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Segundo Thiollent (2004), a pesquisa-ação é uma estratégia metodológica da pesquisa social com base empírica, estreitamente associada a uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo, cabendo ao método a pretensão de aumentar o conhecimento dos pesquisadores e do grupo envolvido, bem como ampliar o nível de consciência das pessoas consideradas.

Marli Eliza André, em seu livro Etnografia da Prática Escolar (1995), elucida que se deve a Kurt Lewin, na década de 40, a criação desta linha de investigação das relações sociais, com o intuito de promover mudanças de comportamentos de indivíduos e cujos traços essenciais enfatizam a análise e a coleta de dados; a conceituação dos problemas; o planejamento das ações e a sua execução, além da coleta de dados para avaliação do grupo, seguido da repetição desse ciclo de atividades.

Em sua obra André (1995) ainda propõe outra definição apresentada por Corey (1955), a qual afirma que:

A pesquisa-ação é o modo pelo qual os práticos objetivam estudar cientificamente seus problemas de modo a orientar, corrigir e avaliar suas ações e decisões.

(ANDRÉ, 1995, p. 31)

A autora também analisa a evolução deste tipo de pesquisa social e, segundo a mesma, a pesquisa-ação, após sua criação no ano de 1944, permaneceu praticamente esquecida durante os anos 60, ressurgindo em meados da década de 70, desmembrada em várias correntes:

a) A linha anglo-saxônica, defendida por Stenhouse e Elliot (1989) e de caráter diagnóstica, se define pela proposta do professor pesquisador e também

preocupada com questões relacionadas ao currículo e com as condições institucionais.

b) A linha australiana, cujos principais representantes são Carr e Kemmis (1988), aproxima-se da anterior, mas vai além da preocupação com o currículo, propondo que a pesquisa-ação volte-se para atividades de desenvolvimento profissional, programas de melhoria de escola, sistemas e desenvolvimento de políticas.

c) A linha espanhola e portuguesa, defendida por Perez Gomes (1955) e Antônio Nóvoa (1992). Esta linha preocupa-se com a formação contínua dos professores.

d) A linha francesa, defendida por Barbier (1985) e voltada para a educação não formal (educação de adultos, educação popular, educação permanente e a animação sócio-cultural). Esta vertente prioriza a conscientização do grupo para uma ação conjunta em busca da emancipação. Essa linha ficou conhecida como “Pesquisa participante”.

A linha francesa, dentre aquelas que vêm pautando a pesquisa-ação como ferramenta científica, aproxima-se muito dos objetivos da Educação Ambiental como tema transversal.

Maria Malta Campos (1984) introduz a idéia de que a Pesquisa Participante inspira-se diretamente nas concepções de ensino popular de Paulo Freire, que prioriza “... a valorização do saber popular, o respeito pelo ritmo e pelo processo de construção de conhecimento vividos pelos adultos com os quais interagem os animadores ou monitores, o projeto de transformação que supõe a superação do isolamento e da exclusão e onde o aluno é visto como sujeito deste processo”.

E, assim como apontado por André (1995), Brandão (1981) e Campos (1984), conclui-se que a pesquisa participante é uma vertente da pesquisa-ação, na qual os participantes estejam envolvidos em diferentes fases da pesquisa, inclusive na própria definição do problema a ser pesquisado, havendo um sentido político muito claro na busca da melhoria de classes economicamente desfavorecidas.

Nesta mesma linha de definições, Thiollent contrapõe-se aos pensamentos dos autores anteriormente citados, quando questiona em sua obra Metodologia da

Pesquisa-ação (2004), a falta de unanimidade com relação às denominações “Pesquisa participante” e “Pesquisa-ação”. Segundo o autor, embora as terminologias sejam freqüentemente dadas como sinônimas, não se pode aceitar tal fato como verídico, visto que “... toda pesquisa ação é do tipo participativo...”, devido à necessidade de participação das pessoas implicadas nos problemas investigados, e que nem tudo o que é chamado de pesquisa participante pode ser considerado como pesquisa-ação, justificando-se pelo fato de que em muitas pesquisas do tipo participante, a participação é, sobretudo, dos pesquisadores que buscando identificar-se com os valores e comportamentos necessários à sua aceitação pelo grupo considerado, mantém relações comunicativas com as pessoas envolvidas no processo.

Assim, as duas definições de terminologias (pesquisa-ação e pesquisa participante) apresentadas acima, contradizem-se e adquirem um aspecto antagônico difícil de ser resolvido: a pesquisa participante é uma vertente francesa da pesquisa-ação, ou a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa participante?

