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2.3 Os Carismas do Espírito Santo no grupo Emanuel III

2.3.2 A música e a oração em línguas no grupo de oração Emanuel III

2.3.2.2 Oração em línguas cantada

A oração em línguas, como relatado pelos próprios integrantes do grupo de oração Emanuel III pode ser “cantada”, o que quase sempre ocorre nas reuniões do grupo com o público, onde o ministério de música conduz as orações. De maneira geral, a concepção da oração em línguas cantada é entendida pelos integrantes do grupo e do público como uma oração que utiliza elementos musicais, como o canto e acompanhamento instrumental; sendo entendida como uma oração, mas não como música.

No grupo Emanuel III a oração em línguas cantada geralmente conta com o acompanhamento harmônico do violão, que em sua maioria é executado com uma sequência de pouca variação harmônica, de dois a quatro acordes, ou mesmo com a execução somente de um acorde, geralmente dedilhado no violão. O canto de maneira geral segue a armadura da tonalidade tocada. O tempo de duração da oração em línguas cantada é livre, variando geralmente entre 1 a 5 minutos.

Assim como nas orações faladas, também observei nas orações cantadas a repetição silábica e de sons vocálicos comuns, sendo que o que difere os palavreados entre os orantes está na interação do uso dos sons vocálicos e/ou junção dessas sílabas, como, por exemplo, pessoas que fazem o mesmo som vocálico como “ê”, “o”, mantendo ou variando a melodia, o uso de sequências de junções silábicas repetidamente, pessoas que mantêm a repetição da mesma sílaba durante toda a oração, e também pessoas que variam o uso entre sílabas, fonemas vocálicos e junções silábicas. Os fonemas vocálicos, sílabas e junções silábicas mais comuns na oração em línguas cantada possuem muitas semelhanças com os da oração em línguas falada. Dentre os fonemas vocálicos mais comuns estão: a, á, ã, ê, i, ô, u; que são utilizados em junções silábicas, sílabas ou mesmo sozinhos. As sílabas mais utilizadas são: lá,

lê, ia, iê, ia, iô, uô, ba, bê. A utilização das seguintes junções silábicas é também comum: iliabá, liaibá, êlaiá, iliê, laiá, ôliará, ôlierê, ialá.

Os fonemas, sílabas e junções silábicas que observei que são de comum utilização no grupo Emanuel III, são também utilizados em outros grupos de oração que visitei e também em rádios católicas e redes de TV católicas ligadas à RCC, como a Canção Nova. Assim, percebemos que há uma orientação que pode ser proveniente tanto das mídias católicas, como da experiência social anterior neste ou em outros grupos semelhantes. O ministro de música J.M. ao abordar a oração em línguas, afirma que esta se diferencia apenas por não ser compreensível para quem está orando, sendo que quando a oração que vêm de forma melódica, essa pode ter também uma harmonia no seu acompanhamento:

É como qualquer outra oração. A diferença é que você não compreende o que você está cantando. Nós acreditamos que é o Espírito Santo com “gemidos inefáveis”, como atesta São Paulo Apóstolo que ora em nós, é uma crença que temos baseada na Sagrada Escritura. Então a música se ela vem, se a oração vem, digamos assim num contexto melódico pode-se ter uma harmonia para poder acompanhar, isso é algo natural de acontecer, espontâneo (J.M. - Ministro de Música Grupo de oração Emanuel III).

Ao afirmar ser “espontâneo”, “algo natural de acontecer”, percebemos a absorção do ministro de música de referências culturais musicais normalmente utilizadas na música da RCC, como a prática da oração em línguas cantada poder ser acompanhada por um instrumento musical harmônico. Abaixo, temos a transcrição da oração em línguas com um trecho do que foi cantado e tocado pelo ministro de música J.M. (Ministro de Música do grupo de oração Emanuel III):

Figura 7 – Transcrição de trecho da oração cantada realizada pelo ministro de música J.M. durante reunião do grupo de oração Emanuel III

No exemplo acima, com a transcrição do trecho da oração em línguas cantada, podemos observar que a melodia da voz segue a tonalidade de Lá maior, e que as variantes um padrão dedilhado, alternando entre duas variantes do acorde de A: A4 e A9. O andamento lento de 60 bpm não teve variações durante a oração em línguas cantada, o que juntamente com o padrão do dedilhado do violão de apenas duas variantes do mesmo acorde de A, provocou certa estabilidade musical, contribuindo para um momento de oração mais introspectivo, em que o público reagiu ouvindo a oração ou cantando com volume de voz baixo, acompanhando com gestos espontâneos, com os olhos fechados, a mão no peito, cabeça baixa, as mãos estendidas em direção ao Santíssimo, e também as palmas da mão unidas em gesto de oração.

Neste exemplo, há alguns momentos como no compasso “4” em que há uma repetição da nota “mi”, o que nos recorda a oração falada, quando há pouca variação melódica e a altura da voz se assemelha à voz falada.

No que se refere à tonalidade escolhida para oração em línguas cantada, o ministro de música J.M. afirma que prioriza um tom que considera ser confortável para o canto do público presente:

Se eu for buscar algo pra corresponder por exemplo com a minha extensão vocal, eu prejudico o povo, então eu penso no povo, eu busco um tom confortável para que eu

proporcione ao povo cantar junto. Isso não só na oração em línguas, em qualquer música (Ministro de Música J.M. - Grupo de oração Emanuel III).

