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O número anual de casos importados de malária é muito superior ao notificado

ESTUDO 1 – MALÁRIA IMPORTADA EM PORTUGAL: IMPACTO, TENDÊNCIAS,

5. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

5.2. O número anual de casos importados de malária é muito superior ao notificado

Este estudo confirma que o número de casos de malária importada em Portugal é muito superior ao notificado.

A sensibilidade da notificação dos casos com internamento hospitalar foi quantificada em 21,2% (IC 95% 19,7-22,7) e a da notificação dos óbitos em 26,5% (IC 95% 17,0-36,0), entre 2000 e 2011, através do método de captura-recaptura.

Estes dados denunciam um desempenho não satisfatório da metodologia de vigilância de malária, que está incluída no sistema de vigilância de doenças de declaração obrigatória (DDO). É ainda de salientar que os casos de malária que justificam internamento hospitalar correspondem a uma parte no espectro da doença (aos casos com critérios de gravidade), sendo expectável que muitos casos, senão mesmo a maioria dos casos seja tratada em regime ambulatório, e, por isso, não constam na base de dados dos GDH. No entanto, quando considerado o total de notificações (n=662), apenas 56 (8,5%) correspondiam a casos não hospitalizados, o que acentua o insuficiente desempenho do sistema de vigilância.

A subnotificação da malária importada não é uma novidade mas é preocupante. Em Portugal não existem estimativas quantificadas, sendo o valor observado (78,8%) superior às raras estimativas existentes de alguns países europeus (20 a 65%) [76,99–101].

A malária está incluída no Sistema Nacional de Vigilância de Doenças Infecciosas, um sistema de vigilância passivo baseado na notificação obrigatória de doença pelo médico que faz o diagnóstico e assiste o doente [12]. Durante o período em análise, os procedimentos para a notificação podem ser considerados pouco user-friendly e morosos. Implicam o preenchimento de um formulário standard, em papel, que, em muitas instituições de saúde, pode não estar facilmente disponível e que deve ser enviado por correio, sendo assim fácil de inferir que os esquecimentos relativamente à notificação possam ser frequentes. A obrigatoriedade da notificação da doença pode, por outro lado, ser desconhecida ou desvalorizada pelos médicos. Para além disso, os inquéritos epidemiológicos aos casos e contatos, legalmente preconizados, só raramente são efetuados. Por outro lado, a utilização de um formulário comum a todas a doenças infeciosas, frequentemente com omissões no preenchimento, e a rara realização dos inquéritos epidemiológicos leva a que informação epidemiológica relevante no caso de malária

diagnóstico/início de tratamento, duração e objetivo da viagem, tratamento efetuado, medidas pessoais preventivas utilizadas.

O excesso de trabalho, a falta de tempo, o desconhecimento da listagem de doenças de declaração obrigatória, a não compreensão da importância da notificação e as questões relacionadas com a confidencialidade dos dados foram identificados, por alguns autores, como fatores que contribuem para a subnotificação e, provavelmente, podem ser aplicados à realidade portuguesa [141,142]. Para além disso, e, ao contrário de outros países europeus com melhor desempenho em termos de notificação após a inclusão de notificação laboratorial, em Portugal não existe, de momento, sistema de notificação de base laboratorial, ou seja, em que o laboratório notifica o caso [76,99,100,143,144].

Este estudo confirma que a subnotificação malária é um problema de saúde pública que implica uma estratégia de abordagem dirigida de modo a identificar e debelar as razões que lhe estão subjacentes. A morosidade na notificação, a qualidade dos dados, a sensibilidade do sistema de notificação, a logística e burocracia implicadas, a ausência de notificação laboratorial, como acima referido, são limitações a considerar, a que se soma a escassa atividade sistemática de avaliação do sistema de vigilância. Os sistemas baseado na notificação eletrónica foram considerados mais eficientes e com benefícios comprovados em termos de oportunidade e qualidade dos dados, comparativamente aos sistemas convencionais [104,145,146].

