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TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

1.3. M ODELO DE A CUMULAÇÃO F LEXÍVEL E CONTEXTUALIZAÇÃO BRASILEIRA

A reestruturação produtiva se desenvolve no contexto latinoamericano de maneira que produz intensas consequências para o mundo do trabalho. Nesse sentido, a utilização do modelo neoliberal com base no Consenso de Washington23 somado a reorganização produtiva traz uma redução expressiva no parque produtivo industrial. Nessa lógica, a América Latina se insere em um processo marcado por privatizações, terceirização dos serviços e precarização, trabalho temporário e desemprego estrutural, além do aumento massivo da quantidade de pessoas em condições de miséria. (ANTUNES, 2011b). Nesse sentido, a América Latina

[...] foi o continente que primeiro experimentou elementos da pragmática política neoliberal, onde em meados da década de 1970 – portanto, muito antes dos governos de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher – , o regime terrorista de Estado instituído pela ditadura de Augusto Pinochet no Chile contou com consultores econômicos oriundos dos principais centros estadunidenses de formação e desenvolvimento neoliberal. Uma onda conservadora de reformas varreu o continente durante aproximadamente vinte anos, estendendo-se do México à Patagônia (ANTUNES, 2011b: 53).

Segundo Antunes (2011b), uma maioria massiva dos países latinoamericanos dotados de áreas industriais implementaram em suas empresas processos de downsizing, coibindo em grande redução na quantidade de trabalhadores e desenvolvimento de mecanismos de exploração da força de trabalho, que exprime as profundas mutações nos processos tecnológicos e informacionais. Nessa medida, a flexibilização e as novas formas de gestão produtiva vão sendo introduzidas de maneira intensa, mesclandas aos novos processos produtivos baseados no modelo toyotista. Nessa perspectiva,

[...] o processo de reestruturação em nosso continente apresenta um traço particular, proveniente da superexploração da força de trabalho e dos reduzidos níveis salariais, articulados [...] a um razoável padrão tecnológico. Isso acontece porque os capitais produtivos que atuam na América Latina buscam mesclar a existência de uma força de trabalho ‘qualificada’ para operar com os equipamentos microeletrônicos com padrões de remuneração muito inferiores aos dos países

23 O Consenso de Washington se refere a um conjunto de medidas em esfera macroeconômica aplicadas a

45 centrais – onde as empresas têm suas sedes – tudo isso acrescido das formas de desregulamentação, flexibilização e precarização da força de trabalho. A fórmula favorece [...] a intensificação da [...] superexploração do trabalho [...] [que] vem sendo fortemente ampliada durante as duas últimas décadas – quando tornaram-se ainda mais intensos o ritmo e a duração das jornadas de trabalho (ANTUNES, 2011b: 39).

De acordo com Pochmann (2001), grande parte das mudanças pelas quais os países latinoamericanos passaram no processo de reestruturação produtiva ocorreram em função do desenvolvimento econômico estimulado por políticas coordenadas pelos Estados nacionais – baseadas no discurso protecionista de fortalecimento do mercado interno por um lado, e por outro, em função da junção entre capitais produtivos domésticos e internacionais que criaram mecanismos de modificação no modo de inserção de vários países na economia mundial. Nesse cenário, afirma que tal processo culmina no abandono da antiga condição de divisão internacional do trabalho, que em momento anterior se sustentava basicamente por meio da exportação de matérias-primas e de produtos básicos.

Evidenciamos aqui o caráter contraditório do processo desenvolvimentista, onde, de acordo com Pochmann (2001), a estrutura econômica ao longo do tempo foi passando por um processo de modernização na medida em que houve a incorporação de novos segmentos a cadeia produtiva, produzindo um cenário de aumento contínuo na criação de empregos – com ênfase sobretudo nos setores secundário e terciário.

