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Sobre liberdade e dialogicidade na educação

2 EXPERIÊNCIAS EMPÍRICAS NA ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO

3.2 Paulo Freire – educação como prática da liberdade

3.2.1 Sobre liberdade e dialogicidade na educação

Liberdade para Paulo Freire é tomada de consciência: uma vez os oprimidos sentindo-se livres a conseqüência é o questionamento, o firme posicionamento frente às 62 Idem, ibidem, p.95. 63 Idem, ibidem, p.96. 64

liberdade busca-se quando há consciência crítica ou tomada de consciência.

Paulo Freire acredita que não se pode deixar de ser oprimido para ser opressor. A grande tarefa do oprimido, então, é libertar a ambos, oprimido e opressor, buscando a humanização, pois tanto opressor quanto oprimido estão desumanizados. O primeiro porque não pode ser humanizado quando vive da injustiça, da exploração e da opressão, e o segundo, porque perde a humanidade ao sofrer o jugo do opressor. Os opressores precisam da injustiça e da miséria para parecer gloriosos e se perpetuarem, usando do assistencialismo e do paternalismo para mascarar a condição do oprimido. Paulo Freire aponta que

O grande perigo do assistencialismo está na violência do seu antidiálogo que impondo ao homem o mutismo e passividade, não lhe oferece condições especiais para o desenvolvimento ou a ‘abertura’ de sua consciência que, nas democracias autênticas, há de ser cada vez mais crítica 65.

No entanto, a verdadeira generosidade está em lutar para que desapareçam as situações que a obrigam. Isso só pode vir do próprio centro de quem precisa da generosidade, ou seja, o oprimido, que precisa descobrir-se a si e ao opressor por si mesmo, e nesta liberdade o oprimido liberta o opressor. Se o comportamento do oprimido é imposto pelo opressor, então o oprimido desumanizado precisa buscar o “ser mais” 66 para si e para o opressor, que está também desumanizado.

Só reconhecer-se oprimido não basta; é preciso lutar para libertar-se e a luta só acontece com a práxis, que por sua vez é transformadora. Da mesma forma, para o opressor que se reconhece como tal e deseja mudança, solidarizar-se com o oprimido não é minimizar a culpa, é lutar junto. “O opressor só se solidariza com os oprimidos quando o seu gesto deixa de ser um gesto piegas e sentimental, de caráter individual, e passa a ser um ato de amor àqueles” 67. Para o opressor que não se reconhece como tal o desejo é que

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FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p.65.

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Para Freire, o “ser mais” é a humanização dos homens, que se busca na comunhão e na solidariedade.

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a massa continue acrítica, oprimida.

Se a práxis é transformadora esta ação só será humana quando somada à reflexão. Torna-se necessário refletir sobre a ação e nesta reflexão é que surge uma pedagogia do oprimido, uma vez que o oprimido reflete sobre sua condição e age para promover a mudança. Paulo Freire conclui: “os oprimidos hão de ser exemplo para si mesmos, na luta por sua redenção” 68. Portanto, para Paulo Freire,

A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação: o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação69.

Referindo-se às experiências empíricas, quando o educando desvela seu mundo físico através da fotografia e tem a possibilidade de constatar seu mundo subjetivo através de textos, consegue externar tal desvelamento e constatação na criação de objetos artísticos, construindo um processo de luta pela libertação da opressão, uma vez que reflete sobre sua realidade e age através da arte. As imagens têm para ele significado e sentido que dizem do seu lugar.

Paulo Freire alerta para o fato de que saber-se oprimido e compreender sua condição de opressão não é necessariamente a libertação em si, mas um passo importante para superar a condição e lutar para modificá-la. A educação, portanto, em si só não é capaz de mudar o mundo, mas esta mudança passa, indubitavelmente, pela educação. Assim, a liberdade só se dá no conjunto, com reflexão e ação. E a revolução para a liberdade tem um caráter pedagógico, em que “educador e educandos (lideranças e massas), co- intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento” 70. Acredita-se que a Arte tenha se tornado uma via de acesso de compreensão da condição de oprimido aos educandos citado na experiência empírica. Neste processo houve reflexão e ação a partir do cotidiano dos educandos, e uma busca 68 Idem, ibidem, p.41. 69 Idem, ibidem, p.41. 70 Idem, ibidem, p.56.