Portugal iniciou em 2014 a implementação do novo Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE). A sua utilização é obrigatória desde Janeiro de 2015 e são esperadas melhorias no desempenho da notificação [92]. Trata-se de um sistema informático para desmaterializar o processo de vigilância epidemiológica das doenças de declaração obrigatória, que permite o registo das notificações e dos inquéritos epidemiológicos, respetivamente pelos médicos notificadores e delegados de saúde pública, locais e regionais. No entanto, nesta fase e no futuro próximo, mantém-se dependente exclusivamente da notificação médica. Como tal, é essencial reconhecer e resolver os constrangimentos que levam à subnotificação, ou seja, proporcionar educação e feedback para os profissionais de saúde sobre a importância do processo de notificação. É urgente incluir a notificação laboratorial e estudar a evolução para captura automática a partir da base de dados dos GDH, do processo clínico eletrónico, dos dados dos laboratórios e dos dados farmacêuticos sobre consumos hospitalares em antimaláricos. Caso contrário, verificar-se-ão ganhos na celeridade de obtenção dos dados e sua legibilidade mas não na sensibilidade do sistema.

Além disso, para garantir que um sistema de vigilância está a funcionar eficientemente, a avaliação deve ser feita regularmente. Estudos como este podem servir como base para comparação sobre o desempenho do sistema de notificação no futuro, recorrendo, nomeadamente ao método de captura-recaptura.

Metodologicamente, a utilização do método de captura-recaptura na avaliação de sistemas de vigilância epidemiológica já foi aplicado anteriormente à malária assim como a outras doenças infeciosas [97,99,100,147]. Neste estudo, foram respeitados os pressupostos básicos subjacentes ao método com duas fontes de dados [98]: a) independência das fontes, sendo a notificação independente do registo na base de dados dos GDH; b) o emparelhamento e

correspondência dos casos entre ambas as fontes foi laborioso, mas bem sucedido através de um algoritmo de linkage revisto manualmente, sendo, no entanto, de salientar que futuras avaliações beneficiariam com a introdução de chaves identificadoras comuns; c) mesma probabilidade de ser determinado como o caso; d) população estudada fechada, uma vez que viagens para o exterior são improváveis em indivíduos com malária aguda.

5.3. Ter idade superior a 64 anos é fator independente associado a maior tempo de internamento e letalidade intra-hospitalar

A maioria dos casos ocorreu em homens em idade ativa, uma predominância de género e idade também observada noutros países europeus e não europeus [56,130,136,148,149]. Tipicamente, a migração por motivações económicas afeta mais os homens que as mulheres. Entre 2000 e 2012, verificou-se um aumento anual, progressivo e significativo, de casos no género masculino comparativamente ao género feminino [de 199 casos em homens e 95 em mulheres (ratio 2.1:1) em 2000 para 158 casos em homens e 45 casos em mulheres (ratio 3.5:1) em 2012; χ2, p=0.002]. No entanto, quando se restringiu a análise ao período 2009- 2012, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas quanto ao género [de 95 homens e 26 mulheres (ratio 3.7:1) em 2009 a 158 homens e 45 mulheres (ratio 3.5:1) em 2012, χ2, p>0.05]. Nem o tempo de internamento nem a letalidade variaram com o género. Por outro lado, o tempo de internamento e a letalidade aumentaram com o aumento da idade (tempo de internamento: média 8.9 dias e mediana 5 dias em idade<18 anos vs. média 8.4 dias e mediana 6 dias em idade dos 18 aos 64 anos vs. média 14.39 dias e mediana 10 dias em idade >64 anos, Kruskal Wallis, p<0.001; letalidade: 0.8% em idade <18 anos vs. 1.7% em idade 18-64 anos vs. 12.3% em idade>64 anos, χ2, p<0.001). Na análise por regressão linear múltipla verificou-se associação independente entre idade >64 anos com o tempo de internamento [RR ajustado 1,39 (IC 95% 1,23-1,56), p<0,001] e com a letalidade [OR ajustado 7,20 (IC 95% 3,47- 14,95), p<0,001]. Estes dados são consistentes com os observados por outros autores, sendo a idade avançada um reconhecido fator de risco de morte na malária importada [64,66,150].

5.4. As comorbilidades ou complicações nosocomiais podem condicionar aumento