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Apesar dos múltiplos agenciamentos existentes nos processos de difusão da moda que orientam as escolhas dos indivíduos, nenhuma detém a palavra final, pois não há um lugar único onde seriam decididas as tendências (ERNER, 2015). No entanto, observamos que os

trendsetters e a mídia exercem uma grande influência, de modo a alimentar e dar

continuidade aos processos de difusão e de afirmação da moda.

Segundo McCracken (2003), os designers (aqui entendidos como estilistas) e os jornalistas são responsáveis pela produção de sentido: se apropriam dos significados do mundo cultural e realizam uma transferência para os bens de consumo, sendo estes tanto produtos quanto informação: “é graças a eles que os objetos de nosso mundo carregam tal riqueza, variedade e versatilidade de significado e podem funcionar para nós de modo tão diversificado, em atos de autodefinição e de comunicação social” (Ibidem, p.113).

Nesse sentido, entendemos que a difusão da moda também depende da transferência de significado realizada pelos jornalistas, uma vez que, como líderes de opinião, ajudam a encorajar e a desencorajar a adoção de certos gostos e estilos. Para que as criações dos designers e os usos dos trendsetters cheguem como informação até o mainstream, os jornalistas são mediadores fundamentais nesta cadeia de difusão. Acreditamos que o seu

trabalho é imprescindível para que o indivíduo disponha de conhecimentos embasados a respeito dos novos significados culturais e da atualidade, neste caso, sobre as tendências de moda.

Assim o indivíduo comum será capaz de identificar nos produtos a “significação cultural das propriedades físicas” (Ibidem, p.112) e efetivamente escolher o que consumir. Portanto, as marcas de moda contam com os jornalistas para fornecerem significados aos consumidores de moda, ao falarem sobre suas criações. McCracken ainda explica que a influência do que é dito pelos jornalistas é muitas vezes percebida antes mesmo das inovações atingirem os primeiros adeptos. Nesse sentido, percebemos a responsabilidade da crítica direcionada às inovações, pois elas poderiam mudar o curso da difusão da moda, ajudando a fortalecer certos estilos ou a tornarem-nos obsoletos: “é responsabilidade deles observar, o melhor que puderem, o redemoinho da massa de inovações, e determinar o que é mera coqueluche e o que é realmente moda, o que é efêmero e o que vai durar” (Idem). Mas, como o próprio autor destaca, trata-se de uma tarefa difícil, onde nem sempre é possível “separar o joio do trigo” (Idem).

A partir dos desfiles das semanas de moda, eventos midiatizados em formas de exibição muito bem pensadas para captarem “[…] a atenção da imprensa, desafiar o status quo e render belas imagens” (JONES, 2005, p.52), muitas ações são desencadeadas na mídia. A autora cita as notícias na imprensa diária (e de negócios) e as coberturas nas revistas de moda e estilo, que mostram como usar os novos estilos, onde encontrar versões equivalentes dos modelos de roupas e acessórios, novidades de beleza, cabelos e maquiagem que completam o visual da estação, entre outras informações. Segundo Jones, as editorias de moda são ágeis na publicação destas informações, antes mesmo das temporadas de vendas dos produtos se iniciarem nas lojas.

No entanto, é comum observar na mídia de moda uma profusão de ideias semelhantes e a propagação de certas tendências dominantes, ofuscando o brilho de outras. Quando Erner explica que “uma forma, uma cor ou um sabor terá mais chances de triunfar sobre os rivais se todos pensarem, em dado momento, que ele será o vencedor em relação aos concorrentes” (ERNER, 2015, p. 1571 de 1903), podemos pensar que a própria mídia pode ter uma certa propensão em relatar sobre as mesmas tendências dominantes, com o objetivo de caminhar pelo caminho dos vencedores e ganhar mais destaque.

Notícias publicadas por diferentes marcas e mídia de moda são muitas vezes idênticas, onde é possível encontrar repetidos destaques sobre as tendências. Para um leitor desavisado, essas coincidências podem ser vistas como um simples acaso ou como um reforço, no sentido

de que estas informações sobre tendências são as mais relevantes. No entanto, essas coincidências podem ser fruto de acordos estabelecidos entre os jornais e as assessorias de imprensa16, fato que demonstra que muitos relatos jornalísticos sobre a moda podem não ser fruto da pesquisa realizada pelos próprios jornalistas para a verificação dos dados e sim, fruto das informações encaminhadas pelas assessorias e seus interesses comerciais.

Caldas explica que jornalistas e veículos especializados são marcados pela disputa de espaço e audiência, e, por isso, assumem “posicionamentos determinados e previsíveis sobre o que esperar de cada um, em termos de opinião” (CALDAS, 2004, Pos. 539 de 2603). Alguns exemplos ilustram este comportamento usual da mídia: segundo o autor, a Vogue norte-americana é conhecida pela ênfase aos desfiles de Nova York, enquanto alguns jornalistas se dedicam mais às descrições de desfiles polêmicos e outros são especializados em gerar críticas a respeito do vestuário. Haveria também um excessivo enfoque dado às colunas sociais, às celebridades, às socialites e às modelos escaladas para um desfile.

