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2 EXPERIÊNCIAS EMPÍRICAS NA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO

3.3 O método Paulo Freire

O método Paulo Freire não é uma cartilha estática que prescreve “receitas” prontas sobre o fazer pedagógico. Trata-se de um método em constante renovação, pois surge do princípio de que a educação deve partir da vivência do educando. Tal método prevê a inserção do educando no mundo não apenas decifrando letras, mas descobrindo seus significados no cotidiano, na sua vida, para em seguida interferir nela e buscar a libertação através da palavra. Antes de ser um método, o próprio Paulo Freire o considerava uma teoria do conhecimento, pois

O método Paulo Freire não ensina a repetir palavras, não se restringe a desenvolver a capacidade de pensá-las segundo as exigências lógicas do discurso abstrato: simplesmente coloca o alfabetizando em condições de poder re- existenciar criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida,

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ORTEGA, Francisco. Para uma política de amizade : Arendt, Derrida, Foucault. Rio de Janeiro : relume dumará, 2000.p.89.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.82.

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“Encharque” é mais uma das expressões de Paulo Freire e, para ele, o encharcar é mais do que se encher, pois que dizer que o todo fica repleto e não só o interior.

saber e poder dizer a sua palavra 90.

Quando da criação deste método Paulo Freire e sua equipe pensavam em alfabetizar adultos num processo não muito lento, a partir do qual os educandos pudessem produzir conhecimento, criticidade e significado a partir de suas próprias realidades, dos elementos do cotidiano. Diz ele:

Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à democratização da cultura, que fosse uma introdução a esta democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito. [...] Pensávamos numa alfabetização que fosse em si um ato de criação, capaz de desencadear outros atos criadores. Numa alfabetização em que o homem, porque não fosse seu paciente, seu objeto, desenvolvesse a impaciência, a vivacidade, característica dos estados de procura, de invenção e reivindicação 91.

Da alfabetização de adultos o método estendeu-se para todos os níveis da educação, da escola pública à privada, buscando a consciência crítica como meio possível do sujeito tornar-se livre. E esta consciência viria da leitura da palavra, pois para Paulo Freire

A leitura e a escrita da palavra implicando uma re-leitura mais crítica do mundo como ‘caminho’ para ‘re-escrevê-lo’, quer dizer, para transformá-lo. Daí a necessária esperança embutida na Pedagogia do Oprimido. Daí, também, a necessidade de alfabetização numa perspectiva progressista, de uma compreensão da linguagem e de seu papel antes referido na conquista da cidadania 92.

Retornando ao princípio do método, Paulo Freire e sua equipe buscavam uma forma de que o adulto analfabeto saísse de sua ingenuidade oprimida para um estado de

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FIORIN, Ernani Mari. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987, p. 13.

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FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 112.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança - um reencontro com a pedagogia do oprimido. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 64.

Paulo Freire dividiu o método em cinco fases de elaboração e execução, quais sejam 94:

1) Levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalhará – é a busca do vocabulário cotidiano dos educandos, ligados a todos os setores de suas vidas, dos sentimentos às expresses típicas, para daí serem retiradas palavras geradoras. Para Paulo Freire, estas palavras são aquelas que, decompostas, formarão outras;

2) Escolha das palavras selecionadas a partir de critérios como riqueza e dificuldade fonética e teor da palavra;

3) Criação de situações existenciais do grupo – situações próprias do cotidiano dos educandos, nas quais os vocábulos geradores serão utilizados para debate e alfabetização, dividindo-se as famílias fonêmicas de cada um;

4) Elaboração de fichas-roteiro para o coordenador de debate;

5) Fichas de leitura com a decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores.

A dificuldade, para Paulo Freire, é o educador/coordenador autorizar-se a uma nova atitude pautada no diálogo, na relação “eu-tu”, para que haja “educação e não domesticação” 95. Uma relação agonista.

A pedagogia freiriana, uma vez implantada na escola em todos os componentes curriculares e não só na alfabetização leva ao engajamento, ao compromisso. O educador

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FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p. 115.

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Idem, ibidem, p.120-22.

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deixa de ser um trabalhador em educação somente, para tornar-se um sujeito engajado socialmente comprometido com a busca de um mundo diferente. O educador questiona-se sobre o que trabalhar, partindo do contexto do educando. Se para Paulo Freire educar é impregnar de sentido nossa vida, o educador é o “profissional do sentido” que orienta, que constrói sentido. É um organizador da aprendizagem, que auxilia o educando a ter autonomia intelectual. Possuidor da autonomia intelectual, o educando torna-se cidadão, e não apenas um consumidor. Torna-se protagonista, o que vai contra o sistema globalizante da atualidade. Por este motivo talvez seja tão difícil implantar o método Paulo Freire nas escolas, pois todos os lados negativos do mundo globalizado seriam desvelados, a partir do desejo de conhecimento de um sujeito crítico e cidadão, inconformado com a desumanização e as desigualdades.

O conhecimento, então, não é só histórico, epistemológico e lógico: é também dialógico. Novamente, é no diálogo que os sujeitos constroem e mudam o mundo. No entanto, este diálogo não pode ser doutrinador, pois precisa ouvir todas as partes e deixar a contradição vir à tona, sendo a contradição o berço da transformação. O diálogo gera conflito, que, por sua vez, gera conhecimento e é nesta interação que há compartilhamento.

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