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No primeiro capítulo, pudemos perceber que as tendências de moda resultam de uma grande diversidade de direções criativas e de usos inovadores – que a princípio devem ser vistos apenas como possibilidades, pois a “perversidade de alguns profissionais consiste em dar o possível como certo, permitindo a manipulação” (CALDAS, 2004, Pos. 838 de 2603).

Os relatos jornalísticos de tendências difundidos na mídia como verdades absolutas, como se estas já dominassem de fato o mercado, podem ser apenas afirmações apressadas e

que desprezam um contexto maior (Idem). Se por um lado, já existe o marketing e a publicidade como base para estratégias em prol da repercussão e redundância na difusão de determinados assuntos, o jornalista de moda deveria valer-se de outras realidades e pontos de vista para conceber seus relatos.

A capacidade do jornalista para construir histórias e de procurar por detalhes narrativos que outras pessoas talvez não consigam enxergar, mostra que documentar a cultura da moda pode ir além dos relatos simples e superficiais. Há a possibilidade da cobertura de diversos eventos, a exemplo das feiras do setor, aberturas de novas lojas/marcas, inovações fornecidas pela indústria e estratégias concebidas pelo mercado, bem como o que mais movimenta os assuntos deste universo: as semanas ou eventos de moda e suas tendências. O papel do jornalista, enquanto formador de opinião, é essencial dentro destes eventos, pois, sua reflexão e opinião podem multiplicar o sucesso de uma coleção e, consequentemente, o sucesso de uma determinada tendência. Esta relação de dependência que se mostra entre o jornalismo e as marcas de moda é materializada em diferentes produtos e formatos narrativos, tanto impressos quanto em ambientes digitais.

Jones (2005, p.208) relata que a função do jornalista “[...] é interpretar as criações e as grandes mudanças da moda, não apenas sob o ponto de vista de seu olhar altamente especializado, mas também tendo em vista o tipo de leitor e os anunciantes do periódico [...]”. Desta forma, para a autora, o jornalismo de moda atuaria em função de notícias quentes e de novos ângulos sobre os desfiles.

Ao discorrer sobre o universo do jornalismo de moda australiano, Wylie (2014) descreve diversos formatos narrativos, que integram a prática profissional do jornalista, a exemplo de notícias, perfis, investigações, resenhas, críticas, análises, reportagens, resenhas e formatos mais simples, como os “colírios para os olhos” (Ibidem, p.14). Apesar dos formatos citados terem sido compilados a partir da pesquisa de Wylie, focada no jornalismo de moda impresso, podemos deduzir que esses formatos narrativos são também encontrados nas plataformas digitais, mesmo com todo o imediatismo do online e seu senso de urgência.

As notícias são histórias que tendem a se configurar como olhares para o universo da moda em uma perspectiva factual e objetiva. O formato utilizado pelas notícias é bastante aplicado para informações de última hora, elaboradas em grande parte pela técnica da

pirâmide invertida17. Depois das notícias com histórias mais pontuais, o formato dos perfis proporciona informações mais detalhadas sobre diversas personalidades, como por exemplo, o estilista e as tendências de sua coleção, a celebridade e a composição de seu estilo dentro das novas tendências e os influenciadores e suas escolhas de moda.

As investigações geralmente envolvem uma abundância de informações a serem selecionadas. Nas resenhas, críticas e análises, os jornalistas podem expressar opiniões e enriquecer o conhecimento sobre a moda, principalmente sobre as coleções dos estilistas, indo além da superfície, isto é, trazendo a história da marca e de sua estética, informações arquivadas, coleções-chave já lançadas, momentos historicamente relevantes, conceito/tema da coleção, entre outros assuntos.

