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maioria de alunos/as de elevado e baixo nível socioeconómico, por sexo e prova (pontos) – Portugal,

Fonte: DGEEC – DSEE - Estatísticas da Educação (2009/2010-2014/2015).

Fonte: PISA 2012. 2009/10 2010/11 2011/12 2012/13 2013/14 2014/15 85,9 85,9 84,2 84,6 85.6 86,0 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90

Apesar de não estar demonstrada a relação entre a disparidade entre homens e mulheres no corpo docente e o desempenho dos/as alunos/as, tem sido salientado o impacto que a falta de figuras adultas masculinas no contexto escolar, enquanto modelo de referên- cia masculino, poderá ter na desmotivação e na falta de envolvimento com a escola dos rapazes (Thornton e Bricheno, 2006). A par da população docente e não docente, também a população discente é importante na caracterização numérica do contexto es- colar. Em particular no que toca ao insucesso escolar, os resultados do PISA 2012 revelaram que os rapazes têm mais probabilidade de ter um pior desempenho quando a escola integra uma maioria de estudantes de nível socioeconómico desfavorecido (OECD, 2015) (figura 3.24). 0 20 40 60 80 100 120 140 104 110 109 91 93 97

CIÊNCIAS LEITURA MATEMÁTICA

Nos níveis de ensino mais baixos, as docentes mulheres representam tendencialmente mais de 90% do total, sendo que recentemen- te esse valor tem vindo a aumentar no pré-escolar e, pelo contrário, tem vindo a diminuir no 1º ciclo do ensino básico – respetivamen- te, 99,1% e 86,2% em 2015. Já no que se refere ao 2º ciclo do ensino básico e ao 3º ciclo do ensino básico e ensino secundário, após um sistemático aumento do corpo docente feminino entre 1973 e 1990, estabilizou em torno dos 70% a partir de 1996, com valores de 71,8 e 71,5%, respetivamente, em 2015.

Estes dados indicam, portanto, que a proporção de homens educadores nas escolas portuguesas é de menos de 1% no pré-escolar4,

13,8% no 1º ciclo do EB e 28,5% nos restantes níveis de ensino não superior. Sustenta-se, assim, para o contexto português o que Kim- mel, em 2010, define como feminização numérica do contexto escolar (European Commission, 2012). Da mesma forma, observa-se o predomínio das mulheres entre o pessoal escolar não docente do ensino pré-escolar, básico e secundário, com valores em torno dos 86% (figura 3.23).

Rapazes Raparigas

4 Importa recordar que, em Portugal, a formação específica em educação de infância surgiu na década de 1950 e estava vedada aos homens. Se o 25 de Abril de 1974 veio

3.4.2.2 Estereótipos de género nas práticas institucionais e educativas

A análise das práticas institucionais do contexto escolar indica que, apesar das políticas explícitas de equidade e igualdade, a escola é um contexto de reprodução de desigualdades e de es- tereótipos de género socialmente enraizados.

A literatura que se tem centrado na análise de manuais escola- res de diferentes disciplinas indica que a sua linguagem escrita e visual reforça os estereótipos de género através de um proces-

so de masculinização do genérico que resulta, não só na cons-

trução de imagens mentais que, sustentadas no sentido literal, colocam o género masculino como protagonista, como também na omissão das particularidades do género masculino e na dilui- ção simbólica do feminino (Silva e Saavedra, 2009). O recurso a este falso neutro (Barreno, 1985) é complementado por uma linguagem depreciativa e discriminatória face à mulher (Silva e Saavedra, 2009).

A identificação nos manuais escolares de representações pre- conceituosas do que é ser homem e do que é ser mulher, motivou a definição nos Planos Nacionais para a Igualdade no domínio da educação de uma medida que visa produzir, divulgar e acompa-

nhar a aplicação de instrumentos que promovam a igualdade de género e a cidadania junto dos alunos. Apesar de prevista

pela primeira vez em 1997, só em 2006 esta medida teve efei- tos práticos, com a entrada em vigor da Lei que define o regi- me de avaliação, certificação e adoção de manuais escolares (Lei nº 47/2006, de 28 de agosto). De acordo com esta Lei, cons- tituiu-se uma comissão responsável pela aprovação dos livros escolares a adotar no sistema de ensino português, garantindo que, de acordo com os princípios e os valores constitucionais, como o da igualdade, estes veiculam representações de género não estereotipadas.

Complementarmente, a partir de 2009, um novo passo foi dado, por iniciativa da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e com apoio do Programa Operacional Potencial Humano (POPH) e validação da Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC), com a elaboração dos “Guiões de Educação Género e Cidadania”. Estes constituem-se como documentos de orientação pedagógica para, em contexto escolar, promover a igualdade de género e a cidadania junto dos/ as alunos/as do ensino pré-escolar, dos 1º e 2º ciclos e do 3º ciclo do ensino básico.

Para lá do que é escrito e objetivo (currículo formal), está pre- sente no contexto escolar um currículo informal ou oculto que pode reforçar os estereótipos de género pelas interações pes- soais e pela forma como se organizam e gerem os tempos, os espaços e os recursos. Nas práticas e nas rotinas das escolas é possível identificar crenças e atitudes de discriminação de género que estão patentes em expetativas de desempenho e de comportamento diferenciadas, nas estratégias de aprendi- zagens definidas, na seleção e organização das atividades cur- riculares e não curriculares, e “na identificação de tendências e orientações vocacionais marcadas por aptidões ‘naturais’” (Silva e Saavedra, 2009: 64).

