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3.2 PERCURSO METODOLÓGICO

3.2.1 Métodos para a produção dos dados

O material em que nos baseamos para elaborar os argumentos e discutir em nossa pesquisa não estava pronto para ser coletado. Nesse sentido, “a definição do objeto de pesquisa assim como a opção metodológica constituem um processo tão importante para o pesquisador, quanto o texto que ele elabora no final” (DUARTE, 2002, p. 140).

Brandão (apud DUARTE, 2002) afirma que a “construção do objeto” se refere à capacidade de escolher a alternativa metodológica mais adequada à análise de um determinado objeto, dentre outras coisas. Desse modo,

A definição de critérios segundo os quais serão selecionados os sujeitos que vão compor o universo de investigação é algo primordial, pois interfere diretamente na qualidade das informações a partir das quais será possível construir a análise e chegar à compreensão mais ampla do trabalho delineado (DUARTE, 2002, p. 141).

Os dados foram produzidos no segundo momento da pesquisa por meio de questionários e de entrevistas, com o objetivo de entender como, no contexto situado histórico-culturalmente, os docentes dialogam com os discursos oficiais no trabalho com a leitura literária nas salas de aula.

O questionário, segundo Gil (1999, p. 128), pode ser definido “como a técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, etc”. Ainda de acordo com esse autor, “construir um questionário consiste basicamente em traduzir

os objetivos da pesquisa em questões específicas. As respostas irão proporcionar dados ao pesquisador para descrever características da população pesquisada”.

Ao lançar mão do questionário como técnica de produção de dados, compreendemos as vantagens e as desvantagens do questionário. Cientes das possíveis limitações (a devolução do material não respondido e o impedimento de auxílio em caso de dúvidas do informante, por exemplo), o questionário foi utilizado porque ele possibilita: atingir um quantitativo maior de respondentes, garantir o anonimato das respostas, oferecer maior liberdade ao respondente.

Vale destacar que, junto ao questionário5, elaboramos um texto explicando a natureza da pesquisa, seus objetivos, sua importância e a necessidade das respostas, funcionando como esclarecedor para o respondente. Desse modo, o questionário foi elaborado com perguntas abertas e fechadas, com questões de múltipla escolha e questões dependentes (variando de acordo com a resposta dada a uma determinada questão).

Com o objetivo de aprofundar as discussões e dialogar com os docentes, optamos por entrevistar um grupo de docentes6 que se disponibilizaram e tiveram interesse na temática de nosso trabalho. A partir dos fundamentos teóricos e das escolhas metodológicas sabíamos que a pesquisa não seria feita por um só sujeito, mas pelo diálogo, pela interação entre pesquisador e pesquisado. Foi preciso saber o que falar com e ouvir do outro, em um movimento contínuo de atenção. De acordo com Brandão (2000), o trabalho de entrevistas “reclama uma atenção permanente do pesquisador aos seus objetivos, obrigando-o a colocar-se intensamente à escuta do que é dito, a refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado” (p. 8).

Bakhtin (2011), ao tratar da relação com o outro, descreve que

5 O questionário está disponível no apêndice D, página 158, conforme foi entregue aos respondentes.

6 Priorizamos nesse momento esclarecer nossas escolhas metodológicas para a realização desse trabalho. Apresentaremos o contexto, os sujeitos partícipes e dados produzidos em nossa pesquisa nos próximos capítulos.

Eu devo entrar em empatia com esse indivíduo, ver axiologicamente o mundo dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse lugar se descortina fora dele [...] (p. 23).

O pesquisador ao adentrar no universo dos pesquisados, por meio das entrevistas, fica no entre-lugar e, quando retorna, é possível refletir sobre aquilo que ouviu. Nesse sentido, o conceito de exotopia de Bakhtin nos auxilia a compreender esse processo. Esse movimento de aproximação e distanciamento, que está presente no conceito de exotopia, constituiu uma etapa do nosso trabalho, visto que esse conceito se refere ao processo de envolvimento das relações humanas na pesquisa científica ou na criação estética.

É preciso, portanto, estar consciente do lugar que ocupamos enquanto pesquisadores, bem como do nosso compromisso com aqueles que foram pesquisados e com aquilo que analisamos e escrevemos, visto que retornamos à nossa posição, acrescidos da experiência do outro. Para Bakhtin, a compreensão de cada sujeito é orientada por uma visão do social, a partir daquilo que vivencia, que ouve e observa. Nesse sentido, é feita a interação com o outro. E, nesse processo, constrói-se a compreensão da realidade investigada.

Quando propusemos analisar os documentos oficiais, percebemos a necessidade de dialogar com os sujeitos que legitimam, recriam ou mesmo subvertem tais documentos na prática. Dessa maneira, a pesquisa7 com os profissionais da educação atuantes no município de Serra teve o intuito de conhecer as impressões individuais quanto ao trabalho com a literatura a partir das orientações dos documentos oficiais.