As reportagens, por sua vez, são artigos direcionados a um público-alvo específico, geralmente com foco nas marcas e o que estas têm a oferecer ao mercado. Discute-se as coleções e as tendências e mostram o que no momento repercute como sucesso. Podem adotar um estilo de escrita um pouco mais informal e próximo ao público-alvo consumidor, enfatizando os pensamentos do próprio jornalista sobre determinado tema. As reportagens sobre as tendências tendem a ser resumos das coleções e/ou discussões sobre como usar e se apropriar destas novidades, enquadradas através das principais cores, tecidos, silhuetas, acessórios e looks. Podem partir de fotografias das passarelas ou de ensaios fotográficos que reinterpretam os looks dos estilistas em versões mais vestíveis. Outras reportagens abordam também os eventos e os lugares onde a moda está em destaque, como os Red Carpet events, que são as premiações do Oscar, Globo de Ouro e Emmy Awards.

As resenhas com frequência falam sobre o tema da beleza a partir dos desfiles, aconselhando e demonstrando novos produtos e técnicas, enquanto que o “colírio para os olhos” são pequenos focos editoriais de atenção, compostos por imagens atraentes e presentes no layout de uma página, com o objetivo de atrair atenção e ação dos leitores rapidamente.

A partir das observações sistematizadas por Wylie (2014), percebemos que além do jornalista escolher o formato mais adequado ao tema e ao tipo de informação, ele deve também levar em conta uma certa conduta, pautado na noção de que é responsável por configurar entendimentos e identidades coletivas na sociedade. A autora aborda alguns tópicos importantes, como por exemplo, reportar os fatos com responsabilidade, ao considerar

17 Pirâmide invertida é um método de apresentação da notícia, que visa valorizar o texto ou a página onde está inserida. Para isso, usa o espaço maior da pirâmide (parte de cima) como um espaço para o conteúdo mais importante ou de destaque, e o espaço menor (parte de baixo) como um espaço para o desenrolar do conteúdo. A parte inicial é chamada de lide, ou abertura. O desenvolvimento da história é a parte intermediária e a conclusão é a parte final, ou a ponta da pirâmide (BAHIA, 2010).

a importância do jornalismo e da própria moda como fatores culturais que dão forma ao espírito de um tempo. Ao mesmo tempo, afirma ser necessário conhecer o assunto através de muita pesquisa, para verdadeiramente entender o universo da moda e a sua relevância, seu vocabulário, a história das marcas e dos estilistas. Em seguida, enfatiza a comunicação centrada na audiência, entendendo que cada publicação oferece uma perspectiva para um nicho específico. Outro ponto importante se refere ao uso dos fatos para contar histórias claras e concisas, a fim de gerar credibilidade e impactar o negócio da moda de forma consciente (Idem).

Esta reflexão se mostra extremamente interessante e fundamental no que diz respeito à elaboração de perspectivas informativas, reforçando que as práticas mal elaboradas ou mal pensadas podem “[…] promover clichês que alimentam estereótipos estreitos, oferecendo uma visão limitada do que a moda é, ou pode ser […]” (Ibidem, p.130). Para a autora, o “jornalismo de moda é um importante campo da escrita, mas algumas práticas o subestimam” (Ibidem, p.153). E ainda, além de toda esta conduta e ética profissional, há a necessidade também de manter o humor e o elemento humano, pois, segundo a autora, o jornalismo de moda ainda é “entretenimento e escapismo” (Ibidem, p.136).

Cidreira (2007) explica que o jornalismo de moda é caracterizado pela união entre o divertimento e a instrução. Ao mesmo tempo em que pode fascinar o leitor, deve provocar também um entendimento crítico a partir de uma avaliação fundamentada. Nesse sentido, a autora recorre ao autor Daniel Piza (2004), para refletir sobre o que consiste em um bom texto crítico. De forma breve, Cidreira relata que nos textos críticos são fundamentais a clareza, a coerência, a agilidade, mas também o caráter informativo e reflexivo sobre as qualidades e os defeitos do que é analisado. Uma outra característica importante seria também a capacidade de ir além do objeto analisado, usando-o como um meio para ler outros aspectos do mundo. Sendo assim, a autora entende que o texto jornalístico de moda deve ser elaborado dentro dos critérios de um texto crítico, fornecendo ao leitor uma compreensão plural da moda: “[…] os aspectos de inovação, o contexto em que está inserida, os materiais utilizados, etc.” (CIDREIRA, 2007, p.49).

