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Os aportes da segunda metade do século 20 levaram também questionar o próprio conceito de estilo. Em arte rupestre, a separação entre atributos funcionais e não-funcionais, que ocorreu para outros tipos de vestígios arqueológicos, teve pouca importância. Todos os elementos de análise, das características da rocha até a medida dos ângulos dos grafismos, sempre foram considerados sob uma perspectiva passiva.

Esta abordagem foi detalhada por James Sackett numa proposta geral para a utilização do conceito de estilo em arqueologia. Neste modelo, o autor descreve três usos principais da palavra na literatura, sempre considerados negativamente, em oposição à função: padrão, isocréstico e iconológico. Define o estilo como a manifestação sintomática e geralmente inconsciente de um sistema simbólico e ideológico, caracterizada por escolhas precisas dentro de um universo virtualmente infinito de opções permitindo chegar ao mesmo resultado. Considerando a diversidade inicial e o fato que os artesãos tendem a escolher apenas uma ou algumas poucas formas, escolhas semelhantes são raramente estudadas de maneira totalmente independente uma da outra. A relação de proximidade espacial ou temporal entre as escolhas é considerada em termos de tradição (SACKETT, 1977; SACKETT, 1985; SACKETT, 1986; DIETLER; HERBICH, 1998).

Sackett reconhece limitações neste modelo. Principalmente, a fronteira entre estilo e função é pouco clara. Muito objetos, senão todos, apresentam características mescladas. Ademais, a distinção entre objetos utilitários e não-utilitários é também uma classificação ambígua, que o autor tenta diminuir com a definição de “formas adjuntas”, como a decoração em peças cerâmicas, ou os encaixes que permitem expor um artefato de caráter ritual (SACKETT, 1982, p. 71). Há, no entanto, a identificação de um mecanismo geral para a análise da variabilidade no registro arqueológico.

Contudo, este modelo difere profundamente de uma perspectiva ativa, no qual o estilo é utilizado de forma consciente pelos indivíduos e pelos grupos para situar-se no espaço e no tempo ou estabelecer relações com outros. Martin Wobst foi um dos primeiros autores a propor uma abordagem baseada em trocas de informações. Para ele, o estilo é essencialmente múltiplo e dinâmico. A principal diferença com o outro modelo reside aqui na função que reveste. Enquanto o modelo isocréstico de Sackett considera que as escolhas são dadas entre possibilidades que outrora levam ao mesmo resultado, Wobst avança que estas opções não são iguais, por carregarem mensagens diferentes. Para isso, ele fundamenta sua perspectiva na teoria da informação, mas difere da semiótica por considerar o os sinais de um ponto de vista mais mecânico, como nas telecomunicações, que simbólico.

There are important differences, however, between the artifact mode and most other modes of human communication. For example, in the artifact mode, emitters can produce messages in the absence of any receivers, and these messages can be received without any emitters physically present. Once produced, these messages change slower than in other modes. Thus, they require more of a commitment on the part of the emitter. Conversely, once the message is in artifact form, its maintenance does not require further energy and matter. Both emission (artifact use and production) and reception (access to artifact) require access to energy and matter, besides access to information. This makes it easier to monopolize information exchange in this mode via certain artifacts and to control the emission of messages (if this is defined as originally committing a signal to the artifact mode) by specifying rare matter or costly energy for the signal. Coupled with the relative longevity of artifact signals, it also facilitates standardization of certain types of messages. Finally, messages in artifact mode are received almost exclusively through the sense of vision, if only because all artifacts have at least a visual dimension, and the visual dimension of artifacts is most easily manipulated to take on a message function (WOBST, 1977, p. 322).

Esta abordagem recebeu muitos aportes ao longo dos anos, alguns positivos e outros menos (CONKEY, 1978; CONKEY, 1980). Polly Wiessner adotou esta perspectiva e formulou propostas para unificá-la com a abordagem de James Sackett (WIESSNER, 1983; WIESSNER, 1985).

In this process, people compare their ways of making and decorating artifacts with those of others and then imitate, differentiate, ignore, or in some way comment on how aspects of the maker or bearer relate to their own social and personal identities. Style is thus not acquired and developed through routine duplication of certain standard types, but through dynamic comparison of artifacts and corresponding social attributes of their makers (WIESSNER, 1985, p. 161).

A coexistência entre um estilo ativo e uma variação isocréstica passiva mostra que um único conceito não responde à totalidade da variabilidade no registro arqueológico. É neste sentido que entendemos a evolução do conceito em arte rupestre, como proposta neste capítulo. Durante as três primeiras fases, houve uma trajetória relativamente estável. Apenas o grau de resolução dos dados, que aumentou com o desenvolvimento da pesquisa e com a descoberta de novos sítios importantes, permitiu definir com uma precisão crescente os conjuntos representativos de culturas, de formas de organizações sociais ou de estruturas cognitivas profundas – dependendo da corrente adotada por cada autor.

