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Foi ouvido na Comissão no dia 17 de Fevereiro de 2010. Esta audição teve uma grande cobertura mediática, visto este jornalista dizer estar a ser alvo de censura e declarar ter sido referenciado pelo Governo como um elemento “incómodo”.

Esta audição foi proposta pelo grupo parlamentar do PSD, que iniciou o ciclo de perguntas pelo deputado Pedro Duarte.

Duarte aproveita a sua intervenção para contextualizar e conceptualizar alguns conceitos que estão a ser discutidos, de que é exemplo a diferença entre debate de ideias e tentativa de controlar e eliminar essa troca de argumentos: “Estamos a falar de algo distinto [do direito dos agentes políticos protestarem], mais grave para aquilo que são os princípios basilares do nosso estado de direito que é a liberdade de expressão. Que é uma prática relativamente consistente, para não dizer uma estratégia persistente para tentar de facto condicionar esta mesma liberdade de expressão.”

Questiona Mário Crespo se este corrobora a afirmação de José Manuel Fernandes, de que existe uma relação “doentia” entre o gabinete do primeiro-ministro e os media. E se, consequentemente, existe uma prática reiterada de tentar controlar a comunicação social, especificamente pelo primeiro-ministro.

Relativamente a outras pressões ilegítimas, Mário Crespo diz que têm existido e que ocorreram “pressões sérias do gabinete do primeiro-ministro” e que este “género de situação se tem vindo a agravar nos últimos quatro anos” – período facilmente relacionável com a legislatura de José Sócrates.

Mário Crespo dá como exemplo que aquando de uma entrevista que o ministro Pedro Silva Pereira lhe ia prestar, este lhe telefonou quatro vezes no período que antecedeu a entrevista. Crespo classifica este gesto de “descortês” e entendeu-o como forma de pressão sobre a entrevista que iria acontecer.

Crespo indica igualmente que este tipo de pressões se têm personalizado a figuras públicas específicas e contrárias ao primeiro-ministro, fala mesmo numa perseguição “ad hominem”. Quanto a si, especifica - dizendo que se sentiu como “um problema a ser resolvido”.

Questionado pelo deputado do PSD, sobre o teor do Jornal de Sexta da TVI durante a última campanha legislativa (Setembro de 2009) e que Pedro Duarte apelida a cessação do mesmo de “uma vontade de interferir directamente em linhas editoriais, nomeadamente tentando condicionar, para não dizer silenciar vozes que eventualmente sejam adversas, independentemente de todos podermos formular juízos de valor e de opinião sobre as mesmas”, Crespo apresenta um ponto de vista diferente na sua análise, dizendo que independentemente de se identificar ou não com o Telejornal em causa, este tinha o direito de existir, e existia como uma alternativa para o cidadão poder escolher.

escrever. Uma crónica minha foi censurada; não encontro outra definição para descrever o que me aconteceu”.

De seguida, levantou-se e distribuiu pelos deputados, para estupefacção geral, a crónica alegadamente censurada. E declara, de forma incisiva: “Com isto eu quero mostrar que é algo de concreto que aconteceu”.

Isabel Oneto, deputada socialista, inicia a sua intervenção confrontando as declarações de Mário Crespo e dizendo que “Os jornalistas podem escrutinar aquilo que os cidadãos e os políticos fazem, a verdade é que começa a ser difícil aos políticos dizerem aquilo que pensam dos jornalistas e isso também não é saudável para a democracia”, e que “os políticos que aqui estão também não têm jornais para dizer aquilo que pensam dos jornalistas”, tal como Mário Crespo afirma que deixou de ter um jornal onde escrever.

Cecília Meireles, a deputada do CDS-PP, que embora intervenha depois das respostas de Crespo a Isabel Oneto, mas que consideramos oportuno colocar neste ponto, responde às afirmações da deputada socialista: “os políticos têm não só liberdade de expressão, têm até liberdade de decisão em função do voto que lhes é atribuído.” E diz mais, recuperando as acusações de censura: “não creio que nenhum político tenha sido censurado, pelo menos não chegou ao parlamento notícias de tal.”

Meireles continua e diz que os políticos têm bastantes formas de difundir a sua mensagem: “Têm amplos meios de divulgar a sua opinião e não só de a divulgarem, de afectarem a vida das pessoas com a sua opinião e com a sua decisão.”. E volta a advertir Isabel Oneto: “convém mantermos a proporção das coisas. E não confundirmos duas coisas radicalmente diferentes.”

Por seu lado, Mário Crespo, em resposta a Isabel Oneto, concorda que os “políticos têm todo o direito” em expressar as suas opiniões, mas que isso não implica condicionarem e limitarem a liberdade dos jornalistas. E justifica-se, enfatizando o verbo: “A crónica foi censurada”.

