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10 MAIS DOIDO DO QUE EU IMAGINAVA

Cansados, sofridos com a morte de Vicente, ninguém na casa dos Amendoeira tinha condições de raciocinar. Pelo menos naquele dia.

No dia seguinte, Jorge acordou com uma idéia. Ele esperou que todos tomassem o café da manhã, que Pedro partisse e tudo se acalmasse, para falar com Janaína.

—Vamos ao Arquivo Histórico Municipal. Talvez encontremos alguma coisa que nos ajude a pensar.

A garota concordou logo. Era uma oportunidade a mais de fazer turismo. Maria de Fátima, não sabendo das intenções dos dois, também achou bom que eles passeassem. —Vai distrair-te, minha filha! O clima entre os adultos está muito pesado. Não é justo que te aborreças com esses problemas.

Ao saírem, Janaína e o rapaz encontraram um garoto parado na porta do sobrado. Tinha um jeito de contínuo de empresa e já ia tocando a campainha.

—Pois não!—atendeu Jorge.

—É aqui que mora José Carlos de Amendoeira?—perguntou o menino. —É meu pai, por quê?

—Tenho uma carta para ele. Mas é preciso que assinem o protocolo.

Jorge assinou sem prestar atenção. Apressado, abriu a porta de casa, largou a correspondência no console do vestíbulo e foi embora.

Não demorou muito para Cecília passar ali e notar aquele envelope, com o logotipo do Banco Imobiliário.

—O que será isso?—ela se perguntou.—Ai Jesus!—exclamou em seguida, chamando o marido.

Com direito a alguns dias de folga, por motivo de luto, José Carlos não tinha ido trabalhar. A mão dele tremia ao abrir a carta. As suspeitas de Cecília se confirmaram. Era uma intimação para tratar de assuntos relacionados à hipoteca da casa.

... Solicitamos o comparecimento de V. Sa., no prazo máximo de 48 horas, dizia o texto,

—Já devíamos esperar por isso, Cecília—falou José.

—Mas essa hipoteca ainda demora a vencer!—argumentou a mulher.—Se não estou enganada, ainda falta um ano!

—Acontece que, com a morte do pai, tudo muda—retrucou ele, disfarçando o nervosismo.

Embora não falassem alto, o som das vozes subia pelo vão da escada. No andar superior, Maria de Fátima ouviu a conversa e desceu.

—Provavelmente, o banco quer que tu avalizes a dívida do pai—opinou ela. José Carlos ignorou o comentário. A irmã insistiu.

—Seria ótimo se conseguisses negociar um prazo maior. Assim, teríamos tempo de levantar o dinheiro. Sabes, estive pensando...

—Estiveste pensando em quê, ó raios!—explodiu o irmão, como se extravasasse de vez toda a tensão acumulada nos últimos dias.—Nunca te preocupaste com nada a não ser com a tua própria vida. Só deste desgosto a nossos pais...

Embora ofendida, Maria de Fátima compreendia o estado dele. Ao invés de discutir, procurou acalmá-lo.

—Eu quero ajudar. Será que tu não me entendestes? Trabalharei em dobro, se for preciso...

Mas a mágoa de José Carlos era grande demais. Difícil de conter.

—Guarda a tua generosidade para os negros—ele gritou e saiu, batendo a porta. No beco, encontrou Manoel Louco sentado no banco. Foi falar com ele.

- Por acaso tu viste alguém entrando na minha casa, ontem, depois que o enterro saiu? Manuel arregalou os olhos de modo insano. Ficou calado por uns instantes e depois respondeu:

—Mateus Vicente ainda não se desligou da terra. Ronda por aí, fazendo das suas, assustando as pessoas...

"Ele anda mais doido do que eu imaginava", pensou José Carlos. Desistindo de ouvir, largou o velho falando sozinho.

Enquanto isso, no sobrado, Cecília estava chocada com a agressividade do marido. Maria de Fátima permanecia ali, no pé da escada, segurando a vontade de chorar. Foi quando apareceu Mafalda, trazendo uma xícara de chá.

—Toma isto e não ligues para ele!—disse.

Bondade e ironia expressavam-se nos olhos da velha. A sobrinha não percebeu.

—Eu nunca vi o José assim—lamentou a esposa.—Tenha certeza de que ele ainda vai pedir-te desculpas. Vamos para a sala...

Era amável o jeito de Cecília falar. Parecia sincero. Com lágrimas nos olhos, Maria de Fátima contou para as duas o que havia planejado para ganhar dinheiro.

—A idéia é montar um ateliê de cerâmica cá em Portugal. Eu tenho experiência. O único problema é arranjarmos um forno. Mas deve existir alguém que alugue um. Podemos produzir objetos de arte e também peças utilitárias. Mas tudo muito requintado, para turistas ricos.

—Falas como se morasses aqui!—interferiu a cunhada.

—Não moro, mas posso passar uns tempos. Se ouvi bem, disseste que falta um ano para vencer a hipoteca...

—Mas e teu marido, tua filha?—perguntou a tia.

—Eu teria de conversar com eles. Janaína tem aulas no Brasil, não poderia ficar. Mas tenho a certeza de que compreenderiam, um ano passa depressa.

Mafalda permanecia cética. Cecília, porém, começava a ficar empolgada. —Poderemos trabalhar em casa mesmo!

—É claro—confirmou Maria de Fátima.

E, assim, as mulheres continuaram traçando planos para o futuro.

Enquanto isso, Jorge e Janaína sonhavam com o passado, meio perdidos entre os fichários do Arquivo Municipal.

—Será que é melhor procurarmos por assunto? — perguntou o rapaz. —Que assunto? Reconstrução de Lisboa, por exemplo? —indagou a garota.

—Deve ter muito material sobre isso. Passaríamos dias, meses, pesquisando. —E pelo nome da família?—sugeriu Janaína.

—É melhor pedirmos ajuda—decidiu Jorge, procurando a bibliotecária. Ele explicou o que queria.

—Procura pelo nome que tu vais achar—disse a moça, com tanta segurança que o rapaz até estranhou.

De fato, ele encontrou uma ficha com o nome: Amendoeira, Mateus Vicente de. Imediatamente, preencheu a requisição, ansioso por receber o material para consulta. Era uma espécie de dossiê sobre a vida do famoso arquiteto. Não havia documentos sobre a tal recompensa em moedas de ouro. Mas, em algum daqueles papéis, o rapaz leu que Mateus Vicente tinha sido expulso da corte junto com o marquês de Pombal. —Isso está confirmado, ao menos — comentou de. —Vamos embora, nada mais aqui nos pode ajudar.

E a visita ao arquivo só não foi inútil de todo por causa de um comentário da bibliotecária. Na hora em que os jovens iam saindo, ela disse:

—Curioso, nunca alguém se havia interessado por esta pasta. No entanto, desde ontem, já é a terceira vez que ela é requisitada.

—Terceira vez!?—exclamou Janaína. —Desde ontem!?—emendou Jorge.

—E uma delas foi hoje cedo. Meia hora antes de vocês— completou a moça.