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O postulado da interpretação, conforme a Constituição, tem sua origem no direito estadunidense incorporado aqui no Brasil doutrinariamente, partindo do pressuposto de que o legislador busca positivar uma norma constitucional, portanto, “deve o juiz, na dúvida, reconhecer a constitucionalidade da lei. Também no caso de duas interpretações possíveis de uma lei, há de se preferir aquela que se revele compatível com a Constituição.”333 Já Bonavides (2002) registra tratar-se de método interpretativo que floreceu dos arestos da Corte Constitucional de Karlsruhe na Alemanha onde a

[...] Verfassungskonforme Auslegung, consoante decorre de explicitação feita por aquele Tribunal, significa na essência que nenhuma lei será declarada inconstitucional quando comportar uma interpretação `em harmonia com a Constituição´ e, ao ser assim interpretada, conservar seu sentido e significado.334 A interpretação conforme a Constituição é entendida por Canotilho (1995) como aplicável nas hipóteses de polissemia de sentido do texto legal, cabendo ao intérprete, seja do Tribunal Constitucional seja de outros tribunais, optar pelo sentido que se compatibiliza com a Constituição.335 Miranda (1999) na mesma trilha entende como um resultado do processo hermenêutico e observa que:

Todo o tribunal e, em geral, todo o operador jurídico fazem interpretação conforme a Constituição. Quer dizer: acolhem entre vários sentidos a priori configuráveis da norma infraconstitucional, aquele que lhe seja conforme ou mais conforme; e, no limite, por um princípio de economia jurídica, procuram um

333 MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista

da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 28.

334

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12a ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 474.

335 “No caso de polissemia de sentidos de um acto normativo, a norma não deve considerar-se inconstitucional

enquanto puder ser interpretada de acordo com a constituição (cfr. Supra, Parte II, Cap. 3/E/I). A interpretação das leis em conformidade com a Constituição é meio de o TC (e os outros tribunais) neutralizarem violações constitucionais, escolhendo a alternativa interpretativa conducente a um juízo de compatibilidade do acto normativo com a Constituição.” Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1995. p. 1012.

109 sentido que – com razoabilidade e com um mínimo de correspondência verbal na letra da lei – evite a inconstitucionalidade.336

Entende Mendes (1999) ser a interpretação conforme a constituição uma modalidade de decisão337, justificada pela própria natureza da jurisdição constitucional que lhe empresta validade, pelo princípio da unidade da ordem jurídica, tendo a Constituição como texto normativo superior338; também o princípio da presunção de constitucionalidade da lei o qual parte do pressuposto de que o legislador trabalha em favor da força normativa da Constituição339; garantido segurança jurídica com a concretização da justiça material.340 Acrescenta ainda o autor que a interpretação conforme a Constituição encontra limites na literalidade do texto legal e em seu significado sem que se dê radical mudança na concepção original do legislador341, muito embora, registre que a prática do Supremo Tribunal Federal não tem conferido maior significado à chamada intenção do legislador.342

336 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 509-510. E ainda

Gilmar Mendes buscando conceituar o método de interpretação registra: “Oportunidade para interpretação conforme à Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 230.

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“Uma outra modalidade importante de decisão do Bundesverfassungsgericht é a interpretação conforme à

Constituição, na qual o Tribunal declara qual das possíveis interpretações se revela compatível com a Lei Fundamental.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 229.

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“Um importante argumento que confere validade à interpretação conforme à Constituição (Einheit der

Rechtsordnung) que considera a Constituição como contexto superior (vorrangiger Kontext) das demais normas. As leis e as normas secundárias devem ser interpretadas, obrigatoriamente, em consonância com a Constituição. Dessa perspectiva, a interpretação conforme à Constituição configura uma subdivisão da chamada interpretação sistemática.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 231. No mesmo sentido manifesta-se Paulo Bonavides: “Decorre em primeiro lugar da natureza rígida das Constituições, da hierarquia das normas constitucionais – de onde promana o reconhecimento da superioridade da norma constitucional – e enfim do caráter de unidade que a ordem jurídica necessariamente ostenta.” Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p.474.

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“A presunção de constitucionalidade da lei ou o chamado pensamento “favor legis”constitui argumento adicional, que resulta diretamente do controle de constitucionalidade. Segundo a orientação dominante na Corte Constitucional, em favor da constitucionalidade da lei “milita não só uma presunção, senão que essa presunção exige, na dúvida, uma interpretação conforme à Constituição.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 231.