Enquanto esses relatos sobre a moda sofrem muitas vezes os efeitos das assessorias de imprensa (que tentam dar visibilidade a determinados detalhes das coleções dos estilistas nas matérias) e os efeitos das estratégias que visam acima de tudo o lucro, outros poucos relatos são compostos pela decodificação das tendências oriundas de análises diretas dos desfiles de moda ou de análises do street style (estilo advindo das ruas), mostrando uma certa liberdade criativa do jornalista. Uma característica comum percebida entre os conteúdos de moda é que são constituídos principalmente por imagens fotográficas, compiladas rapidamente em determinadas categorias, como por exemplo, as cores da estação, as estampas mais usadas, as novas calças da temporada, entre outras tantas. Nesse sentido, grande parte dos conteúdos que emergem são basicamente resumos das diversas imagens para a comunicação das apostas dos estilistas ou das tendências propriamente ditas. Cidreira (2011) explica que nos materiais impressos, como revistas, sempre foi comum dar destaque a poucas peças do vestuário de moda devido ao espaço reduzido ou limitado das publicações. Como há limites físicos para informar sobre os vários modelos e todas as suas particularidades estéticas ou tendências, a solução se torna focar em uma única peça ou em poucos exemplares.

Estas seriam apenas algumas das pautas ou planejamentos de coberturas escolhidos pelos veículos e seus profissionais, indicando a existência de uma segmentação para nichos de

16 Segundo Jones (2005), as empresas/marcas de moda muitas vezes não têm tempo para cuidar da promoção de suas próprias criações. Desse modo, recorrem a serviços terceirizados de empresas como as assessorias de imprensa para fazerem suas divulgações. O trabalho destas empresas é gerar expectativa em torno das coleções de moda, convidar pessoas-chave para assistirem aos desfiles, interagir com a mídia especializada, abastecer a mídia com informações confiáveis, orientar estilistas sobre como lidar com a mídia, entre outras funções.

mercado, escolhas específicas das linhas editoriais, além da existência da mera replicação dos assuntos mais falados. Segundo Caldas (2004), a mídia muitas vezes estabelece uma relação de dependência com o mercado, de modo a nivelar as opiniões desprovidas de senso crítico. Acreditamos que para além desta dependência, não há um trabalho de pesquisa aprofundado, pois a profusão de representações simplificadas de uma época com temas fechados em si (como por exemplo, relatos que falam apenas sobre uma cor predominante ou determinado tipo de modelagem) não consideram muitas vezes a existência de “manifestações dissonantes do padrão” (Ibidem, Pos. 622 de 2603), mas somente as forças maiores de direção que definem traços estéticos comuns.

Assim caminha o jornalismo de moda, construindo representações da realidade, mas privilegiando determinados enfoques que podem ser entendidos pelos leitores como verdades absolutas: “[…] a transformação do provável em verdadeiro […]” (Idem).

A sociedade atual é marcada pela midiatização de eventos que proporcionam aos indivíduos comuns o conhecimento sobre as notícias de moda e a transmissão dos desfiles praticamente em tempo real. Hoje já não é preciso ser um convidado especial ou parte de uma equipe técnica para se ter acesso aos grandes eventos, pois tanto os sites quanto as redes sociais mostram o conteúdo de moda de forma integral, ampliada e com excesso de detalhes.

Produzir conteúdo ao relatar sobre a moda é tarefa complexa diante desse cenário, que ainda é marcado pela grande multiplicação de estilos, por produtos cada vez mais diversificados e pelos nichos que extrapolam as direções criativas. Esta variedade já é mostrada nas passarelas e muitas vezes não é dada a devida atenção pela mídia. O atual

modus operandi seleciona o que mais faz sucesso ou o que mais vende, “contribui para

restringir as escolhas propostas e, portanto, para articular a moda em torno de poucas tendências”, pois o que faz mais sucesso “[…] é preferível a uma variedade exaustiva” (ERNER, 2015, Pos.1784 de 1903).

Por outro lado, essa lógica pode conviver com outra mais abrangente, mudando a forma de exploração do universo da moda pelos jornalistas, principalmente nos espaços da

Web. Enquanto algumas práticas jornalísticas podem ser direcionadas para as tendências que

estão emergindo, para os primeiros sinais destas inovações e para análises mais profundas, outros relatos terão sempre como foco as tendências que estão no auge ou o que está mais sendo repercutido no mainstream. Desta forma, acreditamos que há espaço para o jornalismo de moda se tornar mais analítico e crítico, pois o material disponível sobre moda contribui para construir uma direção contrária à uniformização e a superficialização dos assuntos sobre as tendências.

CAPÍTULO 2

O JORNALISMO DE MODA

Este capítulo tem como objetivo, primeiramente, abordar o conceito de enquadramento no jornalismo, a fim de verificar como a ação de enquadrar, ou de estabelecer possíveis angulações sobre um determinado acontecimento, pode culminar em visões limitadas e expandidas para o desenvolvimento de produtos jornalísticos.

Em um segundo momento, revisamos alguns estudos que versam sobre o campo profissional do jornalismo de moda, suas práticas e os formatos narrativos mais adotados. Em seguida, buscamos entender sobre a formação e evolução dos relatos de tendências e, por fim, selecionamos algumas reflexões que nos motivam a buscar novos posicionamentos e conhecimentos mais abrangentes para o jornalismo de moda.