Portanto, se para André (1995) a pesquisa participante caracteriza-se como um tipo de pesquisa-ação, estando nela contida, para Thiollent (2004) o oposto observa-se, sendo a pesquisa-ação um tipo especial de pesquisa participante, em cujas ações, não triviais, mereçam investigação para ser elaborada e conduzida.

Embora a preocupação com definições e terminologias seja importante, salienta-se a necessidade maior de definir as funções do pesquisador num trabalho de pesquisa-ação que, segundo Thiollent (2004), desempenha um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas, não interessando ao pesquisador a simples investigação acadêmica e burocrática, que muitas vezes finalizam o trabalho no levantamento de dados e arquivamento de relatórios por ele elaborado.

Atualmente no Brasil, e no mundo, a pesquisa-ação vem sendo empregada em diversos campos de atuação: educação, comunicação, organização, serviço social, difusão de tecnologia rural, militância política ou sindical. No entanto, muitos pesquisadores ainda relutam em dar créditos a este tipo de método de pesquisa social, e em muitos lugares ainda continuam prevalecendo as técnicas

convencionais, que valorizam muito mais a quantificação dos resultados do que o aspecto qualitativo de compreensão e de interação entre pesquisadores e membros da situação investigada, aspecto este tão enfatizado no método da pesquisa-ação.

A não aceitação do método por parte de muitos pesquisadores reside no medo de rebaixamento do nível de exigência acadêmica, devido à exclusão do ideal e rigor científico, simplesmente pelo fato deste modelo de pesquisa social ser mais dialógico do que o método convencional, quantitativo, os quais se baseiam em comprovação estatística e experimentação.

... um grande desafio metodológico consiste em fundamentar a inserção da pesquisa-ação dentro de uma perspectiva de investigação científica, concebida de modo aberto e na qual, ciência não seja sinônimo de positivismo, funcionalismo ou de outros rótulos.

(THIOLLENT, 2004, p. 20) Segundo o mesmo autor, embora o método empregado na pesquisa-ação seja incompatível com o método de experimentação em laboratório (que prioriza a neutralidade, não interferência do pesquisador, o isolamento de variáveis etc), a pesquisa-ação não deixa de ser uma forma de experimentação em situação real, na qual os pesquisadores intervêm conscientemente e os participantes desempenham um papel ativo, onde as variáveis não são isoláveis e interferem, todas elas, no que está sendo observado.

É importante, pois, considerar que o aspecto qualitativo e dialógico, tão valorizado no método da pesquisa-ação, não pode ser considerado anticientífico, assim como é um engano caracterizar os participantes de uma pesquisa como sendo ignorantes e desinteressados, conforme pregam muitas das pesquisas convencionais.

Na pesquisa-ação não se aplica o tradicional esquema de experimentações (formulação de hipóteses/coleta de dados/comprovação ou refutação de hipótese). Nesse método de pesquisa social, o procedimento deve ser diferenciado e capaz de explorar as situações e problemas reais, os quais contam com uma infinidade de variáveis imprecisas dentro de um contexto em permanente movimento. Assim, o método opera através de instruções relativas ao modo de encarar os problemas

identificados, sendo estas instruções menos rígidas do que as hipóteses, embora funcionem de maneira semelhante. Os resultados da pesquisa, por sua vez podem fortalecer ou alterar as diretrizes.

Thiollent (2004) é enfático ao declarar que os fenômenos, na pesquisa-ação, não possuem o caráter de perfeita repetitividade e que o papel do pesquisador nunca é neutro dentro do campo observado. Não se pode isolar fatores, pois estes dependem do contexto social ou histórico. Até mesmo as expectativas do pesquisador influenciam os resultados da pesquisa, como afirmam Rosenthal e Rosnow (1981).

Quanto à análise quantitativa na pesquisa-ação, é exagero querer submeter a testes estatísticos todas as hipóteses, pois nesta área de ciências sociais nem todas as variáveis são quantificáveis. Outros autores corroboram com tal idéia, como Castro (1977) que menciona:

O teste de hipótese é uma maneira formal e elegante de mostrar a confiança que pode ser atribuída a certas proposições. Se essa confiança pode ser medida e estabelecida, é injustificável a omissão do teste. Mas quando a natureza dos dados ou do problema não nos permite avaliar formalmente a confiança, não há desdouro para a ciência ou para o investigador em dizer apenas isso em seu relatório de pesquisa.

(CASTRO, 1977 apud THIOLLENT, 2004, p. 35)

Em muitas argumentações, o peso ou a freqüência de um acontecimento pode servir para fortalecer ou enfraquecer um argumento. Entretanto, o que deve ser descartado é a pretensão quantitativista que alguns pesquisadores têm de resolver todas as questões metodológicas da pesquisa, exclusivamente por meio de medições e números.

