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A malária foi o principal risco infecioso e a principal causa de hospitalização

ESTUDO 3 – ESTADO DE SAÚDE GERAL NUMA AMOSTRA DE EXPATRIADOS

5.4. A malária foi o principal risco infecioso e a principal causa de hospitalização

Considerando o tempo total de expatriação, a diarreia foi o problema de saúde mais frequentemente referido, seguido da malária, mais frequentemente referida naqueles com maior tempo mediano de expatriação.

As doenças diarreicas são a doença infeciosa mais frequente em viajantes de longa duração para países em desenvolvimento, podendo condicionar incapacidade laboral temporária e havendo uma tendência para menor disciplina no cumprimento das medidas de higiene alimentar com o tempo de permanência no destino [44,111].

Cerca de 5,0 por 100 expatriados-ano referiu pelo menos 1 episodio de malária e 3,4% referiu ter tido malária nos 3 meses transatos, sendo a doença a principal causa de hospitalização. Os expatriados para regiões endémicas em malária, como é o caso de Angola e Moçambique, são habitualmente indivíduos não-imunes, sendo a malária o principal risco infecioso nestes viajantes, dada a frequência e gravidade. Os dados indicam que a incidência de malária aumenta e a adesão às medidas preventivas diminui, com o tempo de permanência em área endémica. A morbilidade proporcional por malária é significativamente superior à dos não expatriados; o risco de doença é cumulativo e; o tempo de permanência em área endémica correlaciona-se com a probabilidade de contrair malária [106,113]. A comprovada segurança e eficácia da quimioprofilaxia em regime de longa duração fundamentam a recomendação pelas autoridades de saúde para a sua utilização continuada em regiões com transmissão contínua de malária, como é o caso da África subsaariana, mas, está claramente documentado que os níveis de adesão desejados apenas raramente são atingidos. A adesão à quimioprofilaxia tende a diminuir com o tempo de permanência em regiões endémicas [111,113,166]. A necessidade de toma prolongada, a toxicidade atribuída aos antimaláricos e a perceção do risco individual pelos viajantes são fatores que contribuem para a baixa adesão.

Na amostra em estudo (em meio urbano, tempo mediano de expatriação de 3 anos), menos de 2% dos indivíduos estavam sob quimioprofilaxia e 60% tinha efetuado quimioprofilaxia apenas numa fase inicial. De entre eles, 30% referiu sintomas que atribuiu à medicação, mais frequentemente alterações do sono e alterações gastrointestinais.

Prevenir malária: doença endémica e risco ocupacional

As recomendações sobre quimiprofilaxia para a malária devem ser individualizadas, tendo em conta o destino, o conhecimento dos sintomas e a acessibilidade aos cuidados de saúde. Essa individualização inclui não só a decisão sobre o antimalárico adequado como a recomendação ou não de quimioprofilaxia de longa duração.

Têm sido sugeridas alternativas à quimioprofilaxia continuada no expatriado como, por exemplo, quimioprofilaxia sazonal em regiões com estações secas e de chuvas claramente definidas, procura imediata de cuidados de saúde e tratamento em caso de sintomas, e, recurso a tratamento de emergência de reserva.

Na África subsaariana, observou-se um gradiente urbano – rural de risco malária, sendo que, com base na taxa entomológica de inoculação, verificou-se risco crescente de malária das zonas urbanas para as zonas peri-urbanas e para as zonas rurais [193]. Isto pode levar a que, em expatriados que residam em zonas urbanas, sendo o risco de malária comparativamente menor, se prescinda de quimioprofilaxia, desviando a estratégia no sentido da gestão e tratamento dos casos de doença, mais a mais considerando tempos de expatriação prolongados como os observados no presente estudo [194].

