• Nenhum resultado encontrado

5. DOCUMENTOS OFICIAIS

5.3 ORIENTAÇÃO CURRICULAR DE EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO

MUNICÍPIO DE SERRA

Publicado uma década depois dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a orientação curricular do município de Serra se traduz em um desafio no objetivo de afirmar a educação como um processo de humanização e é resultante de um processo coletivo de reflexão e de proposições originadas de professores, pedagogos, gestores e integrantes da equipe central da Secretaria de Educação.

As orientações curriculares, nessa perspectiva, concebem o conhecimento como uma experiência histórica e culturalmente vivida e produzida, capaz de criar uma nova compreensão acerca do mundo e da vida social. Partindo desse pressuposto, o documento rompe com a estrutura de uma listagem de conteúdo, de modo que o objetivo é “justamente relacionar os saberes sistematizados com as experiências de vida dos alunos, compreendendo seus valores, seus conflitos, sua forma de pensar e de aprender” (SERRA, 2008, p. 14).

Fundamentada em uma base teórico-metodológica na perspectiva histórico- cultural, a linguagem, portanto, é vista nestas diretrizes curriculares como uma atividade humana que medeia o agir dos indivíduos na realidade social. Compreende-se que é pela linguagem que os indivíduos têm acesso a todo e qualquer tipo de informações, expressam ideias, constroem visões de mundo, produzem cultura (p. 226).

Vale ressaltar que a concepção de linguagem aparece somente na área de língua portuguesa:

Essa concepção de linguagem parte do pressuposto de que os sujeitos se constituem no mundo no seio das relações sociais e históricas. Os indivíduos são vistos como reais, concretos, inseparáveis do contexto no qual estão inseridos. Isso quer dizer que, independentemente da idade, crianças, jovens ou adultos são concebidos como sujeitos ativos, participativos, críticos, transformadores, construtores da realidade social. Essa concepção de linguagem e de sujeitos relaciona-se a uma forma de conceber o ensino e o papel da escola na sociedade (SERRA, 2008, p. 226).

De acordo com a OC, o trabalho com a linguagem, em qualquer das etapas do ensino, deve ser compreendido como “prática social e cultural, intencionalmente organizada, que deve ter como preocupação central a formação de um sujeito crítico, participativo do contexto em que se insere e consciente de suas ações no mundo” (p. 226).

Essa perspectiva deve orientar o trabalho com a linguagem nos anos inicias, de modo que o trabalho propicie aos alunos a inserção nas práticas sociais de uso da linguagem “por meio de atividades de leitura, de produção de textos e de reflexões sobre a língua, de modo a favorecer o desenvolvimento das capacidades de uso da linguagem nas suas diferentes formas” (p. 227).

Para além da concepção de linguagem como prática social e cultural, como interação verbal, as OC’s indicam que a linguagem verbal é o núcleo do conhecimento a ser ensinado e aprendido, de modo que as práticas de ensino possibilitem o desenvolvimento da capacidade do sujeito se colocar no mundo por meio do uso da língua.

Essa concepção de linguagem se fundamenta no pensamento de Bakhtin. Para esse autor, a linguagem é de natureza dialógica e ideológica, pois os indivíduos, nos processos de interação verbal, se relacionam entre si, produzindo sentidos, construindo significações das palavras, do mundo, dos objetos e de si mesmos. É na relação entre sujeitos que se efetiva, portanto, a constituição do sujeito (2008, p. 231).

As Orientações Curriculares também prescrevem que o ensino da língua materna deve ter como ponto de partida o texto. Desse modo, o trabalho pedagógico deve ser pensado a partir da leitura, da produção de texto e “com a reflexão sobre a língua a partir dos diversos gêneros textuais orais e escritos que são produzidos pelos indivíduos nas mais variadas atividades que eles realizam na vida em sociedade” (p. 236).

