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A partir dos anos 1830, quando as estatísticas fizeram a sua entrada no estudo do homem, a distância que separava os cálculos aritméticos e os fenômenos humanos foi lentamente superada. A sua aplicação no estudo das sociedades pré-históricas, contudo, foi realizada apenas no século seguinte.

Originalmente, as estatísticas eram interpretadas como um método capaz de traduzir os grandes princípios regendo a organização do mundo, físico e humano, em uma linguagem

compreensível (LOTTIN, 1911, p. 6). No século 19, serviram também para justificar as teses eugênicas e racistas da somatotipologia e da craniometria (BLANKAERT, 2001; DRIVER, 1953, p. 42-44).

Apesar destes desvios, as estatísticas tiveram uma importância crescente no final do século. A primeira aplicação aos problemas de antropologia social foi realizada por Edward Burnett Tylor, que introduziu a análise estatística intercultural em 1889 no Royal Anthropological Institute, com um estudo comparativo da instituição do casamento e da descendência em 350 culturas (EFF, 2004, p. 153). Alguns anos mais tarde, quando Franz Boas foi nomeado na Universidade de Columbia, em 1896, as duas primeiras disciplinas que lecionou tratavam das línguas indígenas e da teoria das estatísticas (XIE, 1988).

O desenvolvimento da seriação de frequência por dois dos seus alunos, Alfred Louis Kroeber e Leslie Spier, bem como os trabalhos de Nels Christian Nelson e Alfred Vincent Kidder no sudoeste americano, marcou o início da aplicação prática das estatísticas para o campo da arqueologia.

Like any other inductive comparison, a statistical one, per se, of course yields only a classification. How this is to be read in terms of cause or sequence is a subsequent and non-statistical matter (KROEBER, 1940, p. 29).

Esta perspectiva, similar àquela adotada por James Alfred Ford, que Alyson Wylie descreve como construtivista (WYLIE, 2002, p. 45), foi radicalmente combatida por Albert C. Spaulding, que via as classificações do material arqueológico em ligação direta com as motivações dos seus autores, capazes então « de demonstrar que com a ajuda de técnicas estatísticas apropriadas, o grau de confiança das combinações de traços pode ser encontrado em qualquer conjunto arqueológico, a condição de dispor de um material suficiente » (SPAULDING, 1953, p. 305).

Aplicando o cálculo de χ2 desenvolvido pelo matemático inglês Karl Pearson para

medir a variabilidade de uma amostra em relação a uma distribuição feita por acaso (PEARSON, 1900), Spaulding ampliou os instrumentos apresentados por Kroeber. No entanto, foi o fato de dar o sentido de uma tradução literal aos resultados estatísticos que provocaram a controvérsia (WHITTAKER; CAULKINS; KAMP, 1998, p. 130). Portanto, o debate que opôs Spaulding e Ford não criticou a utilização das estatísticas em si, mas a interpretação dos seus resultados (FORD; STEWARD, 1954).

A inclusão destes cálculos no trabalho arqueológico mostra uma forma de relacionar matematicamente os vestígios com as dimensões do mundo real, o espaço e o tempo. Além disso, indica também que certas tendências gerais não podem ser encontradas pela análise individual de cada objeto. Neste aspecto, os trabalhos de James Alfred Ford, François Bordes e André Leroi-Gourhan caracterizam, de cada lado do Atlântico, a adoção progressiva destes novos métodos durante a primeira parte do século 20.

Em paralelo, o desenvolvimento dos computadores permitiu um aumento contínuo da capacidade de cálculo desde a época das antigas máquinas de cartões perfurados.

D’immenses calculs nous attendent dans ce domaine classique, mais il y a des équipes de calculateurs et des machines à calculer, de jour en jour plus perfectionnées. Je crois à l’utilité des longues statistiques, à la nécessaire remontée de ces calculs et recherches vers un passé chaque jour plus reculé (BRAUDEL, 1987, p. 36).

Na década de 1960, enquanto os primeiros trabalhos relacionando informática e arqueologia estavam ainda recente publicados, foram definidos três papeis importantes para o uso da informática em arqueologia, e, mais especificamente, na pré-história: tabulação do material escavado, armazenamento dos dados, com as diversas combinações possíveis e análise estatística dos dados (COWGILL, 1967).

A possibilidade de realizar análises relacionais foi, portanto, um dos recursos mais destacados do tratamento informático de dados arqueológicos. De fato, os vestígios apresentam frequentemente características múltiplas, que deixam o pesquisador com vários aspectos a tomar em conta.

