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A mística das idéias que faziam a cabeça dos apistas: a introdução de Althusser na Ação Popular.

CAPITULO III – NAS ONDAS DO PRÉ-

3.2. A Ação Popular sob a égide da Resolução Política de 1965.

3.2.1. A mística das idéias que faziam a cabeça dos apistas: a introdução de Althusser na Ação Popular.

A gente estudava muito... do Capital aos clássicos sobre o país.574

571 Idem, Ibidem. 572

De acordo com Luciano Siqueira, em entrevista citada.

573 AÇÃO POPULAR. Normas gerais de segurança. Recife: Arquivo DOPS-PE, 1966, pp.1-2. 574 Luciano Siqueira, em entrevista já citada.

Após as suas primeiras publicações, em 1965, Althusser ganhou grande repercussão ao propor uma leitura pretensamente “correta” do marxismo com o intuito de torná-lo não apenas mais “atrativo” e menos “ambíguo”, mas também para dotá-lo de maior precisão e rigor teórico. Para afirmar o caráter científico do marxismo, Althusser reconstrói o materialismo histórico, transformando-o na ciência da totalidade social estruturada e desistoricizada, na qual não há espaço para a agência humana.575

A adesão ao maoísmo, por intermédio de Althusser – comum a alguns grupos de origem católica na América Latina –, parecia resolver o problema ao optar pela suposta cientificidade do materialismo marxista, como negação da ideologia do “idealismo cristão”, que até recentemente ainda sobrevivera na AP, mesclado com um historicismo marxista supostamente pequeno-burguês, cuja superação também era almejada.576 O aprofundamento das leituras e teorias estudadas durante este ápice de textos produzidos/traduzidos pela Ação Popular trouxe várias perspectivas para os militantes envolvidos com a organização no período. Esse despertar de consciência fez com que a militância voltasse sua atenção ao debate sobre os erros e acertos contidos no Documento Base e na Resolução Política, e sobre a fidelidade aos mesmos, a partir dos acontecimentos de abril de 1964 e do constante enfraquecimento da posição foquista na AP, maximizado com o atentado ao Aeroporto dos Guararapes, ao qual nos referiremos a seguir.

Na tentativa de abarcar e responder tais questões, alem da leitura já realizada sobre o marxismo em importantes estudiosos, como Marx e Engels, Lenin, Che Guevara, Fidel Castro, Debray e Mao Tsé-Tung (comuns às esquerdas da época); os apistas de 1966 começam a entrar em contato com outra tendência marxista de peso nos últimos anos da década de 60: apresentados pelo “pessoal de Paris” (Sérgio Quixadá, Maria do Carmo Menezes, Brant, Aumond, etc), Louis Althusser se torna uma febre dentro da Ação Popular, e elemento chave para entendermos os conceitos teóricos que vai desenvolver a organização a partir de então.

Argelino, Louis Althusser cresceu católico progressista fervoroso, lendo Ludwig Feuebach, e sendo um dos responsáveis de organizar a Juventude Estudantil Católica no liceu

575

DUARTE, Hugo Villaça. A Ação Popular e a questão do humanismo: das origens cristãs ao marxismo (1963-1973). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2010, p. 62. Disponível em: http://www.historia.uff.br/stricto/td/1418.pdf. Acesso: em: 20/06/2015 às 19:05 h.

576

RIDENTI, Marcelo. O Romantismo revolucionário da Ação Popular: do cristianismo ao maoismo. Chicago: meeting of the Latin American Studies Association, 1998, p. 21. Disponível em: http://www.cedema.org/uploads/Ridenti.pdf. Acesso: em: 20/06/2015 às 19:57 h.

Parc, curso preparatório para a Escola Normal Superior Francesa, onde estudou de por dois anos, de 1937-1938, ingressando nesta após a Segunda Guerra (1939-1945), onde foi preso pelos alemães, se formando e trabalhando como professor de filosofia e secretário, por toda a sua vida acadêmica (cerca de 30 anos). Lá, organizou vários seminários, como O Jovem Marx e para leitura coletiva de O Capital. Na década de quarenta filiou-se ao Partido Comunista Francês, desenvolvendo teorias que resultaram em obras importantes, baseadas em sua experiência como professor, como a coletânea Pour Marx (no Brasil, Ler O Capital) de 1965, Lenin e a Filosofia, de 1968, entre outros. Morreu em 1990, aos 72 anos numa clínica psiquiátrica francesa, devido as constantes crises maníaco-depressivas, que o levaram a um ataque cardíaco.577