Aponta ainda o período que compreende os anos de meados de 1970 aos dias atuais para enfatizar a instauração de um movimento geral de precarização do mercado de trabalho, na medida em que se enunciava desde então a redução da capacidade de geração de novos empregos formais bem como a diminuição do poder de compra e o crescimento da subutilização da força de trabalho. Desde esse período era possível identificar o rompimento com o discurso desenvolvimentista, mas foi com a crise de 1982 que alterações no comportamento econômico e no mercado de trabalho começam a ocorrer de maneira mais severa (POCHMANN, 2001).

No Brasil, o primeiro grande surto de reestruturação produtiva surge no período pós 1945, associado a um forte processo de instauração industrial que se desenvolve a partir dos anos de 1950 com o governo Kubschek24, na chamada “era desenvolvimentista”. O segundo

24 O Plano de Metas não só altera o padrão de acumulação brasileira a partir de um processo massivo de

46 momento ocorre na virada para os anos de 1970, durante o período de ditadura intitulado “milagre econômico”25, e, por fim, a partir da década de 1990, sob a era neoliberal, a qual se

vincula a Terceira Revolução Industrial (ALVES, 2000).

Em meados de 1970, após o país experimentar o ápice promovido pelo ideal desenvolvimentista, experiencia uma crise sem precedentes, manifesta sobretudo a partir dos anos 80 em função do processo de internacionalização do capital. Nesse sentido, os mecanismos de concorrência tornam-se cada vez mais agressivos em função da crise mundial que passa a promover novos moldes de acumulação do capital (ALVES, 2000).

A partir da década de 1990 o processo de reestruturação produtiva do capital é intensificado, é estimulado pela nova divisão internacional do trabalho e pelas determinações do Congresso de Washington. Dos governos Collor a FHC, há a adoção de políticas neoliberais na tentativa de promoção e recuperação da produção interna do capital. Nesse sentido, houve uma tentativa de instauração de novos mecanismos de inserção internacional do capital no país, dando início a uma intensa onda produtiva associada a qualidade, tanto nos setores industriais quanto de serviços (ALVES, 2000).

Esse processo que combinou neoliberalismo e reestruturação produtiva do capital acaba por desencadear efeitos avassaladores à classe trabalhadora e ao movimento sindical, por exemplo. A lógica que sustentava a economia brasileira até esse momento – capital nacional, capital estrangeiro e setor produtivo estatal – é profundamente alterado na medida em que a política sintoniza-se ao Consenso de Washington, de modo que a subordinação do país aos interesses financeiros internacionais torna-se ainda mais latente (ANTUNES, 2011b).

Dessa forma, os anos de 1990 é marcado pela implementação de medidas com objetivo de atração de investimento de capitais no Brasil, que culmina na Reforma do Estado, condição necessária para manutenção do modelo no país. Tal processo, que parte de uma

desenvolvimentista promove uma “[...] intervenção deliberada para a expansão da acumulação do capital industrial, que deveria se dar com base numa nova inserção do capitalismo brasileiro no sistema do capitalismo mundial” (ALVES, 2000: 107).

25 O período compreendido entre 1968 a 1973 – intitulado “milagre econômico” – é marcado por elevados

índices de crescimento e desenvolvimento no Brasil, destacando-se a forte expansão do mercado de bens e consumos duráveis – indústria automotiva, por exemplo. Nesse sentido, houve um processo de reestruturação produtiva no cenário nacional associada ao paradigma taylorista/fordista, impondo novos padrões de organização industrial pautado no ideal flexível (ALVES, 2000).

47 combinação entre neoliberalismo e reestruturação produtiva do capital, traz repercussões sem precedentes a classe trabalhadora. Nesse sentido, a forte retração da força de trabalho industrial amplia de maneira expressiva o volume de terceirizados, subproletarizados e subempregados, lançando bases para o desenvolvimento das mais distintas formas de trabalho precarizado. (ANTUNES, 2011b)

Sobre as principais consequências do neoliberalismo somado a reestruturação produtiva do capital na América Latina, o que chama de “nova morfologia do trabalho”, Antunes (2011b) apresenta algumas das principais tendências sintetizadas na Figura 1, atentando-se ao caso brasileiro:

FIGURA 1 - Tendências da "Nova Morfologia Do Trabalho".

Fonte: Antunes (2011b), elaborado pela autora.