Com efeito, Mário Crespo apresenta várias justificações que legitimam a continuidade do seu espaço de escrita no Jornal de Notícias e que aprofundam o facto de a crónica ter sido cessada por designação governamental. Para além de esclarecer que a crónica tinha bastantes seguidores e viabilidade económica, também não se resumia ao comentário de apenas assuntos políticos e pré-determinados – “Era uma crónica sem agenda, era decidida de semana para semana.”

Aquando do momento em que esboça as questões a Mário Crespo, Isabel Oneto indica que no período ditatorial teve as suas conversas e escritos controlados e censurados. Crespo faz um paralelismo com esta declaração, dizendo que o mesmo lhe aconteceu “depois do 25 de Abril”, ou seja, em período democrático: “Isto em 2010 não pode acontecer”, esclarece.

Cecília Meireles, interveniente seguinte, questiona Mário Crespo sobre o momento exacto em que este percebeu que se tinha tornado numa «voz incómoda». O jornalista diz que percebeu-o quando recebeu na SIC uma T-shirt com a inscrição «Eu ainda não fui processado pelo Sócrates», peça de vestuário que exibe para os presentes na audição. Afirma ainda que a recebeu numa altura em que vários jornalistas foram processados pelo primeiro-ministro, e que sentiu a ideia de que “a crítica não era bem aceite por parte do poder estabelecido” e que as pessoas estavam com medo.

O deputado do Bloco de Esquerda, João Semedo, pergunta a Mário Crespo se estranhou as palavras que o primeiro-ministro José Sócrates disse acerca dele no almoço, ou se já esperava que tal animosidade pudesse surgir.

Crespo refere que a sua principal surpresa foi o facto de José Sócrates lhe ter feito referência ao encontrar Nuno Santos, em dia de entrega do Orçamento de Estado, visto que deveria ser esta a sua principal preocupação, segundo Crespo, pois a entrega do documento estava atrasada.

Na segunda ronda de questões, o PSD volta a ter direito à palavra, por via do deputado Pedro Duarte. Sendo notório que o grupo parlamentar utiliza notoriamente o seu tempo estabelecido para formular perguntas, para tecer comentários facilmente aceitáveis e de consenso geral, de forma a atacar o Governo. Identifica-se e solidariza-se com os alegadamente lesados, nomeadamente os directamente relacionados com José Sócrates, de que é exemplo Mário Crespo.

Pedro Duarte volta a referir que as declarações de Mário Crespo mostram que o país está em processo de retrocesso quanto a alguns direitos que já deveriam estar consistentes na nossa sociedade. E que depois do estabelecimento da democracia este é o período que mais condicionou a correcta actividade da liberdade de expressão.

Embora tendo o direito à palavra e, como vimos, fazendo ataques directos ao PS, o deputado social-democrata limita-se a pedir a Mário Crespo que volte a descrever os passos cronológicos do processo de não publicação da crónica. A que o jornalista anui.

Isabel Oneto pergunta de forma pertinente a Crespo o que o faz identificar o processo de censura com o Estado, se tal foi executado pela direcção de um jornal privado. E que este indique qual o “facto concreto” que lhe permite fazer tal relação.

O jornalista explana que fez tal identificação imediatamente: “fui objecto da atenção do senhor primeiro-ministro (…) fui indiciado como um elemento que carecia de solução”. E que o director da publicação, José Leite Pereira, fez referência ao Governo quando o informou de que lhe não iria publicar a crónica.

Todavia, Mário Crespo pede que sejam os deputados a reflectir sobre as declarações e afirmações que fez durante a audição: “Delego aos senhores deputados a análise de tudo isto que aconteceu.”

O jornalista Mário Crespo pretende demonstrar perante a audiência que foi alvo de censura governamental. E que faz tal associação de processos por o primeiro- ministro se referir a ele em conversas por diversas vezes e, como referimos, por o seu trabalho jornalístico ser alvo de reparo e condicionamento por parte do poder político.

No entanto, Crespo é peremptório por várias vezes ao longo da audição dizendo que a divergência de ideias entre políticos e jornalistas deve existir, pois torna a relação saudável e justificativa: “A informação tem de ser adversarial, senão não faz sentido, perde nexo”.

O que o indignou foi o facto de haver quem quisesse limitar tal divergência de opiniões para que existisse só uma de forma a produzir o consenso, contrariando o processo jornalístico; “Pressões, remoques, telefonemas irados, cartas mal educadas não têm qualquer feito na linha editorial, a haver algum é de haver algum estímulo por parte dos jornalistas que continuam a prosseguir, e é uma espécie de medalha que se recebe quando se está a perseguir uma linha e se entra em conflito com os interesses de alguém”, declara.