O diagnóstico precoce e tratamento adequado e atempado dos casos de doença reduz a probabilidade de complicações e letalidade da doença. A estratégia implica, por um lado, a capacitação do indivíduos para o reconhecimento dos sintomas e procura imediata de cuidados médicos, que deve fazer parte da educação e preparação do expatriado, e, por outro lado, a garantia de acessibilidade a cuidados de saúde competentes, que devem estar previamente identificados. Os expatriados fazem habitualmente consulta de aconselhamento médico pré-viagem, o que permite o reforço educacional: na amostra, cerca de 97% dos indivíduos realizou aconselhamento médico pré-viagem. O conhecimento sobre malária em viajantes portugueses em trabalho para Angola, com tempo de permanência maioritariamente superior a 3 meses, foi elevado (Estudo 2) [24]. No entanto, a acessibilidade a cuidados médicos de qualidade pode estar dificultado em países em desenvolvimento, sobretudo em áreas mais remotas. Foram também identificados problemas como diagnósticos incorretos ou sobre-diagnóstico, tratamentos desadequados para indivíduos não imunes e contrafação de antimaláricos [113,195]. Na amostra em estudo, cerca de 50% dos indivíduos considerou a assistência médica no país de expatriação má ou muito má e cerca de 30% como razoável. O tratamento de emergência de reserva, que o indivíduo adquire e leva consigo em viagem, permite providenciar ao expatriado o acesso a um ciclo de tratamento seguro, eficaz e bem tolerado, que, não substituindo a assistência médica, pode ser utilizado em caso de dificuldade no acesso atempado a cuidados de saúde de qualidade. Esta estratégia implica que o expatriado esteja informado sobre os sintomas da doença e aprenda a utilizar corretamente a

medicação, sendo importante reforçar que o auto-tratamento não surge como alternativa a assistência médica mas como uma medida a ser utilizada em caso de demora previsível no acesso a assistência médica. O recurso aos kits de diagnóstico rápido para autodiagnostico de malária surge aqui como forma de permitir ao expatriado o diagnóstico, orientando a decisão de iniciar auto-tratamento ou reforçando a decisão de procura de assistência médica, sendo uma opção interessante a equacionar em casos selecionados [167,168]. A sua utilização neste contexto é controversa, sendo necessária evidência para validação desta estratégia. Apesar de teoricamente simples, a sua aplicação, assim como a leitura e interpretação do resultado pode não ser linear para leigos, implicando instruções simples mas detalhadas, treino na utilização e possibilidade de recurso a demonstrações visuais educativas em qualquer altura (ex. vídeo- gravações disponíveis e acessíveis em plataformas digitais móveis). Também implica alertar o utilizador para a possibilidade de falsos positivos e falsos negativos, assim como para o fato de o resultado se manter positivo durante alguns dias mesmo sob tratamento eficaz, não substituindo, por isso, a microscopia convencional no diagnóstico e monitorização terapêutica. Existe, para além disso, uma diversidade de kits de diagnóstico rápido disponíveis com diferentes sensibilidades e especificidades, sendo necessário controlo de qualidade e recomendações sobre os tipos e as características dos testes elegíveis neste contexto, que podem depender nomeadamente da região geográfica onde serão aplicados e condições de acondicionamento no destino.

As medidas antivetoriais de proteção pessoal tornam-se ainda mais importantes em casos de não utilização de quimioprofilaxia e a sua pertinência deve ser educacionalmente reforçada. Cerca de 90% do total de indivíduos referiram recorrer a medidas antivetoriais de proteção pessoal, mais frequentemente a utilização de ar condicionado na habitação e menos frequentemente a de rede mosquiteira.

O fato de os expatriados serem indivíduos deslocados do seu país de origem por motivos profissionais e de a malária ser uma doença endémica no país de expatriação, podendo ser encarada como doença ocupacional, impõe o envolvimento da entidade empregadora no processo e na estratégia de abordagem da malária. Este envolvimento deve estender-se desde a preparação educacional do indivíduo até à garantia de acesso a diagnóstico precoce e tratamento adequado em estruturas de prestação de cuidados de saúde previamente identificadas no destino, e salvaguardando a possibilidade de evacuação/repatriamento, se necessário. A necessidade de diagnóstico e tratamento pode também surgir no país de origem, durante períodos de regresso temporário ao país de origem (ex. férias) ou em resultado de evacuação e repatriamento. Assim, as unidades e estruturas de saúde no país de origem também devem estar preparadas para a gestão, diagnóstico e tratamento de casos importados, que podem surgir na sequência de manifestação de doença .

5.5. Conhecer e monitorizar o estado de saúde do expatriado contribui para