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Música e cura no grupo de Oração Emanuel III

2.3 Os Carismas do Espírito Santo no grupo Emanuel III

2.3.1 Música e cura no grupo de Oração Emanuel III

A “cura” dos fiéis é um dos principais focos em grupos de oração da Renovação Carismática Católica (SENA, 1999; SILVA 2011), de forma que os cantos com a temática de

70 Termo muito utilizado na RCC para designar a fala de alguém em público, especialmente em testemunhos pessoais de experiências religiosas e de leituras de passagens bíblicas.

71 O testemunho dentro da RCC é algo comum nos grupos de oração, onde as pessoas relatam experiências espirituais pessoais ou que sejam de seu conhecimento.

“cura”, são recorrentes nesses grupos. No grupo Emanuel III músicas com esse tema são cantadas pelo ministério de música e público com frequência nas reuniões. Quanto à influência da música nos carismas, a coordenadora cita o exemplo do carisma da cura, em que considera que a pessoa consegue abrir espaço em sua “racionalidade” com a música, auxiliando assim no processo de cura:

A música, eu acredito nisso, sabe, que às vezes até ajuda nesse desapego da pessoa com o próprio sofrimento, ela orando, cantando e abrindo o coração nessa oração musical ela tira esses obstáculos que são racionais para que aconteça ação do Espírito Santo. E quando ela vê, ela sente: “eu não sinto mais essa dor, eu não sinto mais essa angústia, eu não sinto mais esse pesar, essa tristeza não tá mais aqui, já foi!”. A cura de fato aconteceu quando ela, durante aquele processo de cantar e de fazer essa entrega grande a Deus através da oração cantada, ela quando percebe abriu mão né, assumiu, tomou posse da cura porque não deu à racionalidade dela a oportunidade de impedir o Espírito Santo de agir (R.F. Coordenadora do Grupo de Oração Emanuel III).

Na fala acima, a “oração cantada” é percebida como algo que permite ir além do racional, em que na experiência musical ligada ao sagrado no ato de cantar o indivíduo não cede à sua racionalidade a “oportunidade de impedir o Espírito Santo de agir”, de modo que temos na música a função de um elo que neutraliza os “obstáculos” racionais, conduzindo a pessoa no processo de cura (R.F. Coordenadora do Grupo de Oração Emanuel III).

Aqui, podemos também observar na música de uma forma geral a capacidade desta em contribuir no sentido de transcendência da racionalidade com sua propriedade não verbal. No grupo de oração Emanuel III, a função terapêutica da música pode também vir com músicas que não utilizam em suas letras diretamente o termo “cura”. O ministro de música O.C. descreveu que durante as reuniões do grupo, há cantos que conduzem a pessoa a se sentir “amada por Deus”, que ele descreve como músicas de “amorização”, e cita que no contexto da Renovação Carismática Católica a música que conduz a essa experiência é chamada de “música de cura” (O.C. Ministro de música do grupo de oração Emanuel III). Neste sentido ele aborda as ações e resultados envolvendo a música e o público dentro dessa experiência:

É um momento pra pessoa se descobrir, pra se sentir amada por Deus, porque muitas vezes a pessoa pensa assim: “nossa, meu pai não me ama, minha mãe não gosta de mim, o esposo não gosta”. Às vezes você imagina uma esposa saindo de casa, toda machucada, deprimida pelas questões de filho, de esposo, o esposo está no bar bebendo, aquela coisa toda, e ela vem se sentindo rejeitada, mas no momento em que ela escuta uma música, por exemplo: “Ninguém te ama como eu”72, ou uma outra música: “Sempre vou te amar, sempre vou te amar”73, aí ela vai se descobrindo que Deus é amor e que Deus ama ela do jeito que ela está, que ela não

72 Trecho da música “Ninguém te ama como eu” cantada como exemplificação durante entrevista. 73 Trecho da música “Sempre vou te amar” cantada como exemplificação durante entrevista.

precisa ficar só mendigando o amor deste mundo, mas que existe uma força maior (O.C. Ministro de Música do grupo de oração Emanuel III).

Assim, temos na visão do ministro O.C. a música como veículo da mensagem de evangelização, abordando contextos em que pessoas do público podem estar envolvidas, com exemplos de situações psicológicas e factuais, considerando que dentro desta religiosidade a música se apresenta como um meio para que haja essas ações e experiências entre a pessoa e o sagrado (O.C. Ministro de Música do grupo de oração Emanuel III).