Como observamos, essa característica cristã foi primordial para o futuro marxista do estudioso, como, de certa maneira, aconteceu com os jovens apistas antes inseridos na Ação Católica Brasileira, no qual viemos ilustrando no decorrer deste estudo. Sua trajetória foi bastante similar a desses jovens, como podemos observar nas palavras do estudioso:

Posso dizer que em grande medida foi pelas organizações católicas da Ação Católica que tomei contato com a luta de classe e, portanto, com o marxismo [...] a Igreja, suas encíclicas e seus capelães formavam seus próprios militantes para a existência de uma certa “questão social” [...] Evidentemente, uma vez reconhecidas a existência da “questão social” e a propostas de seus ridículos remédios, bastava pouca coisa, em meu caso [...] para ir ver o que passava “por trás” das obscuras fórmulas da Igreja Católica e aderir rapidamente ao marxismo, antes de entrar para o Partido Comunista!578

Althusser se tornava ainda bastante atraente – a propósito da trajetória similar com a maioria dos apistas – por simpatizar com o maoísmo e com a pessoa de Mao Tsé-Tung, caminho que também tomará a AP em fins da década de 60579.

Apesar do passado cristão, a teoria do filósofo, conhecida como estruturalista, representava a tentativa de um marxismo mais “puro”, levado até as últimas instâncias a fim de extrair os diversos desvios posteriores das obras de Karl Marx e Friedrich Engels, exemplificados na II Internacional (1889-1918), no stalinismo, e no XX do PC russo em 1956; partindo da oposição ao “jovem Marx” (mais ligado ao humanismo, na auto-realização

577

Idem, Ibidem, p. 62.

578 ALTHUSSER, Louis. O futuro dura muito tempo. São Paulo: Schwarcz, 1992, p.183. 579 GORENDER, Jacob. Op. cit., p.114.

humana) em detrimento ao Marx do O Capital, cientista do materialismo histórico e do estruturalismo580 e determinações da luta de classes581. Em suma, propunha o anti- humanismo582, opunha ciência e ideologia (tida como escala inferior dentro do marxismo583) para defender a tese da ruptura epistemológica entre a “teoria científica da história’ e o humanismo teórico de Marx”584

.

Com o fim da Segunda Guerra, os estudiosos marxistas embasaram seus estudos na valorização do indivíduo – o chamado “caráter humanista do marxismo” – desenvolvidos para construção da democracia e dos princípios que levariam ao sistema socialista a partir deste regime. Althusser vem a quebrar com este paradigma, anulando a questão do homem, tornando o humanismo obsoleto, já que no O Capital:

Os homens estariam reduzidos a suportes das relações de produção, só podendo obter uma representação deformada das coisas e estando sob o domínio da ideologia burguesa. Não haveria, portanto, nem poderia haver uma consciência de classe, da exploração de que são vítimas, reduzindo praticamente os trabalhadores à prática econômica.585

“Era ciência e somente ciência. A ciência da luta de classes e da revolução.”. Era, enfim, o marxismo “como um dispositivo produtor de certezas incontroversas” 586

, tudo que as esquerdas brasileiras procuravam à época.

Para os apistas, o estudo de Althusser representava a resposta perfeita para o desmantelamento do cunho essencialmente religioso da organização, presente, como vimos anteriormente, ainda nos auspícios do ano de 1966-1967:

Notadamente, a Ação Popular procurou recorrer àquela leitura do marxismo que, supostamente, seria a mais “científica” e, portanto, livre de toda e qualquer “ideologia humanista”. Em poucas palavras, a rigidez esquemática do materialismo histórico althuressiano abria, pretensamente, a possibilidade

580 A teoria estruturalista, além de ser utilizada por Althusser, também o foi por estudiosos como Michel Foucault, Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss. Ver mais em: DOSSE, François. História do estruturalismo. Volume I: o Campo do signo, 1945-1966. São Paulo: Ensaio, 2007.

581 Sobre as etapas de Karl Marx estudadas por Althusser, ver: DUARTE, Hugo Villaça. Op. cit., pp. 63-64. 582 Críticas ao humanismo pelo autor em: ALTHUSSER, Louis. A querela do humanismo. In: Campinas: Revista Crítica Marxista, n. 9 de 1999, 1967.

583

Idem, Ibidem, pp.73-75. 584 Idem, Ibidem, p.73.

