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O DETERMINISMO BIOLÓGICO

3.2 MÉTODOS PARA O CONHECIMENTO DA VINCULAÇÃO GENÉTICA

Vários são os métodos para identificação de vinculação biológica entre os indivíduos, sendo o mais popular atualmente a utilização dos códigos genéticos. No entanto, antes de se ter alcançado um elevado grau de precisão na investigação desses códigos, outros métodos também já foram utilizados para o mesmo fim, como o da morfologia externa42, que, apesar de ser considerado hoje um método ultrapassado, foi muito utilizado para identificação de pessoas, como também no estabelecimento da filiação, notadamente como indício de

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Como categorias específicas desse método podem ser verificadas nos diferentes tipos de exames científicos conhecidos, como os exames prosopográfico (justaposição de fotografias de investigante e investigado), determinativo das papilas digitais (comparação das impressões digitais de investigante e investigado), determinativo da cor da íris (método de investigação de carga genética que indica o dominante e o recessivo), proporções físicas (comparação de estrutura física entre investigante e investigado, conforme modelos pré- aplicados), pavilhão auricular (comparação de particularidades da orelha entre investigante e investigado), cor da pele (herança genética, ligada à etnia) e redemoinho dos cabelos (baseado em carga genética que individualiza ascendentes e descendentes pela distribuição capilar). Cf. SIMAS FILHO, 2005, p. 159-166.

vinculação biológica, consistindo tal método na comparação sistemática entre pessoas (suposto pai, mãe e filho, por exemplo), a fim de reconhecer semelhanças físicas que pudessem apontar a descendência. Despiciendo dizer que este método foi bastante criticado em função de semelhanças entre pessoas que não guardavam nenhum parentesco direto, como também em razão das alterações a que se encontravam sujeitas às pessoas de sexos diferentes, de carga genética pouco definida ou alterações em razão da idade (TRACHTENBERG in: LEITE, 2002, p. 17).

Justamente em função das enormes possibilidades de inclusão e exclusão de paternidade a que se poderia chegar no uso dessas técnicas que se utilizam elementos físicos com aproximação entre investigante e investigado, é que foram sendo deixadas gradativamente para trás e sendo substituídas por outras, baseadas na morfologia cromossômica, depois nos dados imunulógicos e, por fim, os imbatíveis testes de DNA.

Os chamados métodos imunulógicos são realizados através do sangue, permitindo a identificação de características próprias de cada grupo sangüíneo, como o ABO, Rh, MNSs, HLA e outros (SIMAS FILHO, 2005, p. 170-210), muito comuns para o conhecimento de vinculação biológica. Embora não estabeleça a paternidade por conceitos positivos, já que não dá a certeza da filiação, é muito eficiente no afastamento da vinculação genética, pois uma pessoa que tenha incompatibilidade entre as espécies sangüíneas do grupo não pode ser considerada geneticamente vinculada (TRACHTENBERG in: LEITE, 2002, p. 20).

Por outro lado, a dificuldade quanto a esses métodos diz respeito às inúmeras possibilidades que se verificam a partir das combinações sangüíneas, de modo a não se

alcançar uma determinação da paternidade definitiva, mas tão-somente a sua exclusão ou um indício de confirmação. Em que pese esta observação, entre as décadas de setenta e noventa o Brasil utilizou muito desse recurso, sobretudo nos testes de sistema ABO nas ações de investigação de paternidade, só vindo a decair em função da massificação dos testes de DNA, não sendo incomum serem encontrados ainda atualmente nos processos judiciais os dois tipos de exames: o exame pelo ABO e o exame pelo DNA.

Por fim, chegou-se aos métodos eletroforéticos, que têm no DNA a sua maior vitrine. Através dessa técnica, uma substância determinada é submetida a um campo elétrico, que obriga aquela substância a migrar ao longo de um suporte determinado, de acordo com a sua carga elétrica, se dando a identificação justamente nestas diferenças de migração, que ocorrem em conformidade com os fatores genéticos; é este método o mais utilizado hoje nos testes de DNA (TRACHTENBERG in: LEITE, 2002, p. 18).

O DNA, sigla que expressa em inglês ADN (desoxirribonucleic acid), significa ácido desoxirribonucléico, que é o material genético encontrado dentro do núcleo das células, que pode ser detectado pelas sondas de DNA (TRACHTENBERG in: LEITE, 2002, p. 19). Assim, o DNA é o código genético de cada pessoa43 (BARACHO in: LEITE, 2002, p. 147).

As técnicas oferecem cem por cento de segurança quanto ao resultado negativo de vinculação genética, mas nenhum exame garante os mesmos cem por cento de certeza quanto

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A ciência refere à existência de mais de 60 tipos de grupos sangüíneos que podem ser utilizados para a identificação genética, dependendo da eficiência que um sistema possui de excluir a vinculação genética do número de alelos presentes no sistema e de sua freqüência populacional, já tendo sido pacificado que alguns só são úteis em determinadas raças (TRACHTENBERG in: LEITE, 2002, p. 20). De outra parte, existem diferentes testes de DNA disponíveis atualmente: sondas multilocais (em que várias regiões genéticas são analisadas ao mesmo tempo), baterias de sondas unilocais (em que apenas uma região genética é analisada por vez), testes por PCR de locos únicos (é a Polymerase Chain Reaction de regiões do cromossomo) e o seqüenciamento automático de DNA (TRACHTENBERG in: LEITE, 2002, p. 20).

à paternidade biológica: o índice de confiabilidade pode chegar no máximo entre 99% e 99,9999% (TRACHTENBERG in: LEITE, 2002, p. 21), o que, embora relativo, passa a ser considerado como absoluto, diante do elevado índice de probabilidade.