Cidreira também discorre sobre outros aspectos que compõe o texto jornalístico de moda, a exemplo dos temas da feminilidade e da estetização da vida. Para a autora, o jornalismo de moda é visto como um campo que favorece o desenvolvimento de uma imprensa feita por mulheres e para mulheres, onde é possível destacar conteúdos sobre a feminilidade na sociedade, as mulheres e suas conquistas, o corpo, a essência e a aparência, entre outros assuntos relacionados à identidade feminina. Nesse sentido, percebemos que a

visão da autora sobre o jornalismo de moda vai além dos artifícios do mundo do vestuário, pois, escrever sobre moda demanda entendê-la não só como parte do parecer, mas também do ser.

Cidreira também explica que assim como na publicidade, o jornalismo de moda promove modos de vida e representações sedutoras dos objetos ou produtos. O uso da potência das imagens e da escrita em novas sensibilidades pelo jornalismo faz parte de uma “[…] dinâmica da significação que os meios impõem à própria significação” (Ibidem, p.50). Sendo assim, segundo a autora, o jornalismo de moda desempenha três funções principais: destacar uma cultura diferente do corpo, descrever uma cultura de consumo vestimentar como parte do entretenimento e exibir discursos sobre os detalhes estéticos que triunfam na moda em uma determinada temporada e que se apresentam como signos para os desejos de tornar a “[…] própria existência uma obra de arte” (Ibidem, p.51).

O jornalismo de moda também é descrito por Cidreira como um campo marcado por discursos heterogêneos, tanto em perspectivas quanto em formatos. Para a autora, “[…] os enquadramentos refletem modos de ver o fenômeno Moda” (Idem) em pelo menos quatro tipos de enquadramentos: moda fashion, moda moldes, moda ostentatória e moda cultural.

O enquadramento moda fashion vincula-se à ideia ou ao modo de ver a moda pela perspectiva das tendências. Estas são descritas pela autora como um gosto passageiro que rege as maneiras de vestir e que indica tecidos, comprimentos, modelagens e cores de uma determinada estação. Este gosto passageiro seria ditado pelos desfiles do Prêt-à-Porter.

O enquadramento moda moldes vincula-se à ideia da Alta Costura, no sentido de promover uma moda exclusiva e personalizada. A produção textual neste contexto discute e apresenta croquis ou modelos para a confecção dos trajes, bem como sugere matérias primas para o feitio.

O enquadramento moda ostentatória vincula-se à ideia de um modo de vestir essencialmente relacionado à aparência e à provocação das atenções. É visto principalmente em textos presentes nas colunas sociais.

O enquadramento moda cultural vincula-se à ideia de que a moda ou o ato de vestir é próprio do homem em sociedade, portanto, está relacionada aos modos de ser, pensar e viver.

Segundo Cidreira (2011), talvez a forma mais frequente de abordagem da moda seja por meio da perspectiva das tendências. No entanto, a autora acredita que há a possibilidade da existência de modos diferentes para este tipo de enquadramento, baseando-o em questionamentos críticos sobre as estruturas de pensamento vigentes na sociedade – e que vão além dos novos lançamentos dos estilistas. A autora cita as tentativas de associação entre

moda, comportamento e vida cotidiana, modificando, desse modo, o perfil dos textos enquadrados pela moda fashion.

Através destes entendimentos a respeito da prática profissional, o conceito de jornalismo de moda que pretendemos adotar como norteador neste trabalho pode ser sintetizado como o trabalho realizado por jornalistas em ambientes digitais ao produzirem relatos e outros formatos jornalísticos sobre a moda por meio das inúmeras tendências de uma determinada temporada. Nesse sentido, entendemos o jornalismo de moda como um campo potencialmente crítico e interpretante, capaz de produzir produtos informativos sob diferentes ângulos e em diversos formatos. Consideramos que estes diferentes ângulos são possíveis pela escolha de perspectivas informativas interessadas na informação dos diferentes aspectos das tendências, dos inúmeros detalhes que não se mostram tão explícitos ou amplamente informados e aqueles que podem ir além dos artifícios do vestuário, relacionando os detalhes estéticos das tendências com outros diferentes pensamentos e aspectos do mundo.