585 OLIVEIRA JR., Franklin. Op. cit., pp. 304-305. 586

GORENDER, Jacob. Op. cit., p. 78. De acordo com o mesmo, Antônio Gramsci (que teorizou sobre as condições da violência, institucionais e ideológicas) não teria a mesma sorte de Althusser com a esquerda brasileira, que procurava a violência incondicionada. Idem, Ibidem.

para uma solução rápida e eficaz para as deficiências teóricas, ideológicas e práticas identificadas pela organização.587

Os primeiros contatos travados com a teoria althusseriana foram ainda em Paris, pela base apista no exterior, que participou de um grupo de estudos orientados por Althusser, nos anos de 1965-1967. Estes militantes lançaram uma coletânea de textos intitulada Brésil: pouvoir et luttes de classes588, baseadas nas experiências em grupo. Duarte Pacheco Pereira, liderança apista tida como um dos maiores incentivadores da teoria althuressiana, nos traz à luz:

Foram Sérgio e Maria do Carmo Menezes que nos puseram em contato com seus trabalhos e, em seguida, com o próprio Althusser. Numa de suas viagens ao exterior, Aldo Arantes (ou “Dias”), então coordenador do Comando Nacional, manteve um contato oficial com Althusser, para troca de opiniões e exame de formas de ajuda mútua. Sérgio (“Costa”) e Maria do Carmo (“Sônia”) cursaram alguns dos seminários de Althusser, tinham contacto com os jovens dissidentes do PCF, que militavam na União da Juventude Comunista, e formaram, durante algum tempo, um grupo de estudo de textos marxistas e de Althusser e Charles Bettelheim, juntamente com outros estudantes latino-americanos, entre os quais Marta Harnecker. Ainda antes de voltar ao Brasil, enviaram textos e livros de Althusser para a direção nacional; um deles, eu traduzi, e, parece-me, que foi o primeiro trabalho de Althusser publicado no Brasil [...]. Quando voltaram ao Brasil, Sérgio se integrou no Comando Nacional e Maria do Carmo passou a trabalhar num dos órgãos auxiliares do Comando Nacional, a Comissão teórica, dirigida por mim. Nessa condição, coordenou alguns cursos de formação e ajudou a difundir o debate sobre alguns textos de Althusser e discípulos, e principalmente os textos de divulgação de Marta Harnecker...589

Althusser representou ainda para a Ação Popular uma “transição perfeita” do foquismo anterior de Debray, para a teoria marxista-leninista de Mao Tsé-Tung; apesar de pouco acessível aos “mais ignorantes”, situação que a AP procurava contornar590. Com o tempo, a Ação Popular será capaz de realizar autocrítica desses fundamentos, assumindo discursos de marxistas importantes, como por exemplo, o de E. P. Tompson, que considerava ser Althusser, o representante do estado acabado do stalinismo591. Carlos Nelson Coutinho, marxista brasileiro influente desde a década 70, ainda na esteira dos escritos do inglês,

587 DUARTE, Hugo Villaça. Op. cit., p.78. 588

Organizado por G.M Mattei e lançado por Editions Cujas. AÇÃO POPULAR. Brésil: pouvoir et luttes de classes. Campinas: Fundo Duarte Pacheco Pereira do Arquivo Edgard Leuenroth, 1966.

589 Entrevista de Duarte Pacheco Pereira dada à Marcelo Ridenti. IN: RIDENTI, Marcelo S. Ação Popular:

cristianismo e marxismo. In: REIS, Daniel Aarãoe RIDENTI, Marcelo (orgs.). História do marxismo no Brasil, 5. Partidos e organizações dos anos 20 aos 60.Campinas: Ed. da UNICAMP, 2002.

590 OLIVEIRA JR., Franklin. Op. cit., p. 306.

considera Althusser representante da corrente que produz a “miséria da razão”, expressão do agnosticismo da contemporaneidade:

O aparente “rigor científico” esconde assim o radical agnosticismo de Althusser. O terreno abandonado à “ideologia”, à arbitrariedade irracionalista, tem dimensões bastante amplas; e o terreno da dialética objetiva, da história real, das determinações ontológicas do ser social, do aspecto crítico da Razão, dos problemas da ética e do humanismo [...] da luta contra a alienação e a manipulação...592

A introdução de Althusser na AP foi, como pudermos observar, basilar para a fase maoísta da organização, atingida após setembro de 1968. Apesar de fundamental para esta transição, é importante destacar que, como bem observa Jacob Gorender em seu Combate nas Trevas:

Por um processo contraditório não raro encontradiço nas conversões ideológicas, o positivismo alhusseriano não dissolveu o fundo religioso da AP. Este fundo ficou recalcado e mascarado ao nível do consciente. Mas fortalecido ao se revestir ostensivamente de nova forma, na aparência contrária ao velho conteúdo. O maoísmo se enraizou na AP apoiado, com os pés, no ideário cristão e, com outro pé, no dogmatismo de procedência althusseriana.593

3.2.2. O ápice da luta pelo discurso vencedor: O atentado ao Aeroporto dos Guararapes