... as idéias de uma minoria podem se tornar expressivamente mais relevantes do que a aparente ausência de idéias ou opiniões da maioria. Seu peso não se limita a uma questão de freqüência observacional.

(THIOLLENT, 2004, p. 63)

Sendo a pesquisa-ação um método que se propõe a estudar situações concretas de grupos sociais de pequeno ou médio porte, muitas técnicas de pesquisa social podem ser agregadas a ela. Entretanto, deverão obedecer aos seguintes princípios:

- Princípio da análise diagnóstica dos problemas e dos grupos envolvidos; - Princípio das intervenções ou ações planejadas; e

- Princípio da avaliação dos resultados, após as intervenções.

Embora o método da pesquisa-ação pretenda alcançar realizações, ações efetivas, transformações ou mudanças no campo social, é preciso deixar de manter ilusões acerca de transformações da sociedade global, visto que o método adquire eficiência ao ser desenvolvido em nível de grupos de pequena dimensão, justamente por seu aspecto dialógico e de contato direto com as pessoas envolvidas com a situação problema.

Segundo Thiollent (2004), no campo da educação a pesquisa-ação vem prestando inúmeros serviços em matéria de formação de adultos, educação popular e formação sindical. Porém nos ensinos fundamental e médio (os antigos Primeiro e Segundo Graus), a aplicação é mais rara e difícil, talvez por causa de resistência institucionais e de hábitos professorais, embora nos últimos tempos tem-se notado uma maior disponibilidade e abertura. Há uma crescente desilusão de muitos profissionais para com as pesquisas convencionais cujos resultados, apesar de sua aparente precisão, estarem muito afastados dos problemas urgentes da situação atual da educação. Estas pesquisas estão se revelando insuficientes e limitadas a uma simples descrição da situação ou uma avaliação de rendimentos escolares, sem demonstrar direções para a busca de soluções dos problemas quantificados. A busca pela conscientização acerca dos problemas vivenciados pelos grupos escolares e a crescente necessidade de transformação de comportamentos e situações vem qualificando a pesquisa-ação como um método inovador cujo intuito é o de promover a participação dos usuários do sistema escolar na busca de soluções aos seus problemas.

Assim, Tonucci aponta que é necessário realizar pesquisas na escola e não sobre a escola. Para os autores a proposta da pesquisa participante na escola através do seu caráter qualitativo, transforma o observado no observador de si próprio, o que permite a discussão e a mudança de postura dos participantes.

A pesquisa já denunciou todos os erros da escola; os erros da escola dão vida a novas pesquisas sobre esses erros e assim por diante. A participação da escola na pesquisa permite superar esse círculo vicioso, pois a experiência mostra que só os resultados de trabalhos realizados com a escola tem possibilidade de modificar a prática concreta seguida por ela.

(TONUCCI, 1982 apud CAMPOS, 1984, p.65) Campos (1984) ainda enfatiza que a pesquisa participante traz à tona os fatores nem sempre perceptíveis em pesquisas mais amplas e tradicionais. Entretanto a autora cita que este tipo de pesquisa apresenta uma série de dificuldades de realização no ambiente escolar, como:

• Falta de tempo dos professores para participar das tarefas envolvidas nos projetos

• Prazos das pesquisas que nem sempre coincidem com os prazos escolares, havendo necessidade de continuidade, dificilmente garantida no ano posterior.

• Interferências de fatores políticos ou conjunturais externos

• Dificuldade de definição de quais os problemas básicos devem ser motivos de pesquisa qualitativa na escola.

Para os autores, que apontam a pesquisa qualitativa como mecanismo eficiente de transformação social, é relevante a idéia de não se apontar a pesquisa participante/pesquisa-ação como solução mágica definitiva ou exclusiva, sendo às vezes necessário combinar diversas formas de investigação para que se possa atingir plenamente os objetivos.

Assim, se corroboramos com Paulo Freire na sua concepção de que “a educação modifica o sujeito”, devemos acreditar que rever as práticas escolares é tão importante quanto rever as práticas de pesquisas que direcionam a solução dos problemas no campo educacional.

No contexto da construção ou da reconstrução do sistema de ensino, não basta descrever e avaliar. Precisamos produzir idéias que antecipem o real ou que delineiem um ideal. É preciso que os pesquisadores definam novos tipos de exigências e de utilizações do conhecimento para contribuírem para a transformação da situação, visando minimizar os usos meramente burocráticos ou simbólicos e maximizar os usos realmente transformadores.