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A Resolução Política e o giro foquista da Ação Popular: a AP que cresce e a que morre.

CAPÍTULO 2: AÇÃO POPULAR E O COMPROMISSO HUMANISTA SOCIALISTA.

2.4. Ana Paula 436 no "Combate nas Trevas" 437

2.4.1. A Resolução Política e o giro foquista da Ação Popular: a AP que cresce e a que morre.

O segundo semestre de 1965 marca a volta dos refugiados ao Brasil, chocados com o estado de coisas no país, como Alípio de Freitas e Paulo Wright (egressos de Cuba), Paulo Aumond471 (de Paris); e Betinho, Jair Ferreira de Sá e Aldo Arantes membros da "Operação Pintassilgo"472 que estavam desiludidos com a demora da insurreição de Brizola, e portanto haviam voltado do Uruguai. Sobre sua volta, Betinho nos conta:

Nessa época nós vimos que tais coisas não iam bem com a Ação Popular. As informações que tínhamos era de que tudo estava desmobilizado. Aí decidimos voltar, para propor à AP a guerrilha. Viemos para São Paulo, retomamos a direção da Ação Popular e foi ai que se decidiu que o caminho da revolução era o de luta armada.473

Com a volta dos dirigentes que haviam se exilado no pós-golpe, torna-se insustentável a desorganização apista, diante da também direção (Provisória) de São Paulo. O impasse, acabou por revelar discrepâncias mais pessoais do que políticas, propiciando uma "extensão da crise de indefinição do movimento e o perigo da desagregação da organização"474. Decide- se então, a convocação de um Comitê Nacional da Ação Popular em Santos, onde se elege Aldo Arantes como novo coordenador nacional do agora "Comando Nacional" (denominação de influência foquista), ao lado de Betinho e Aumond (da "velha guarda") e os "novatos" Duarte Pacheco Pereira, Paulo Wright e Sérgio Motta. Há ainda a formação de dez Comandos

471 Nos diz Ridenti: "Esses companheiros de Paris, à frente dos quais se encontravam Vinícius, Aumond, Sérgio e Maria do Carmo, formaram um dos pólos da reorganização de 1965, ao lado da antiga direção nacional, vinda do Uruguai, da direção provisória de São Paulo, e da direção regional da Bahia. Por isso, a direção nacional que se formou em 1965 integrou companheiros desses vários pólos, inclusive Aumond, que voltou de Paris (no segundo semestre de 1965, se não me falha a memória) para assumir um dos seis cargos do chamado "Comando Nacional". Posteriormente, voltaram Sérgio e Maria do Carmo. Quando Sérgio Motta se afastou, Sérgio Menezes o substituiu. Mais à frente voltou Vinícius, que deixou as tarefas internacionais e assumiu, juntamente com o jornalista Carlos Azevedo, a tarefa de edição do jornal Libertação. Vinícius, Sérgio, Maria do Carmo, ao lado do padre Alípio e de Altino (hoje no PT), vieram a ser os principais integrantes do chamado grupo de Rolando". In RIDENTI, Marcelo S. Op. cit, p. 261, nota 54.

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Idealizado pelo grupo brizolista em Montevidéo, consistia num grupo que tomaria uma cidade do RS, leria um manifesto, conclamando a população à rebelião contra a ditadura, fazendo explodir focos de insurreição em diversas partes do país, momento em que Brizola voltaria ao Brasil e ocuparia os setores midiáticos comandando o movimento de volta de Jango à presidência com o conclame de eleições.

473 SOUZA, Herbert. Teoria e Política. n.16, p. 36. 474 OLIVEIRA JR., Franklin. Op. cit., pp. 235.

Regionais (o que possibilitaria viagens a todas regiões montadas) e a realização de reuniões de assessoria nos meios, bem como o restabelecimento do estatuto e código disciplinar em nível nacional. Começa-se, também, a traçar os planos para a publicação do jornal mensal Revolução.

O encontro também é importante porque é em seu seio que começa a se delinear e se debater as teorias dos reformistas e dos revolucionários (PC chinês e Cuba), principalmente quanto à luta que se deveria intentar, definida como "luta armada". Nele há também a discussão de termos inéditos dentro da AP, como “a questão do Partido de vanguarda revolucionário”, frente de entidades e partidos. Esse limiar de tais divergências e lutas internas se acelerará a partir de então, culminando no "grande racha" de 1968.

