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A Mãe onipotente e insaciável

No documento Maternidade e suas vicissitudes na psicose (páginas 57-60)

EM LACAN, A MULHER NÃO É A MÃE ―Eu vi,

3.2 A Mãe onipotente e insaciável

No capítulo 11 do Seminário 4, A Relação de Objeto (Lacan, 1956-57), denominado O Falo e a Mãe Insaciável, vamos encontrar novamente esse elemento, como uma espécie de chave, para lidar com um acontecimento que é o rompimento com uma pretendida harmonia entre a mãe e a criança. Um elemento que permite afirmar que a mãe nunca está só com sua criança é o falo, objeto que se interpõe entre um e outro, como valor imaginário na metonímia do desejo da mãe. Trata-se, portanto, de saber:

[...] como a criança realiza mais ou menos conscientemente que sua mãe onipotente tem falta, fundamentalmente de alguma coisa, e é sempre a questão de saber por que via ela vai lhe dar esse objeto faltoso, e que sempre falta a ela mesma. ( Lacan, 1956-57/1995.p.196).

E de onde também se torna possível, segundo Lacan, extrair uma primeira consequência, no que concerne às inúmeras variáveis que vão se perfilar no âmbito da relação mãe-criança, a existência de crianças falóforas quando diz: ―O falo, todos sabem que elas podem tê-lo, elas o têm e, além disso, os produzem, elas fazem meninos falóforos.‖ (Lacan, 1956-57/1995. p. 195). Ali, onde há falta, ali onde a mãe não é toda mãe para a sua criança, ou seja, onde ela não se completa, ela pode fabricar um complemento, na verdade tampão de sua falta que, pelo menos imaginariamente, a realiza.

Um outra discussão importante à época dessas elaborações é a que Lacan introduz de novo, do ponto de vista conceitual, no contexto da relação de objeto. Será a formulação da questão do objeto, em termos de falta e de perda em três modalidades de variáveis relacionadas que serão: a privação, a frustração e a castração. Estas irão influenciar no que da relação mãe-criança vai se estabelecer. Esses conceitos serão introduzidos em três ordens hierarquizadas: a do real, a do imaginário e a do simbólico.

[...] a privação definida como falta real de um objeto simbólico, a frustração como a falta imaginária de um objeto real, (uma reivindicação infindável) e a castração, como a falta simbólica de um objeto imaginário (resolução do enigma da diferença sexual). ( Rodinesco et Plon., 1998.p.554).

Tendslarz (2005) sustenta que Lacan, nesse momento de seu ensino, situa a frustração como o centro da relação mãe-criança. Ao fazer uma leitura do texto de J. A. Miller (1993), sobre, ―O Falo Barrado, Objeto e Castração‖ ela diz que na verdade, ―essa frustração diz respeito à frustração da mãe como mulher‖ (Tenddlarzt, 2005. p. 148). E elucida o que já está colocado, desde o seminário 4, a possibilidade da existência da mãe incompleta com seu falóforo, já um indicativo do que justifica o título desse capítulo onde anunciamos que em Lacan, a mulher não se confunde com a mãe.

Com efeito, ele estabelece no capítulo sobre ―O falo e a mãe insaciável‖ do Seminário 4, uma sequência que se inicia na frustração imaginária de um objeto real, no caso o seio da mãe, cujo agente é a mãe simbólica, e estabelece nesse ponto uma espécie de torção através da qual a mãe simbólica se torna real. A mãe simbólica que mediatiza a simbolização primordial através do Fort/ freudiano, frustra a criança de objetos reais.

É aqui que Lacan introduz também o que chama de dolorosa dialética do objeto (ao mesmo tempo ali e nunca ali), na qual a criança se exercita com o jogo do carretel que Freud bem observou no brincar de seu neto. E que será a base da relação do sujeito com o par presença-ausência da mãe, relação com a presença sobre o fundo de uma ausência, na medida em que esta constitui a presença. Será porque ela pode estar posicionada em um outro lugar que não somente o materno, que essa ausência poderá se presentificar.

A criança nesse momento, diz Lacan, aniquila na satisfação a insaciedade fundamental dessa relação, inventando no seu brincar, um modo de lidar com um

vazio que se inaugura e que a lançara no universo do ―falasser‖. E mais, pode cobrir a falta da mãe com um objeto simbólico dessa ausência, que por sua vez, indica que a mãe não é toda, e não está o tempo todo a serviço do que Freud chamou de sua magestade o bebê. Essa hiância indica também, que algo claudica na expectativa de onipotência pela completude do outro, posto que o desejo da mãe possa estar alhures. Sendo por isso que ambos, mãe e criança, podem escapar, diríamos, de uma falofagia. Também é porque a mãe não responde a essa expectativa de completude, que a demanda da criança aparece como potência real, fora do jogo simbólico, onde o objeto perde a sua materialidade e a resposta da mãe acaba se tornando o que de signo resulta em dom de amor.

Na verdade, a frustração do amor acaba por ser responsável pela polarização da situação. Nesse ponto de suas elaborações, Lacan distingue a frustração do gozo ligado ao seio materno objeto real, da frustração de amor, cujo objeto é a presença materna. É também nesse ponto que uma outra operação se realiza que é a da privação real do objeto simbólico — o falo, operação comandada pelo pai imaginário anunciado desde o Seminário 3. O que pode resultar daí é uma segunda operação simbólica de castração de um objeto imaginário pelo pai real.

3.3 A mãe devoradora

No final do capítulo sobre ―O Falo e a mãe insaciável‖, do Seminário 4, Lacan já introduz o que considera ser o destino de todos os seres humanos, no caso, ―uma mãe insatisfeita em torno de quem se constrói toda a escalada da criança no caminho do narcisismo, é alguém real, ela está ali, como todos os seres insaciados, ela procura devorar — quaerens quem devoret‖ (Lacan, 1956-57. p.199). Para ilustrar o que a própria criança encontrou outrora, para anular sua insaciedade simbólica, vai reencontrar possivelmente diante de si, através da boca escancarada de sua progenitora.

Mas é no Seminário 5, sobre As Formações do Inconsciente (1957-58), no capítulo sobre ―O Valor de Significação do Falo‖, que ele introduz e acentua o que diz respeito a relação do desejo com esse significante, o falo, e a importância da privação materna, ao mesmo tempo que avança o que desenvolveu no Seminário 4, sobre a frustração do seio materno para a criança e da mãe como objeto. É também onde a noção de gozo toma corpo e onde a mãe, além de insaciável, torna-se

ameaçadora e voraz em sua onipotência sem lei, na medida em que pode ser privada de seu objeto falóforo, pelo representante da função paterna, que entra nessa dialética como operadora da castração. A mãe lacaniana, atravessada pela falta, é nesse momento de seu percurso uma mulher que almeja mais que o cuidado da criança, almeja a sua devoração.

No documento Maternidade e suas vicissitudes na psicose (páginas 57-60)