The large number of sherds could become cases in a dataset; and each of their potentially interesting and useful characteristics, a variable. Some of the variables are categories (such as surface finish, which might be either rough, smoothed, or burnished); others could be measurements (such as rim thickness in mm) (DRENNAN, 2009, p. 264).

A maturidade das análises multivariadas e exploratórias, nos anos 1970, abriu o caminho para o estudo das articulações que podem existir entre diversas dimensões de um mesmo objeto, num desdobramento da pesquisa impensável sem o recurso da informática.

Até então, o alcance da disciplina estava limitado pela sua capacidade em juntar os diferentes atributos de um mesmo pacote de dados. A análise separada de variáveis distintas, mesmo quando todos os dados são reunidos no final, não possibilita sempre uma compreensão de toda a complexidade de um fenômeno. A dimensão relacional deste tipo de estudos se limita então à identificação de correlações na distribuição dos elementos, e não nas relações que podem existir, mais diretamente, entre eles. Eles permitem, por exemplo, avaliar se há uma distribuição semelhante entre os conjuntos de vestígios líticos e cerâmicos de determinado sítio, mas não podem quantificar as relações na distribuição destes artefatos. Com o desenvolvimento das estatísticas multivariadas, contudo, apareceram também instrumentos aptos a pesquisar as interligações de diversas dimensões ao mesmo tempo (RAYKOV; MARCOULIDES, 2008, p. 1-2).

Mais recente chegada no campo das ferramentas de análise quantitativa, a análise das redes fundamenta justamente a sua abordagem na existência destas relações. Podem ser ligações físicas, como no caso de uma rede de transmissão de energia, ou simples

referências, como numa rede de citações bibliográficas entre os autores trabalhando em determinada área do conhecimento. O método permite então quantificar os elementos, chamados vértices, e as suas relações, simbolizadas por arestas.

Esta forma de modelizar a realidade tem as suas origens nos trabalhos do matemático Leonhard Euler, no século 18. Solucionou o problema conhecido como as “Sete Pontes de Königsberg”, hoje Kaliningrad na Russia. Ele procurava um meio de fazer uma volta da cidade atravessando o rio apenas uma vez por cada uma das suas pontes. A solução deste problema lógico deu lugar a uma teoria dos grafos que, por meios matemáticos, permite analisar as relações, ou conexões, que existem entre pontos, ou nós.

Se a sociedade, a Internet, uma célula ou o cérebro podem ser representados por grafos, cada um deles é claramente bastante diferente entre si. É difícil imaginar que exista muito em comum entre a sociedade humana, na qual fazemos amigos e conhecidos por intermédio de uma combinação de encontros casuais e decisões conscientes, e a célula, na qual leis inexoráveis da química e da física governam todas as reações entre as moléculas. Deve haver uma nítida diferença nas regras que governam a localização de links nas várias redes que encontramos na natureza. Descobrir um modelo para descrever todos esses diferentes sistemas parece, à primeira vista, um desafio intransponível (BARABÁSI, 2009, p. 15).

A passagem de análises puramente matemáticas, com base em distribuições aleató- rias, para o estudo de redes reais iniciou-se na década de 1960, com os trabalhos de Stanley Milgram, que cunharam as expressões “pequeno mundo” e “seis graus de separação”. Demonstraram que, numa rede composta por milhões de nós, neste caso a sociedade americana, podem existir caminhos muito curtos relacionando duas pessoas selecionadas aleatoriamente. O mesmo princípio foi depois encontrado em diversos outros casos de redes reais.

A construção de uma rede começa com a definição dos elementos que a compõem, os vértices, e do tipo de relações que há entre eles, as arestas. Duas redes compostas pelos mesmos elementos podem, portanto, fornecer resultados muito diferentes, dependendo do aspecto relacional estudado. Entretanto, a multiplicação dos estudos de casos permite identificar mecanismos recorrentes, permitindo uma aproximação melhor das redes existindo no mundo real.

A segunda metade do século 20 testemunhou o surgimento de novas ferramentas de análise, capazes de tratar grandes quantidades de informações em pouco tempo. Com a definição de conjuntos de dados mais precisos, os estudos em arte rupestre fornecem dados que podem ser facilmente analisados, limitando também os riscos de correlações absurdas. Porém, não resolvem a questão dos elementos, formais e materiais, sobre as quais as análises podem e devem ser aplicadas. Durante o debate sobre a validade do estilo como ferramenta classificatória, na década de 1990, a definição dos atributos se tornou

uma questão central.

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