Neste sentido, o ministro de música J.M. ainda complementa que para de fato “servir” no ministério de música é necessário pensar nas pessoas ali presentes, enfatizando a importância da participação do público cantando as músicas e a oração em línguas, aqui também chamado por ele de “cântico inspirado”:

Uma coisa é você considerar eu estar ali para servir, e outra coisa é você estar ali e de fato servir. Servir não é estar ali cantando, servir é estar ali pensando no outro. Eu vou cantar uma canção, eu penso no povo. Este tom vai estar bom pra eles? Ele é confortável pra mim, mas pode não ser confortável para o povo, aí o povo não consegue cantar junto, entende? E eu diminuo, abaixo o tom pra eles cantarem com a música, com o cântico inspirado né, como nós chamamos o cântico em línguas, no cântico inspirado é a mesma coisa, busco um tom confortável para que eles possam acompanhar e fique assim, mais harmonioso (Ministro de Música J.M. - Grupo de oração Emanuel III).

Assim, percebemos a atenção para a participação do público também no canto da oração em línguas, em que há uma prioridade musical para que o público presente tenha uma tonalidade “confortável” (Ministro de Música J.M. - Grupo de oração Emanuel III), cabendo ao ministério de música adaptar as tonalidades às extensões melódicas que o público consegue cantar coletivamente77.

É muito citada também a “facilidade” em se fazer a oração em línguas “cantada”, com sua aprendizagem através da música:

Eu gosto da oração em línguas cantada porque ela é mais fácil, ela é mais fácil pra quem não sabe fazer a oração em línguas ou está aprendendo. A falada, ela gera uma dúvida muito grande na cabeça das pessoas, então eu, porque sou músico, então pra mim é muito fácil fazer uma oração mais natural com que eu faça a minha oração em línguas cantada (Ministro de Música C.R. do grupo de oração Emanuel III). Durante entrevista realizada, I. M. (Integrante do público do grupo Emanuel III) ressalva que a oração em línguas cantada não pode ser considerada como música, devendo ser sempre considerada como oração, independente da forma em que é realizada. Observa ainda que uma referência musical pode atuar como um facilitador para que as pessoas possam orar em línguas: “A oração em línguas é uma oração, não é música né, é uma oração; mas o ministério de música costuma incentivar, até pra ficar mais fácil as pessoas orarem em língua né, está cantando” (I. M. - Integrante do público do grupo Emanuel III). Logo após essa fala,

77 Essa adaptação à tonalidade ocorre durante a execução musical realizada nas reuniões, em que o ministério de música observa se o público está cantando juntamente com o ministério, de modo que, quando o ministério de música percebe uma dificuldade no público em cantar numa determinada tonalidade, a música pode ser imediatamente mudada para outro tom, até que se tenha uma ampla participação vocal do público.

I. M. (Integrante do público do grupo Emanuel III) exemplifica cantando um trecho da música “Eu navegarei”:

Figura 8 – Transcrição do canto de I. M. (Integrante do Público do grupo de oração Emanuel III) do trecho da música “Eu navegarei” durante entrevista concedida à autora.

Em seguida I. M. (Integrante do público do grupo de oração Emanuel III) complementa sua exemplificação cantando a mesma melodia substituindo a letra, dizendo antes “Aí eles (os ministros de música) pedem pra você falar:”:

Figura 9 - Transcrição do canto de I. M. (Integrante do Público do grupo de oração Emanuel III) com trecho da melodia música “Eu navegarei” durante entrevista concedida à autora.

Nesta exemplificação, podemos observar que I. M. (Integrante do público do grupo Emanuel III), ao utilizar a música “Eu navegarei”, muito cantada no grupo de oração Emanuel III, canta um trecho com a letra original e em seguida repete a mesma melodia substituindo a letra. Após o canto, I. M. (Integrante do público do grupo Emanuel III) explica: “Porque aí, naquele ‘lalaiá’, a pessoa se solta de repente a fazer, a produzir um som nessa linguagem pra se tornar mais fácil a oração em línguas. Então com isso acaba que cantando, começa também a orar, fazer melodia com aquela oração”. Nesse sentido, ainda observa que o contexto musical no ambiente também favorece para que a oração em línguas aconteça: “Eu acho que pra algumas pessoas facilita o orar cantando, motivado pela música, pelas pessoas que estão cantando, aí se envolve né! Aí fica mais fácil soltar e acompanhar” (I. M. Integrante do público do grupo Emanuel III). Temos nessa visão os aspectos da coletividade do canto, onde

os presentes envolvidos pelo contexto musical e social dão abertura para a experiência espiritual, como o orar em línguas.

A oração em línguas cantada, mesmo que realizada em conjunto, possui assim como a oração individual, características particulares, de modo que cada um ora com palavreados e melodias simultaneamente diferentes. Também há características que favorecem a oração simultânea entre os presentes, como uma mesma pulsação e tonalidade, favorecendo assim no ritual a experiência pessoal e coletiva no contato com o divino na experiência da oração pela via musical.