quem transmite valores e conhecimentos. Para o opressor é perigoso que o educador pense. Criar um ser autômato ao invés de autônomo é a intenção primeira, pois se torna difícil oprimir quem pensa, e pensando, se organiza. Não é do interesse do opressor a transformação do mundo. A educação bancária pensa na consciência como uma “peça” dentro dos homens, que os fará adaptados e passivos, e, portanto, adequados para o mundo. A educação bancária educa para a morte, e não para a vida, constata Paulo Freire, que resume a educação bancária em dez itens ao dizer que nela

o educador é o que educa: os educandos, os que são educados; o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;

o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;

o educador é o opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição;

o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador;

o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;

o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele;

o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos 71.

A tomada de consciência não pode acontecer em uma educação bancária, já que se trata de um modelo de educação sem relações com a realidade, ou seja, engavetada, que não busca no cotidiano e na vivência do educando os subsídios para ensinar. Também não acontece com a “palavra oca”, memorizada e sem elaboração. “A nossa cultura fixada na palavra corresponde a nossa inexperiência do diálogo, da investigação, da pesquisa, que,

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por sua vez, estão intimamente ligados à criticidade, nota fundamental da mentalidade democrática” 72.

Para que haja uma educação problematizadora e libertadora é necessário um educador que se identifique com o educando e pense na humanização de ambos. Diferente da educação bancária, que só pensa em um sujeito no mundo, a educação libertadora pensa em um sujeito no mundo, com o mundo e com os outros, afirma Paulo Freire 73, e esta educação “afirma a dialogicidade e se faz dialógica” 74. O educador, então, precisa ter humildade frente ao educando, reconhecendo que este também tem um saber. Além de reconhecer-se, da mesma forma que o educando, como um ser inconcluso. Esta consciência é responsável pela humanização que Paulo Freire acredita ser a vocação dos homens. Assim, a educação nunca está pronta, conclusa, mas em constante processo de mudança. Citando Paulo Freire, “para ser tem que estar sendo” 75.

É difícil para o educador reconhecer-se inconcluso, pois a formação dos educadores brasileiros ainda é bancária. Nos projetos citados anteriormente fez-se a tentativa de ouvir

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FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2005, p.104.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.68.

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Gadotti, no texto A voz do Biógrafo Brasileiro – A prática a altura do sonho. Disponível em: www.paulofreire.org.br em abril/2005 cita o filósofo alemão Wolfrdietrich Schmied-Koowarzik, que faz a seguinte reflexão sobre o ser dialógico em Paulo Freire: “Paulo Freire, entrelaçando temas cristãos e marxistas e referindo-se a Buber, Hegel e Marx, retoma a ligação originária entre dialética e diálogo e define a educação como a experiência basicamente dialética da libertação humana do homem, que pode ser realizada apenas em comum, no diálogo crítico entre educador e educando. Desta forma, ele vincula de um modo fecundo à própria dialética de Litt, referida à respectiva situação educacional concreta com a determinação dialética da educação em Kant, como experiência histórica da totalidade da sociedade. Ao mesmo tempo, na medida em que para ele a teoria e a prática da educação somente são determináveis uma em relação a outra, escapa inteiramente de abordagens unilaterais, em que a educação é concebida linearmente como processo evolutivo ou processo produtivo. Neste sentido, a educação se torna um momento de experiência dialética total da humanização dos homens, com igual participação dialógica de educador e educando. Aqui se manifesta por inteiro o caráter absolutamente dialético da determinação da atividade educativa. A dialética não reside apenas – como em Schleiermacher – no desvelamento heurístico e aporético da situação educacional, que exige do educador uma ‘ação criadora’ própria, mas simultaneamente na inclusão prática da atividade educativa na experiência continuada do trabalho educacional com os educandos; experiência sendo entendida por Freire não somente como refinamento dos meios educacionais – como em Makaremko – mas, como em Kant, embora sem se restringir a ele, enquanto o trabalho basicamente dialógico e necessariamente comum de educador e educando na libertação humana do homem.”

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depositários de saberes pouco significativos. Todavia, este processo não é tranqüilo, uma vez que os educadores precisam identificar em si o que são atitudes opressoras e, no reconhecimento destas, promover em si mesmos a mudança.

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