Consideramos, numa quarta fase, não o abandono completo do conceito de estilo, mas o reconhecimento de sua multiplicidade. Não está associado apenas com determinadas escolhas feitas entre todas as possibilidades que permitem obter um resultado semelhante, o que legitimou o seu estudo de forma desconectada do resto do registro arqueológico, mas com uma enorme diversidade de variáveis, que têm pesos diferentes segundo as regiões, as épocas e os grupos humanos.

O aspecto tautológico das construções em arte rupestre, nas quais o estilo tem o papel de fonte inicial e de objeto final das classificações, pode ser evitado com a inclusão de novos atributos e a contrastação dos resultados. Uma quarta fase no desenvolvimento dos estudos em arte rupestre é, portanto, descrita da forma a seguir: se o corpus dos grafismos rupestres já foi detalhado verticalmente e horizontalmente, ele ainda pode ser detalhado numa terceira dimensão, com a multiplicação dos tipos de análises aplicados a um mesmo material. Neste aspecto, o uso de métodos multivariados permite analisar as correspondências entre as diversas categorias de variáveis aplicadas aos mesmos dados.

Uma categoria adicional pode, por exemplo, se basear na análise físico-química das pinturas e das gravuras. Para as primeiras, são consideradas a composição dos pigmentos e os processos tafonômicos; para as segundas, somente contam as deposições posteriores ao ato da gravação. Esta abordagem considera, portanto, a tabela dos elementos químicos como uma série de atributos possíveis. A identificação de cada elemento na composição dos grafismos fornece uma série de informações para as construções arqueológicas. Eventual e idealmente, pode identificar elementos traços recorrentes que facilitam as comparações entre sítios.

Os principais defensores deste tipo de análise avançam o caráter objetivo dos resultados, contrapondo a parcialidade dos critérios que serviram à definição de estilos. Em diversas ocasiões, conflitos importantes surgiram da intransigência respectiva de ambos os campos (ZILHÃO, 1995).

Outra solução consiste em definir atributos geométricos. Em 1999, Juan Maria Apellániz e Félix Calvo Gómez se aproximaram das representações de cavalo, classificadas no Estilo III e IV de Leroi-Gourhan, e analisaram a variabilidade estatística dos certos traços presentes nestas figuras – entre outros, a famosa curva cervico-dorsal. Concluíram na ausência de um padrão de variação entre os estilos, mesmo quando existem sobreposições indicando uma sequência.

La estratificación de figuras rupestres en algunas zonas muestra que las de mayor grado de complicación son posteriores a las de menor complicación. Pero esta estratificación se presenta en muy contados casos y en muy contados lugares. De este modo no es posible establecer una secuencia de cambios repetida sistemáticamente em todas las regiones por las que se extiende este arte (APELLÁNIZ; GÓMEZ, 1999, p. 337).

Em todos os casos, estas abordagens permitem uma multiplicação das abordagens sobre um mesmo conjunto de dados. Como não é possível, nem desejável, estabelecer uma hierarquia entre eles, todos devem ser investigados ao mesmo nível e comparados entre si. O ponto comum a todos resta na noção de atributo, entendido como uma característica distinta e individual de um artefato, que não pode mais ser subdividida.

de pesquisa em arte rupestre permitem reavaliar a validade das observações baseadas apenas em critérios estilísticos. Confrontam, ultimamente, estas categorias com classes desenvolvidas a partir da correlação matemática ou da correspondência lógica entre outras variáveis.

O principal problema, neste ponto, consiste na forma com a qual as diversas abordagens estão combinadas umas com as outras. Está subentendida a hipótese segundo a qual, para serem válidos, os diversos tipos de categorias devem corresponder de alguma maneira. Porém, não está claro se uma padronização nas variáveis químicas deve implicar uma padronização geométrica ou geográfica.

Numerosos trabalhos mostram que há possibilidade de grande variabilidade nos objetos utilizados como referenciais identitários. No seu estudo dos sistemas técnicos das sociedades Anga, na Nova Guineia, Pierre Lemmonier mostrou a dificuldade de estabelecer uma recorrência total de todas as variáveis na definição do estilo. Espacialmente, certos objetos permitem identificar os grupos, enquanto outros – tão importantes quanto os primeiros – fazem outros tipos de associações (LEMMONIER, 1986). Mostrou, finalmente, que o estilo não pode ser desatado da constante reformulação das interações entre os indivíduos e os grupos, uma ideia também presente nos trabalhos de Wobst e Wiessner.

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