A produção do Comando Nacional neste encontro ficou conhecida como Resolução Política475, último documento socialista, humanista e personalista da organização. Esta resolução intentava levantar pontos para auto-crítica da organização, tida como "revisionista" no pré-64, motivo da falha de seu projeto de sociedade. Não cabia uma transformação total de sua política: cabia sim, revelar os erros, obstáculos, deficiências teóricas e práticas da AP contidas em seu documento primeiro, o Documento-Base476. Era intento da publicação:

[...] esta resolução visa definir uma linha política revolucionária para a nossa organização, linha política que nos cabe levar à prática, não em um amanhã sempre remoto, mas a partir de hoje, sem adiantamentos. O que nos obrigará a arrancar nossa organização do seu atual estágio e dimensionando-a segundo as exigências de nossa opção original, fazê-la ingressar numa nova etapa de sua existência, etapa rigorosamente popular revolucionária. [...] o roteiro desta resolução será, depois de uma breve revisão autocrítica do movimento, o de retomar o Documento Base para reafirmar suas posições filosóficas, enriquecer suas análises históricas, e a partir daí, prolongando-o e completando-o, explicitar e definir a linha política e programática por ele esboçada.477

Como observado, cabia "reescrever" o DB: conhecê-lo, entendê-lo e completá-lo, visto que fora feito ainda no período democrático pela "velha AP" (cristã, idealista e utópica), que havia entrado desorientada e artificialmente no processo político, como uma "organização

475 Seu título, no entanto, era "uma política revolucionária para o Brasil". AÇÃO POPULAR. Resolução

Política. Campinas: Fundo Duarte Pacheco Pereira do Arquivo Edgard Leurenroth, 1965.

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Outros documentos da organização, como o Estatuto Ideológico, também foram debatidos. Idem, Ibidem, pp. 3-4.

democrático-reformista, representante da pequena burguesia radicalizada"478, perdendo assim, as rédeas dos acontecimentos e formando bases fracas nos setores camponês e operário, a quem a organização não teria conduzido e integrado "tática e estrategicamente no processo de luta revolucionária"479. O DB era um marco por definir-se pelo socialismo, superando assim as "posições ingênuas do simples anticapitalismo"480; mas sobravam críticas dos apistas, principalmente quanto à necessidade de uma análise histórica mais desenvolvida, onde se pudesse perceber o mundo subdesenvolvido, característico das sociedades latino- americanas481.

O documento começa por definir a etapa da revolução brasileira como "socialista de libertação nacional", corrigindo os problemas de falta de precisão do projeto insurrecional e da preparação evolucionária contidas no DB: se intentava agora, um caminho para o Estado Proletário sem a etapa do Estado Burguês, classe dependente do capitalismo monopolista e tido como "aliança problemática" no pré-64, que havia custado a queda do regime democrático e a falha no projeto político das esquerdas. Para tal, era preciso traçar uma "política revolucionária possível" e mais afinada com o momento histórico da organização.

A revolução socialista de libertação nacional, anti-imperialista e anti-feudal, baseava- se na luta armada, afinada com o "imperativo ético" de uma revolução concatenada com as ideias fidelistas, guevaristas e maoístas. Traçava-se, assim, a luta por meio da guerra de guerrilhas:

trabalho contínuo e sistemático de desgaste do inimigo e progressivo fortalecimento das forças revolucionárias até que, pelo trabalho crescente de conscientização, propaganda política, radicalização da luta institucional e formação gradativa do dispositivo armado popular, se torne possível [...] o confronto direto com o inimigo.482

478 OLIVEIRA JR., Franklin. Op. cit., pp. 173.

479 AÇÃO POPULAR. Resolução Política. Campinas: Fundo Duarte Pacheco Pereira do Arquivo Edgard Leurenroth, 1965, p. 7.

480

Idem, Ibidem, pp. 8-9.

481 Estas teriam crescido sob o capitalismo, por isso não havia gerado nações, e sim países dominados pelo comércio internacional, sendo o continente usado como parte da política militar dos EUA pós o século XVIII através do jogo dualista de dominação-libertação. Idem, Ibidem, pp. 6-7. Ver mais em OLIVEIRA JR., Franklin. Op. cit., p. 243.