340

“A decisão da falta de uma disciplina legal, essa forma de decisão adquiriu peculiar significado na jurisprudência do Tribunal graças à flexibilidade, que permite um renúncia ao formalismo jurídico em nome da idéia de justiça material e da segurança jurídica.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 229-230.

341 Também Bonavides (2002) conclui ter limite a interpretação conforme a Constituição, qual seja, o sentido

literal do texto da norma, ou seja, aquele sentido que não permite dúvida quanto a sua intenção e a própria intenção do legislador, conforme observa ao analisar decisão do Tribunal Constitucional de Klausruhe, que, segundo o autor, segue a teoria objetiva de interpretação: “As delimitações que a Corte Constitucional de Karlruhe esboçou com referência ao método de interpretação conforme a Constituição estão contidas numa decisão proferida em 11 de junho de 1958, a mais importante sobre a matéria, da qual decorrem dois limites evidentes: o sentido claro do texto e o fim contemplado pelo legislador. Ambos se apóiam no item 3.o do art. 20 da Lei Fundamental de Bonn, que diz que o legislador se acha vinculado à ordem constitucional e ao executivo e

110 Bonavides (2002) registra que na medida em que a interpretação conforme a Constituição respeita seus limites, mais a serviço está da jurisdição constitucional, pois busca o máximo proveito de constitucionalidade da norma, reconhecendo na figura do legislador sua posição de hegemonia no papel de concretização da constituição, garantindo e preservando o princípio da separação dos poderes e o princípio democrático de respeito à vontade da maioria representada pelo parlamento:

Com efeito, na medida em que o método confessadamente se emprega para manter a lei com o máximo de constitucionalidade que for possível nela vislumbrar, em face de situações ou interpretações ambíguas, não resta dúvida de que ele não só preserva o princípio da separação de poderes como reconhece ao legislador uma posição de hegemonia no ato da concretização constitucional, o que está de todo acorde com o princípio democrático encarnado no legislativo.343

Mendes (2007) não encontra maiores dificuldades da utilização na interpretação conforme a Constituição no âmbito incidental, é dizer, no modelo difuso do controle de constitucionalidade dado que, nessa hipótese, a decisão proferida, no caso concreto, vincula apenas as partes:

Há muito se vale o Supremo Tribunal Federal da interpretação conforme à Constituição. Essa variante de decisão não prepara maiores embaraços no âmbito do controle incidental de normas, uma vez que aqui o Tribunal profere decisão sobre um caso concreto que vincula apenas as partes envolvidas.344

o judiciário à lei e ao direito.” Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 477.

342 “A interpretação conforme a Constituição é, por isso, apenas admissível não configurar violência contra a

expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador.

A prática demonstra que o Tribunal não confere maior significado à chamada intenção do legislador, ou evita investigá-la, se a interpretação conforme a Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 35.

343 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. ver. atual. São Paulo: Malheiros, 2002.

p. 478.

344 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos.

Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 28. Já Jorge Miranda diante do sistema jurídico português manifesta outra opinião identificando maiores problema no controle concreto, identificando a possibilidade de três hipóteses de decisão interpretativas: “O problema põe-se não tanto na fiscalização abstracta (por aí, como se viu, só fazer sentindo a força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade) quanto em fiscalização concreta, em que podem ser proferidas por Tribunal Constitucional ou por órgão homólogo, decisões interpretativas com três conteúdos possíveis: - Interpretação concordante com o que o tribunal a quo tenha proferido de modo a não recusar a aplicação da norma impugnada; - Interpretação discordante com o que o tribunal a quo tenha adoptado e, igualmente, sem conduzir à recusa de aplicação da norma; - Interpretação em contraste com a do tribunal a quo, o qual agora havia concluído pela inconstitucionalidade.” Cf. MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 510.

111 Observa ainda Mendes (2007) que, no Brasil, sempre a interpretação conforme a Constituição resultou na declaração de constitucionalidade da lei, nada obstante ser possível identificar hipóteses de se concluir pela declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.345 Registra, então, o posicionamento exteriorizado no Supremo Tribunal Federal em julgamento da Representação Interventiva n.o 1.417, de relatoria do então Ministro Moreira Alves em que atribuiu-se, pela primeira vez, significado dogmático à interpretação conforme a Constituição equiparando-a a uma pronúncia de inconstitucionalidade, quando em sede de juízo de controle abstrato de constitucionalidade.346 Para esse autor, da análise da construção pretoriana não se pode afirmar com segurança se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sempre irá se equiparar à interpretação conforme a Constituição à declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, muito embora, nessa decisão, proferida na Representação Interventiva n.o 1.417, tenha expressado o entendimento de que a interpretação conforme a Constituição não é simples princípio de interpretação.347 Observa-se que essa interpretação toma como referência a hipótese em que o efeito prático da decisão no controle de constitucionalidade tem característica negativa348, de redução do âmbito de aplicação da lei na declaração de inconstitucionalidade, em que se opta pela exclusão de determinada hipótese de aplicação legal.349 Nesse sentido, é forçoso concluir que configura hipótese de decisão de

