294-301; 'Creio no espírito Cristão e Nacionalista do Sigma': Integralismo e Catolicismo nos Escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo' In. Rede de Intelectuais Católicos. (Org. Gizele Zanotto et all). Passo Fundo: UPF, 2015..

(31) 30. circunscrevia como mais um conjunto de „males modernos‟ com o objetivo de enfraquecer a Igreja Católica..

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