482 Idem, Ibidem, p. 60. As fases da luta seriam: levantar os locais favoráveis ao desenvolvimento da luta, onde se tivesse aceso às técnicas e recursos materiais, para intensificação da guerrilha com vistas a formar o exército guerrilheiro (condições criadas a posteriori do foco insurrecional), para início da guerra de movimento. Após, com a vitória nessa primeira fase, se daria a ofensiva geral: a guerra de posições, quando o exército guerrilheiro infiltra-se nas áreas inimigas, criando zonas libertas revolucionárias.

Esta estratégia revolucionária, travada pela aliança entre operários, campesinato e os intelectuais revolucionários483, só seria possível a partir da "guerra política", único meio após o esgotamento do caminho institucional promovida pelo golpe de abril de 1964. Para tanto, se formou "Comissões": responsáveis por traçar o caráter político-militar da luta (radicalização progressiva da luta institucional, luta ideológica, organização revolucionária e articulação dos movimentos revolucionários da América Latina), e pela preparação dos núcleos guerrilheiros e de faixas de ação armada na cidade e no campo, através da constituição de dispositivos armados (Grupos de Ação Armada e Grupos Armados de Defesa Popular), gerenciados por um "Comando Militar" (além de comandos regionais), sob jurisdição de Paulo Wright, e posteriormente, de Haroldo Lima. Este era incumbido de ministrar cursos de emprego de armas e explosivos e de realização de ações guerrilheiras, de apoio tático, de sabotagem, propaganda política, guerra político-econômica e psicológica, entre outros. Exemplo das ações travadas por esses órgãos, foram a expropriação de um banco no interior de Alagoas, a tentativa de sabotagem do processo eleitoral de 1965 na Bahia, a explosão de uma bomba no Fórum Ruy Barbosa e o atentado ao aeroporto dos Guararapes em julho de 1966; fato que observaremos mais detalhadamente no próximo capítulo484.

Como havia sempre ocorrido com os documentos apistas, os intelectuais por trás da RP levaram-na a consultorias de lideranças importantes, como de padres e instituições católicas que nunca abandonariam o "apoio" à organização (via Betinho), de evangélicos (via Paulo Wright), de políticos renomados como Miguel Arraes e Brizola (através de Aldo Arantes), e de intelectuais simpatizantes e militantes de outras organizações políticas, como Fernando Henrique Cardoso, Rubem Paiva, Fernando Gasparian, Leôncio Basbaum e Heitor Faria Lima (contatos de Duarte Pacheco Pereira)485.

A nova diretiva da guerra e luta armada, baseada na guerra de guerrilha foquista, acaba por ocasionar o abandono natural de antigos militantes não concatenados com a nova visão da organização, como corrobora Duarte Pacheco Pereira, ao levar em consideração que aquelas

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A força principal da revolução seria o movimento camponês, à classe operária caberia papel decisivo nas fases finais da luta, com a ocupação dos aparelhos produtivos das classes dominantes. Ver em AÇÃO POPULAR. Formação do Dispositivo Armado. Campinas: Fundo Duarte Pacheco Pereira do Arquivo Edgard Leurenroth, 1965, p.8.

484

Ver em OLIVEIRA JR., Franklin. Op. cit., p. 268.

485 AÇÃO POPULAR. Comentários sobre a Resolução Política. Campinas: Fundo Duarte Pacheco Pereira do Arquivo Edgard Leurenroth, 1965.

crescentes transformações provocariam "tensões grandes dentro dos militantes [...] e fruto disso há a primeira, digamos, cisão, afastamento de vários dirigentes, militantes que não aceitam essa perspectiva que nós chamávamos de [...] reorganização."486. Nesse movimento, se afastaram da AP nomes importantes como Sérgio Vassimon (Serjão), Egydio Bianchi, Francisco Whitaker, entre outros487.

486 PEREIRA, Duarte Pacheco. Entrevista. Campinas: Fundo Duarte Pacheco Pereira do Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade de Campinas, s/d.

487 Para mais informações, ver depoimento de vários ex-militantes que abandonaram a organização e sua posterior relação com a mesma (caso de Vassimon), ver OLIVEIRA JR., Franklin. Op. cit., p. 253.