Considerando as características próprias do conteúdo musical e suas influências nas emoções e consequentemente nos processos de cura; temos também no grupo Emanuel III o significado religioso da música em suas letras; na execução musical. O ministério de música considera ser guiado, inspirado e influenciado pelo Espírito Santo no tocar, cantar, na escolha de repertório e na recepção desta música pelo público, onde a música é considerada um meio para a ação do divino. Esse sentido nesse ambiente social é de maneira geral compartilhado entre todos os envolvidos, favorecendo o despertar de sentimentos, emoções e a interação e compartilhamento desses. Além do sentido religioso, podemos somar o fato de a música coordenar os movimentos e ações, colocando todos numa mesma sincronia e sintonia (LUCAS, 2005), o que gera um ambiente de interação, reciprocidade e o sentimento de pertença social. Nesse sentido, há uma consciência da influência da dinâmica musical, como seu ritmo e andamento, onde a música propicia a criação de um “clima”:

Na hora que inicia um grupo de oração a gente tem que soltar a mão mesmo, soltar o ritmo para o pessoal se soltar, é de acordo com o povo. Para o povo se soltar, a gente vai tocando ali animado, pra ver se as pessoas esquecem as coisas lá de fora e entram no clima. Aí no momento que entrou no clima a gente já começa a interiorizar mais e tocar as músicas mais lentas (O.C. Ministro de Música do grupo de oração Emanuel III).

Nas reuniões do grupo Emanuel III presenciei alguns testemunhos de pessoas do público afirmando ao final da reunião para todos os presentes que se sentiram tocadas por Deus e curadas durante as experiências ocorridas na reunião; porém, em conversas informais com o público e também com integrantes do grupo de oração, pude constatar que grande parte das curas e alívios físicos e psicológicos não são comentados publicamente, mas são relatados durante o convívio social, onde é comum expressarem a intenção de tornar essa experiência espiritual conhecida para todo o público do grupo. Nos relatos, há sempre a lembrança das músicas cantadas durante a experiência de cura. As mais citadas são “Vem Oh Água Viva” e “Cura, Senhor” onde os versos falam da cura através do auxílio espiritual:

MÚSICA: VEM OH! ÁGUA VIVA Batiza-me Senhor no Teu Espírito pois minh’alma sedenta está. Vem oh! Água viva , oh! Água pura fecundar meu coração.

Vem oh! Água viva , oh! Água pura transformar meu coração.

Cura-me Senhor no Teu Espírito pois meu coração ferido está. Batiza-me Senhor no Teu Espírito pois minh’alma sedenta está. Vem oh! Água viva , oh! Água pura fecundar meu coração.

Vem oh! Água viva , oh! Água pura transformar meu coração.

MÚSICA: CURA, SENHOR

Vamos Jesus passear, na minha vida Quero voltar aos lugares em que fiquei só

Quero voltar lá contigo, vendo que estavas comigo Quero sentir teu amor, a me embalar

Refrão:

Cura Senhor, onde dói Cura Senhor, bem aqui

Quando a lembrança me faz, adormecer Sabes que a espada da dor entra eu meu ser

Tu me carregas nos braços, leva-me com teu abraço Sinto minha alma chorar, junto de Ti

(REFRÃO)

Tantas lembranças eu quero, esquecer

Deixa um vazio em minha alma e em meu viver Toma Senhor meu espaço, te entrego todo o cansaço Quero acordar com tua paz a me aquecer

(REFRÃO)

Seeger, ao citar o seguinte trecho da obra de Merriam: “Música é usada em certas atividades, e se torna parte delas, mas pode ou não ter uma função profunda” (SEEGER, 1992, p. 13 apud MERRIAM, 1964, p. 210), aborda que se a música for usada para obter a “cura”, a sua função profunda pode ser algo passível de ser percebido pelo observador do “alívio emocional”.

O uso da música com o objetivo de cura é evidente nas letras das duas músicas acima citadas, mas em concordância com a visão de Seeger (1992, p. 13), no presente trabalho no grupo Emanuel III, em muitos casos, não seria possível o conhecimento da função da cura neste contexto musical religioso sem dar atenção ao discurso das pessoas que fazem parte dessa experiência, sendo perceptíveis as curas e alívios para essas pessoas, mas não para quem apenas observa.

Durante as entrevistas formais da pesquisa realizadas com o público, ministério de música, servos e coordenação do grupo de oração, de maneira geral o carisma da oração em línguas é sempre o mais abordado ou o único a ser citado. Na seção a seguir falaremos especificamente sobre este carisma.