Este último aspeto aponta para uma segunda medida que cons- ta no II e no III Planos Nacionais para a Igualdade no domínio da

educação, a qual visa promover uma orientação profissional

que faculte opções não estereotipadas dos cursos e carreiras profissionais. Todavia, esta medida, dirigida concretamente à

formação de psicólogos/as responsáveis pela orientação esco- lar/profissional dos/as alunos/as em contexto escolar, ficou, de acordo com o relatório final do III PNI (Ferreira, 2010), aquém do esperado.

Em prol das suas funções de equidade e de igualdade, e tendo por base um princípio de uniformização, a escola constrange as crianças e os/as jovens com personalidades, atributos, interes- ses e motivações distintas, a uma só estratégia pedagógica e a uma única imagem de bom/a aluno/a que sustenta critérios de avaliação também únicos. Um/a bom/a aluno/a é aquele/a que se aplica nos estudos, está atento/a nas aulas, cumpre as tare- fas escolares, tem um bom desempenho e apresenta comporta- mentos de aceitação das normas e tranquilidade. Esta represen- tação aproxima-se das características estereotípicas femininas: a dependência, a imitação, a passividade e a conformidade (Ca- vaco et al., 2015).

De acordo com Cavaco e colaboradores (2015), também o estu- do e as tarefas escolares são comportamentos associados às raparigas, colocando mais uma vez os rapazes em situação de desvantagem. É neste contexto que Grácio (1997) salienta que as raparigas realizam mais facilmente “uma boa aprendizagem do seu ofício de alunas” (Gracio, 1997: 74).

Se as raparigas tendem a ter um conjunto de atributos que facili- tam a sua integração e o seu sucesso escolar, os rapazes, influen- ciados por um modelo de masculinidade hegemónica, adotam nos estabelecimentos de ensino comportamentos agressivos reveladores da sua virilidade que originam problemas de apro- veitamento e, consequentemente, insucesso e abandono esco- lar (Amâncio, 2004).

A feminização do contexto escolar pode potenciar nos rapazes um choque entre os atributos adquiridos e os exigidos no mo- mento de entrada na escola. Isto exige dos rapazes um maior esforço para se adaptarem e adequarem ao contexto escolar e serem bem-sucedidos no seu percurso académico. A pressão para moldarem as suas atitudes e os seus comportamentos a um padrão de comportamento tradicionalmente feminino, imposto pela escola e pelos professores, leva a que muitos rapazes se vão progressivamente afastando da escola e das aprendizagens que esta proporciona (Cavaco et al., 2015).

Para além disso, este choque que a escola provoca nos alunos rapazes é contrastante com as exigências e as competências valorizadas num nível de ensino superior e no mercado de traba- lho, estas sim mais consistentes com os atributos incutidos aos rapazes no decurso da socialização primária: rapidez e compe- titividade nas aprendizagens, raciocínio lógico, assertividade e proatividade na resolução célere e eficaz de problemas. Apesar de identificadas e reconhecidas na literatura as múltiplas formas como o contexto escolar reproduz estereótipos e dispa- ridades de género que condicionam o desempenho, o sucesso e o percurso escolar de crianças e jovens, continua a falar-se numa

invisibilidade das desigualdades (Cavaco et al., 2015).

perspetiva de género, Cavaco e colaboradores (2015) desenvol- veram um estudo qualitativo no qual entrevistaram alunos/as, encarregados/as de educação, diretores/as de escola, profes- sores/as e auxiliares de educação. Os seus resultados sugerem que o género na escola e as disparidades de género no sucesso e no abandono precoce “não faz[em] parte das reflexões e preo- cupações” do corpo docente e não docente (Cavaco et al., 2016: 222). Entre os/as diretores/as de escola e os/as professores/as predomina o discurso de uma igualdade de oportunidades esta- belecida e interiorizada para não “abrir espaço para a atribuição de responsabilidades da escola na produção dessas diferenças” (Cavaco et al., 2016: 223). Os/as auxiliares de ação educativa, por seu turno, reconhecem as diferenças de género no insucesso e no abandono, descrevendo os rapazes como desligados e irrespon- sáveis e as raparigas como mais focadas e responsáveis. Uns/ umas e outros/as têm em comum a responsabilização dos/as alunos/as e das suas famílias, marcados pela sua origem social e cultural, pelos fracassos no percurso escolar.

Daqui decorre a importância de tornar visíveis, entre os diversos atores da escola, as disparidades e os enviesamentos de género aí presentes, assumindo-os abertamente como um tema de re- flexão e debate que reconheça as necessidades e os interesses específicos dos/as alunos/as e potencie, para lá da igualdade de oportunidades entre rapazes e raparigas, a igualdade nos resul- tados e percursos escolares.

A evidência do insucesso e do abandono escolar dos rapazes, a par da identificação dos processos de (re)produção de estereóti- pos e de disparidades de género na escola, sugere pois a incapa- cidade desta em assegurar a integração e a formação académica de todos/as porque se sustenta num princípio de uniformização e não adota “princípios de diversidade que permitam responder de maneira diferente às diferentes necessidades e possibilidades de cada aluno/a” (Nóvoa, 2006, nota de rodapé 20).