Não obstante isto, o que vem sendo discutido no mundo inteiro, quanto aos exames de identificação genética, diz respeito à definição dessas várias técnicas disponíveis, que podem resultar em inclusões ou exclusões de paternidade falsas, afastando a certeza buscada pelos que se submetem ao exame de DNA.

Recentemente no Estado de Pernambuco houve uma exclusão de paternidade falsa que teve sérias repercussões em uma investigação policial, a propósito do desaparecimento e homicídio de duas jovens de 16 anos, conhecido como o “caso Serrambi”, fato público que foi divulgado fartamente pela imprensa local, em razão de um teste de DNA que fora realizado por Instituto pericial do Estado de São Paulo44, evidenciando que erros podem ocorrer, seja na

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“Segundo os especialistas, para confirmar a filiação de alguém, o exame mais seguro e o mais utilizado é o de DNA. No caso de Tarsila, foi avaliado o DNA dos ossos. O exame foi repetido, foram feitos testes adicionais e só então o laudo foi emitido e, no documento, os peritos concluíram pela exclusão de paternidade e maternidade” (CARVALHO, Bianka. Ministério Público solicita continuidade das investigações no Caso Serrambi, quarta-feira, 16 de junho de 2004-20h20. Disponível em: <http://pe360graus.globo.com/noticias360/matImprimir.asp?newsId=4632&siteId=noticias360>. Acesso em: 28 set. 2006); “Parte do cordão umbilical de Tarsila Gusmão pode ser usada no novo teste de DNA encomendado pelos pais da adolescente, para contestar o resultado obtido pelo Instituto de Criminalística de São Paulo, que apontou para a exclusão da paternidade e maternidade do comerciante José Vieira e Alza Gusmão em relação à jovem assassinada” (sem autoria. Exame contará com cordão umbilical: mãe de Tarsila Gusmão conservou

tecido em um envelope desde 1987, disponível em: <http://www.pernambuco.com/diario/2004/06/30/urbana7_0.html>. Acesso em: 28 set. 2006; “O Instituto Nacional de Criminalística (INC) de Brasília já liberou o resultado da contraperícia feita nos restos mortais de Tarsila Gusmão. No entanto, o teor do exame ainda não foi revelado. Depois de ter sido divulgado com dois resultados diferentes (produzidos pelo Instituto de Criminalística de São Paulo e pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o terceiro exame de DNA da jovem foi solicitado pelo promotor de Ipojuca, Miguel Sales, como parte das novas diligências para a investigação do duplo assassinato ocorrido em 2003. De acordo com a diretora do INC, Zaira Hellowell, o resultado não pode ser divulgado antes que esteja na Justiça” (OLIVEIRA, Wagner.

Resultado do teste de DNA de Tarsila Gusmão já está no Recife, quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006.

Disponível em:<http://www.mp.pe.gov.br/imprensa/imprensa_clipping/noticias/2006_fevereiro/09_exame.htm>. Acesso em: 28 set. 2006; “Após a exumação dos corpos das garotas, um exame de DNA chegou a informar publicamente que o comerciante José Vieira e sua ex-esposa, Alza Gusmão, não seriam os pais biológicos de

própria manipulação dos dados, seja no envelopamento do laudo, no seu endereçamento ou até mesmo na identificação dos examinandos, vindo a resultar em laudos trocados ou resultados falsos, que confundirão futuramente os operadores do direito responsáveis pela sua aplicação. No caso citado, o primeiro exame de DNA concluiu pela exclusão de paternidade e de maternidade, posteriormente alterado por novo exame de DNA que concluiu pela inclusão de paternidade e de maternidade, realizados por laboratórios diferentes. Ora, a princípio, se um teste de DNA é considerado inquestionável, seria inadmissível novos exames, o que abre a discussão sobre essa “inquestionabilidade científica”, como também a respeito das técnicas utilizadas, uma vez que os resultados deveriam ser necessariamente os mesmos. Se técnicas diferenciadas podem induzir a resultados diferenciados, é necessário que, principalmente os juízes, tenham ciência desse dado para que possam confiar nos laudos que lhes forem apresentados, como já referido alhures. Diante disso, constata-se que muitas vezes não é nomeado um assistente pericial para elaboração de perguntas ou de esclarecimentos45, o que, presume-se, venha a ocorrer apenas em ações investigatórias de partes abastadas. Isso se justifica em razão da clareza gramatical no resultado do laudo de inclusão ou de exclusão de paternidade, porém a informação técnica dos meios utilizados para se chegar ao resultado é incompreensível para o leigo, por isso muitos consideram suficientes apenas as palavras finais: inclusão ou exclusão. Nessa análise perfunctória, inúmeras possibilidades de equívocos podem retratar falsos resultados.

Tarsila Gusmão. O comerciante teve a residência vistoriada pela Polícia Civil e chegou a ser detido por posse ilegal de armas. As armas eram de caça e haviam sido deixadas como herança pelo pai do comerciante. José Vieira pagou do próprio bolso um segundo exame de DNA e provou que Tarsila era mesmo filha biológica do casal. Atualmente ele tenta ressarcimento por danos morais” (Disponível em: <http://jc.uol.com.br/tvjornal/2005/06/13/not_79592.php>. Acesso em: 28 set. 2006.

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Sobre sugestões de quesitos ou solicitação de esclarecimentos complementares em laudos que utilizam o DNA para investigação de paternidade, cf. VIEIRA; VIEIRA, 2006, p. 8-9.

Justamente por esses aspectos, é que não se pode deixar de questionar: em que medida um teste de DNA pode “determinar” a paternidade de alguém?