345 “A interpretação conforme à Constituição levava sempre, no direito brasileiro, a declaração de constitucionalidade da lei. Porém, como já se disse, há hipóteses em que esse tipo de interpretação pode levar a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 31.

346 “No caso, o Supremo Tribunal Federal, seguindo orientação formulada por Moreira Alves, reconheceu que a

interpretação conforme a Constituição, quando fixada no juízo abstrato de normas, corresponde a uma pronúncia de inconstitucionalidade.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 31.

347 “Deve-se acentuar, que, em decisão de 9 de novembro de 1987, deixou assente o Supremo Tribunal Federal

que a interpretação conforme a Constituição não deve ser vista como simples princípio de interpretação, mas sim como modalidade de decisão do controle de normas, equiparável a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 31 - 32.

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“Importantes vozes da literatura sustentam que a interpretação conforme à Constituição equipara-se, nessa hipótese, a uma declaração de nulidade sem redução de texto. Afirma-se, em favor dessa tese, que, considerando o resultado da interpretação conforme à Constituição não do lado positivo – a preservação -, mas do lado negativo – o caráter cassatório -, divisa-se semelhança entre a declaração de nulidade qualitativa (declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto) e a interpretação conforme à Constituição.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 235.

349 “As decisões proferidas nas ADINns 491 e 319, todas da relatoria de Moreira Alves, parecem sinalizar que,

pelo menos no controle abstrato de normas, o Tribunal tem procurado, nos casos de exclusão de determinados hipóteses de aplicação ou hipóteses de interpretação do âmbito normativo, acentuar a equivalência dessas categorias.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 28.

112 rejeição de inconstitucionalidade.350 Nessas hipóteses, em que a interpretação conforme a Constituição é entendida como uma modalidade de decisão no controle de constitucionalidade equiparada à declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto da lei, vale dizer, como técnica de declaração de inconstitucionalidade, teria que respeitar a regra do Art. 97 da Constituição submentendo-se ao pleno dos tribunais ou a seu órgão especial.351

Miranda (2005) inclusive observa, no caso português, que o tema ganha especial importância na atividade de controle de constitucionalidade, isso porque, dependendo de como é encarado os efeitos da interpretação conforme a Constituição, pode resultar em vinculação jurídica dos demais órgãos do poder judiciário, conforme identifica:

Variável – em face dos sistemas jurídicos, dos regimes de fiscalização e das opções do Direito positivo – vem a ser, entretanto, o grau de vinculatividade jurídica ou meramente argumentativa que adquirem, em concentração de competência, as decisões interpretativa dos Tribunais Constitucionais ou de órgãos homólogos frente aos demais tribunais.352

Nada obstante, embora a interpretação conforme a Constituição tenha tido uma concepção inicial caracterizada pelo aspecto negativo de exclusão de outras possibilidades de interpretação, verifica-se cada vez mais, um aspecto positivo, de completude, de preechimento de lacunas existente no sistema legal353, o que afasta a ideia da interpretação conforme a Constituição, como uma modalidade de decisão no controle de constitucionalidade, para ganhar mais a feição de um método interpretativo, máxime em sede de jurisdição ordinária,

350

Quanto ao assunto observa Canotilho (1995) que: “A decisão do Tribunal Constitucional pode ser uma sentença de <<rejeição>> ou de <<não acolhimento>> do pedido de declaração de inconstitucionalidade.” Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1995. p. 1079.

351

“De nossa parte, cremos que a equiparação pura e simples da declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, à interpretação, conforme a Constituição, prepara dificuldades significativas.

A primeira delas diz respeito à conversão de uma modalidade de interpretação sistemática, utilizada por todos os tribunais e juízes, em técnica de declaração de inconstitucionalidade. Isso já exigiria especial qualificação da interpretação conforme a Constituição, para afirmar que somente teria a característica de uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto aquela interpretação conforme a Constituição desenvolvida pela Corte Constitucional, ou, em nosso caso, pelo Supremo Tribunal Federal. Até porque, do contrário, também as questões que envolvessem interpretação conforme a Constituição teriam de ser submetidas ao Pleno dos tribunais ou a seu órgão especial (CF, art. 97).” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 28.

