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Mais maleabilidade, menos imposição

Capítulo 3 – Comunicar em rede

3.2. Mais maleabilidade, menos imposição

Com a desmonopolização do setor audiovisual, o jornalismo pressionou uma reformulação dos seus métodos de trabalho. Alicerçados em paradigmas diferenciados e interativos, diversos media não deixaram de fortalecer a sua presença online. Estava em causa a robustez de uma comunicação em tempo real, que dispensa vários aspetos inerentes à produção analógica de informação. De acordo com Schudson (2010), citado por Carlota Pires (2013: 53), “a Internet esbateu restrições físicas impostas pelo tempo e

espaço e permitiu ao indivíduo comum aceder, pela primeira vez, aos seus conteúdos de interesse em qualquer lugar, 24 horas por dia, gratuita e instantemente”.

Ora, esta conversação na rede de redes puxou pela necessidade de rentabilizar as “potencialidades da publicação eletrónica na rede mundial de computadores” (Bastos, 2000: 106), sobretudo numa época em que “as vantagens visuais da TV, a mobilidade do rádio, a capacidade de detalhamento e análise do jornal e da revista, e a interatividade da multimídia tornam promissor o jornalismo na Web” (Pinho, 2003: 113). Com efeito, a esfera jornalística teve inevitavelmente de experimentar constantes adaptações ao meio

online, muito tempo antes da explosão do conceito de rede social.

Roger Filder designa o processo de mediamorfose, que assenta em duas premissas complementares: “os novos media não surgem de forma espontânea e independente - emergem gradualmente dos velhos media”; e, “quando surgem as formas mais novas dos meios de comunicação, as formas mais velhas habitualmente não morrem - elas tendem a evoluir e adaptar-se” (Filder, 1997: 23). Como elemento preponderante neste percurso, a tecnologia remete, hoje, não a alguns aparelhos, mas, sim, a novos modos de perceção e de linguagem, a novas sensibilidades e escritas” (Martín-Barbero, 2006: 54).

Desta forma, “deixou-se para trás a fase monomédia do jornalismo, em que leitores, ouvintes e telespectadores produziam pouquíssimo feedback perante a publicação dos acontecimentos (cartas ao diretor de um jornal, telefonemas para programas de televisão sobre a atualidade ou fóruns na rádio) e passou-se a integrar a fase da instantaneidade, da interatividade, do hipertexto e da ubiquidade” (Pacheco, 2014: 73). Como consequência multiplicaram-se as possibilidades de interação, colocando nas mãos do leitor um poder até então configurado de forma unidimensional nas instituições jornalísticas.

Nada disto foi, porém, conquistado pela rapidez de processos. Os primeiros tempos vividos por jornais, rádios e televisões na WWW resumiram-se à transposição integral de conteúdo dos meios tradicionais para as novas plataformas, num fenómeno celebrizado como shovelware. Com o tempo descobriu-se o modo de execução de uma comunicação mais maleável e menos palpável. “Cada novo meio passa por um período de indefinição até estabilizar um conjunto de características próprias. Isso significa que os novos meios começam por misturar os conteúdos dos seus antecessores (remediação) até estabilizarem

uma linguagem própria (convergência)” (Canavilhas, 2012: 10).

Fernando Zamith divide esse registo linguístico em sete características denunciadoras de potencialidades para o jornalismo praticado na Internet: interatividade, hipertextualidade, multimedialidade, instantaneidade, ubiquidade, memória e personalização. Desde logo, a interatividade, ao remeter o leitor para uma maior preponderância no processo de construção noticiosa, responde pela “interação humana (entre dois ou mais seres humanos) potenciada pela máquina e não apenas da reação do homem ao que outro lhe oferece, por intermédio da tecnologia” (Zamith, 2011: 27).

Partindo da escrita e a leitura não linear dos sistemas de computadores na WWW, a hipertextualidade define a “capacidade de interligar vários textos digitais entre si” (Salaverría, 2005: 30), originalmente desordenados ao longo do cibermeio. Já a multimedialidade aponta para a “convergência dos formatos dos media tradicionais (imagem, texto e som) na narração do facto jornalístico (Palacios et al., 2002: 5), que se conjugam frequentemente com o hipertexto, numa realidade designada de hipermédia.

No contexto do ciberjornalismo, as redações deixaram de se reger pelos horários dos noticiários em virtude de uma atualização contínua, universal e mutável. “A instantaneidade assume importância especial na cobertura noticiosa tanto de factos imprevistos (como acidentes, catástrofes naturais ou atentados) como de acontecimentos programados (competições desportivas, conferências de imprensa, sessões de bolsa, congressos ou outro tipo de eventos)” (Zamith, 2011: 35).

De facto, a Internet acompanha-nos para todo o lado. Essa ubiquidade otimizada pelos dispositivos móveis gerou oportunidades de rentabilizar um mercado jornalístico global, muito para lá as fronteiras locais, regionais ou nacionais subjacentes à maior fatia dos órgãos de comunicação social convencionais. “Mesmo que o seu cibermeio tenha como público-alvo utilizadores de uma determinada área geográfica, o ciberjornalista tem de ter sempre presente que está a produzir para um meio que permite que o seu trabalho possa ser acedido a qualquer hora em qualquer parte do mundo” (ibidem: 35).

Com a ausência de cortes impostos pelo espaço ou pelo tempo, a Internet denota uma “memória múltipla, instantânea e cumulativa” (Palacios et al., 2002: 4), que permite arquivar, reutilizar e disponibilizar todos os dados outrora lançados no cibermeio. Por

fim, a personalização “consiste na opção oferecida ao utilizador para configurar os produtos jornalísticos de acordo com os seus interesses individuais” (ibidem: 4). Segundo Joseph Daniel Lasica, nada ameaça mais os “guardiães dos velhos media” do que as notícias personalizadas, que “reduzem o papel dos editores” (Lasica, 2002: 1) e situam “o individual no centro e o coletivo na berma” (Zamith, 2011: 39).

Através destas características abrangidas pela narrativa digital, o modelo clássico da pirâmide invertida “torna-se insuficiente quando não diretamente inútil” (Salaverría, 2005: 110) e incentiva a criação de fluxos bidirecionais entre jornalistas e audiência, bem nos antípodas da tradicional interação “reativa, mecânica e intuitiva” (Amaral, 2005: 137). Ou seja, não só os leitores sofrem a influência dos jornalistas, como os profissionais são influenciados pelos internautas e até pelas próprias fontes.

Como ninguém nasce ensinado, toda esta constante novidade configurada por “novas competências narrativas, linguísticas, iconográficas e estéticas” (Canavilhas, 2006: 116) continua a exigir dos internautas um período de aprendizagem e de adaptação - sobretudo daqueles que não são propriamente nativos digitais. É que o modelo de jornalismo em causa está longe da sua resolução final. Trata-se, sim, de “uma das primeiras fases de uma viagem semântica, linguística e estilística que acaba de começar e cujo desenvolvimento depende dos avanços científicos e da evolução do jornalismo e da sociedade” (Edo, 2007: 11).

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