Para isso, o professor deve organizar o ensino da língua de forma a estreitar o contato do aluno com os mais variados gêneros textuais orais e escritos que são produzidos em diferentes esferas de circulação (jornalístico, filosófico, científico, literário, etc.) e que circulam na sociedade em diferentes suportes. Nessa perspectiva, a sala de aula se torna espaço de circulação de jornais, revistas, livros de literatura, dicionários, embalagens, gibis, cartazes, filmes, propagandas, músicas, etc. (SERRA, 2008, p. 236).

O termo literatura no trecho em destaque é a única referência explícita que o documento traz acerca da inserção do texto literário nas salas de aula os anos iniciais do ensino fundamental. Apesar de tratar da importância da leitura e dos diferentes gêneros textuais, não há orientações específicas para o trabalho com o texto literário. Assim como não há objetivos definidos, nem possibilidades metodológicas para o trabalho com a literatura.

Criticamos a ausência de orientações com maior clareza teórica e metodológica para o trabalho com a literatura, a medida que, no trecho em destaque ela é representada como uma possibilidade de leitura, sem que haja qualquer manifestação pensando a literatura como arte, nem a sua natureza artístico-cultural ou as possibilidades que ela oferece de fabulação e fantasia, defendida nesse trabalho.

Quanto às práticas de leitura na escola, o documento prevê que estas devem contemplar diferentes gêneros textuais e possibilitar o (re)conhecimento dos diversos aspectos da produção verbal humana, com foco na formação de um “leitor crítico e consciente da relação existente entre a criação simbólica e a própria realidade social” (p. 237). Para isso, é importante que a escola disponha de acervos de diferentes materiais de leitura e que o professor planeje e organize, ao longo do ano, momentos diversificados de leitura para que o aluno possa vivenciar as mais variadas relações com os textos.

Para que tal situação aconteça, pressupõe investimento público, não apenas na oferta de livros, mas também na formação de professores. Compreendemos que a presença dos livros nas escolas e o acesso a variados textos não garantem sozinhos a existência de uma educação literária. É importante uma ação conjunta entre a oferta dos livros e a ação dos mediadores – que precisam, portanto, ter consciência do trabalho que pode ser realizado com os livros existentes nas escolas.

Apesar de não haver referência à leitura literária, o documento aponta para a importância da prática de leitura, de modo que essa “possibilitará ao aluno o domínio e/ou ampliação de vocabulário, o acesso a novas informações ou a ampliação de conhecimentos e de outros contextos além do seu próprio

cotidiano, permitindo, dessa forma, o uso da informação apropriada em seu dia-a-dia” (p. 238).

Para além do trabalho com a leitura, identificamos que a orientação específica sobre essa proposta metodológica traz alguns indícios do trabalho com o texto literário, ainda que escolarizado, com foco nos gêneros textuais.

Além disso, deve ser trabalhada também a compreensão de noções básicas como autoria, formas composicionais/elementos estruturais, finalidades e intencionalidades materializadas nos gêneros textuais. As práticas de leitura realizadas na escola devem considerar sempre o leitor como um ser ativo que interage o tempo todo com o texto, estabelecendo relações entre este e o seu mundo (2008, p. 236).

Não há em todo o texto do documento das Orientações Curriculares uma referência específica para o trabalho com a literatura ou com a leitura de textos literários. Há orientações para o trabalho com a leitura, a partir das considerações já citadas sobre a linguagem e sobre o texto. Esse posicionamento de ausência da literatura ou do ensino desta nas Orientações Curriculares do município de Serra indica algumas questões: a) o lugar de segundo plano dado à literatura em alguns espaços, como, por exemplo, dentro da escola; b) a caracterização de textos quaisquer como literatura – que se encaixa na problemática da dificuldade de definição do que é o texto literário; c) a isenção quanto ao ensino de literatura por tratar-se de um documento para a educação infantil e ensino fundamental e não para o ensino médio, pois nessa etapa de ensino as escolas literárias, autores e obras compõem mais tradicionalmente o conteúdo mínimo.