7 Ao pensarmos literatura e educação, foi preciso delimitar um recorte para a nossa pesquisa: o ensino de literatura. Em nosso trabalho, como já citado anteriormente, optamos por utilizar o termo educação literária, que trata do ensino de literatura, mas na perspectiva de se educar através da literatura, sem necessariamente um direcionamento disciplinar ou conteudístico. Sendo assim, a pesquisa com os docentes do município de Serra é parte de uma esfera maior, visto que não dialogaremos com todos os docentes da rede, mas com aqueles que tiverem disponibilidade e demonstrarem interesse pela temática.

A Serra é um importante município turístico brasileiro, apesar de ter alcançado crescimento econômico por via das inúmeras indústrias, de áreas de atuação diversas, que são localizadas na região. Fundada na época das Capitanias, a cidade é um dos berços culturais do Espírito Santo, dona de patrimônio diversificado e identidade marcante. Segundo os antigos mestres da cultura popular, o congo, principal manifestação do folclore capixaba, teria se originado em Putiri, área rural da Serra.

O município também abriga patrimônios jesuíticos, ruínas históricas, diversas áreas de proteção ambiental e algumas das mais belas paisagens do Estado, com natureza exuberante e privilegiada pela mistura de mar, lagoas, serras e vales. A marca turística ocorre devido à quantidade de praias e também pelos patrimônios culturais e religiosos que estão localizados no município.

A posição geográfica e as facilidades logísticas fizeram com que se tornasse um dos mais significativos polos de negócios do Estado e uma das cidades mais prósperas do Brasil, sendo o 4º PIB entre os municípios brasileiros. Apesar de ser considerada uma das cidades com maior desenvolvimento em nosso país, o município reflete, com muita nitidez, as desigualdades sociais e econômicas do Brasil. A rápida expansão e crescimento do município fez com que fossem criadas muitas regiões periféricas, visto que ocorreu uma transição de cidade-dormitório para cidade forte economicamente.

Atualmente, a Serra é o maior município da Grande Vitória e sua estrutura educacional (em 20138) era composta por: 121 unidades de ensino, 17.752 crianças de 0 a 6 anos matriculadas nos Centros de Educação Infantil, 46.282 matriculados no ensino fundamental, 4231 professores atuam na rede municipal de ensino. No último resultado do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), divulgado em 2013, o município de Serra atingiu 4,5 e ficou abaixo da meta estimada. Com esse resultado, o município também está abaixo da meta quando comparado aos resultados do estado.

Nos últimos três anos, o município inaugurou novas escolas de educação infantil e de ensino fundamental, também efetivou mais de 500 profissionais de

8 Divisão Setorial de Recursos Humanos e Coordenação de Planejamento Educacional e Estatística – números atualizados em 13 de junho de 2013. Disponível no portal serra.gov.br.

educação. Dentre os municípios da Grande Vitória, a Serra oferece o maior piso salarial, boas9 condições de trabalho (planejamento do professor, acesso à internet, assessoramento pedagógico, por exemplo) e também plano de carreira para a formação docente.

Vale ressaltar, portanto, que apesar do crescimento econômico e do investimento em diversas áreas, como a educação, o município apresenta altos índices de desigualdade econômica e de criminalidade, sendo destaque entre os municípios do estado como um dos mais violentos. Desse modo, essa é também uma realidade dos alunos das escolas da rede municipal. Feita a contextualização do espaço em que nossa pesquisa se insere, podemos entender melhor onde se situam os sujeitos partícipes da pesquisa.

Vale ressaltar que a produção dos dados a partir da declaração dos professores por meio dos questionários e entrevistas pode não corresponder às práticas, mas indicia como eles recebem e dialogam com os documentos oficiais no que diz respeito à educação literária.

A entrevista enquanto técnica de produção de dados é um dos principais métodos utilizados nas pesquisas das ciências sociais, e, segundo Lüdke e André (1986, p. 34), a grande vantagem dessa técnica em relação às outras “é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”.

Optamos por realizar entrevistas semiestruturadas10, visto que esse modelo apresenta possibilidade maior na compreensão das questões, uma vez que permite não apenas a realização de perguntas já disponíveis no roteiro, mas também oferece uma liberdade ao entrevistado e possibilidade de novos questionamentos e respostas, ocasionando uma maior compreensão do objeto em mote.

9 As condições oferecidas aos profissionais da educação ainda estão distantes de ser o ideal para que possamos pensar em uma educação de qualidade. No entanto, as condições oferecidas pelo município quando comparadas a nível estadual podem ser consideradas condições propícias para o trabalho docente. Mas estamos conscientes de que podem ser melhores, em variados aspectos.

Para Triviños (1987, p. 146), a entrevista semiestruturada tem como particularidade questionamentos básicos que são amparados em teorias e hipóteses que se relacionam com o tema da pesquisa. Para o autor, a entrevista semiestruturada “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]” (TRIVIÑOS, 1987, p. 152). Outro aspecto característico da entrevista é a presença constante do pesquisador nesse processo da produção de dados. Em nosso trabalho, as entrevistas foram registradas por meio de gravação, concomitante à ocorrência de anotações escritas de informações particulares que acompanharam as falas. Sendo assim, a partir da transcrição das entrevistas, pretendemos nos aproximar do objeto proposto e dialogar com os docentes sobre os documentos oficiais e as relações e práticas de educação literária.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo eu levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo (LISPECTOR, 1998, p. 12).