352 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 510.

353 É o que observa Gilmar Ferreira Mendes ao analisar a Rp. n. o 1.454, da relatoria no Min. Octavio Gauotti, a Rp. n.o 1.100 e a Rp. n.o 1.163, ambas da relatoria do Min. Francisco Rezek, em se supre lacunas através da interpretação conforme, mantendo-se a constitucionalidade da lei utilizando-se a expressão “desde que”. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 30.

113 no controle concreto.354 Essa é a constatação que Mendes (2007) extrai a partir dos pronunciamentos do próprio Supremo Tribunal Federal ao argumentar que a

decisão proferida na ADIn 491 parece indicar que o Supremo Tribunal Federal está disposto a afastar-se da orientação anterior, que equipara a interpretação conforme a Constituição à declaração de nulidade parcial sem redução de texto, passando a deixar explícito, no caso de declaração de nulidade sem redução do texto, que determinadas hipóteses de aplicação, constantes de programa normativo da lei, são inconstitucionais e, por isso, nulas.355

A interpretação conforme a Constituição, é um critério de interpretação, segundo a doutrina de Larenz (1997)356, posição que também compartilha Canotilho (1995) quando observa que “a decisão de não declaração constitui, deste modo, uma interpretação das normas conforme a constituição, o que não impede vir o tribunal, em momentos posteriores, por via de controle abstrato ou através de recurso por incidente, defender outra interpretação da norma em debate”357, observando ainda na jurisdição constitucional portuguesa, o que podemos, também, tomar como exemplo para a jurisdição constitucional brasileira, a conclusão de que

[...]se uma decisão de não declaração de inconstitucionalidade tivesse força de caso julgado, significaria isso que se estava a consagrar, entre nós, a regra do stare decisis ou da vinculação a precedentes

judiciais, regra esta estranha ao nosso direito e só admissível quando estabelecida através de processo constitucionalmente reconhecidos (cfr. art. 281.o/2).358 A interpretação conforme a Constituição, logicamente, tem como limite o sentido literal possível da lei e o contexto de seu significado, mas, sempre conformado a

354

“Portanto, se essa equiparação parece possível no controle abstrato de normas, já não se afigura isenta de dificuldades sua extensão ao chamado controle incidental ou concreto, uma vez que, nesse caso, ter-se-ia de conferir, também no âmbito dos tribunais ordinários, tratamento especial à interpretação conforme à Constituição.” Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n. 3, abril/2007. p. 32.

355 MENDES, Gilmar Ferreira. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos. Revista

da Escola Nacional da Magistratura. Ano II, n.o 3, Abril/2007. p. 33.

356

“Se uma interpretação, que não contradiz os princípios da Constituição, é possível segundo os demais critérios de interpretação, há-de preferir-se a qualquer outra em que a disposição viesse a ser inconstitucional. A disposição é então, nesta interpretação, válida. Disto decorre, então, que de entre várias interpretações possíveis segundo os demais critérios sempre obtém preferência aquela que melhor concorde com os princípios da Constituição. <<Conformidade à Constituição>> é portanto, um critério de interpretação.” Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997. p. 480.

357

O registro de Canotilho (1995) parte da observação de que no controle de constitucionalidade português a decisão que declara a inconstitucionalidade de norma tem efeito preclusivo, impedindo a renovação da discussão e a reapreciação pelo Tribunal Constitucional, característica que não se evidencia na decisão que não declara a constitucionalidade. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6a ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1995. p. 1079.

358 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1995.

114 concretização de um valor da Constituição. O Tribunal Constitucional Federal alemão, conforme registra Larenz (1997), em certos casos, tem dado até maior status ao critério de interpretação conforme a Constituição para reconhecer uma função de correção da lei – quando está é restritiva – sempre que exigido pelo valor constitucional em pauta:

É claro que o Tribunal Constitucional Federal tão-pouco quer considerar a este propósito o sentido possível da <<lei geral>> como limite de uma interpretação que a restringe, sendo antes a lei corrigida sempre que o exija a salvaguarda da primazia de valor do direito fundamental no caso particular. Então não se trata já de uma mera interpretação (<<conforme à Constituição>>), mas de uma correcção da lei orientada pelas normas constitucionais e pela primazia de valor de determinados bens jurídicos que delas se deduz.359 A sentença aditiva é produto da interpretação conforme a Constituição.360 Acolhendo- se a interpretação conforme a Constituição, como um método interpretativo361, conclui-se que,

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