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Os expatriados portugueses em Angola e Moçambique podem desenvolver

ESTUDO 3 – ESTADO DE SAÚDE GERAL NUMA AMOSTRA DE EXPATRIADOS

5.1. Os expatriados portugueses em Angola e Moçambique podem desenvolver

Os resultados obtidos são, em geral, indicativos de bem estar psicológico em expatriados portugueses para Angola e Moçambique: 2/3 dos indivíduos rastreados apresentaram bem estar geral ou psicológico. No entanto, cerca de 30% dos expatriados correspondiam a casos de provável morbilidade psiquiátrica não psicótica, sendo o GHQ-12 fiável (com boa consistência interna) para medir bem estar psicológico na amostra.

As viagens internacionais podem exacerbar ou precipitar problemas psicológicos. Embora de causa multifatorial, alguns problemas psicológicos têm sido mais frequentemente referidos em viajantes de longa duração e expatriados: reação de ajustamento, depressão, psicose, stress e cansaço [180]. A adaptação à estrutura social e cultural pode ser diferentemente vivenciada e é influenciada por uma diversidade de fatores, como as diferenças culturais e de língua, as

infraestruturas locais e o contexto laboral. A história pessoal e familiar de problemas psicológicos, a perda da rede familiar e social, o isolamento, a saúde e a carga de trabalho são considerados cofatores relevantes [180,181].

Os estudos realizados em expatriados, baseados maioritariamente na procura de assistência médica por parte do expatriado sugerem necessidades psicossociais não colmatadas e salientam, comparativamente a outros viajantes, elevada incidência de diagnósticos médicos de doença psiquiátrica, nomeadamente depressão, ansiedade, doenças psicossomáticas, abuso de álcool ou outras substâncias, estando a doença psiquiátrica entre as principais causas de repatriamento [106,111,180]. As estimativas de problemas de saúde mental no expatriado variaram entre 1-4% em voluntários do Corpo de Paz e diplomatas britânicos, 10% em missionários britânicos, 14,6% em expatriados da Cruz Vermelha Internacional, sendo a depressão o motivo mais frequente para avaliação psiquiátrica [107,108,112,125].

No presente estudo, o GHQ-12 foi usado como instrumento de rastreio de provável morbilidade psiquiátrica não psicótica (frequentemente, ansiedade e depressão), não permitindo, no entanto, indicar um diagnóstico específico nem qualificar gravidade nos casos identificados. No entanto, a nível epidemiológico, permite a obtenção de informação sobre o nível de bem estar e vulnerabilidade das populações a problemas psicológicos. Foi usado como ponto de corte para definição dos casos score médio na amostra, considerado indicativo do melhor ponto de corte para a população em estudo, tendo em conta a elevada variação dos pontes de corte nos diferentes estudos [174]. Alguns autores demostraram que o GHQ-12 pode ser um bom instrumento para detetar perturbações depressivas em inquéritos de saúde pública, com excelente desempenho, se utilizado o score de Likert, comparativamente a um desempenho razoável, se utilizado o score GHQ [182].

Em Portugal, o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental mostrou prevalência elevada de doenças psiquiátricas (22,9%) [183]. As prevalências na população portuguesa encontravam-se entre as mais altas da Europa, em todas as perturbações psiquiátricas, com especial destaque para as perturbações de ansiedade, seguido do grupo de perturbações do humor (que inclui a depressão) [183]. Este dado reforça a importância de conhecer, estudar e monitorizar o nível de bem estar psicológico e saúde mental do expatriado português, implicando a expatriação resiliência, capacidade de adaptação e desenvolvimento de estratégias de coping.

Na amostra de expatriados, as variáveis idade (OR ajustado 0,95; IC 95% 0,92-0,97; p<0,001) e ter naturalidade num país da África subsaariana (OR ajustado 4,14; IC 95% 1,73-9,90; p =0,001) foram identificados como fatores independentes associados a morbilidade psiquiátrica não psicótica, sugerindo menor resiliência em idades mais jovens e nos indivíduos naturais de países africanos subsaarianos. A associação do género feminino a pior saúde mental, que é classicamente referida e também sugerida por estudos epidemiológicos europeus, não foi evidente neste estudo, verificando-se, ao contrário, uma maior, ainda que não estatisticamente significativa, frequência de morbilidade psiquiátrica no género masculino [184].

morbilidade psiquiátrica não psicótica. Cerca de 64% do total dos expatriados (correspondente a 90% do total de expatriados com morbilidade psiquiátrica não psicótica) referiram sintomas psicológicos, nomeadamente cansaço, stress, saudade de casa ou da família, e, 1,4% referiu ansiedade e depressão como novo problema de saúde, nos três meses transatos. Estes dados acentuam a elevada frequência de sintomas psicológicos gerais cuja frequência diminuiu com o aumento do tempo de expatriação. No entanto, a tendência para a redução na frequência de casos de morbilidade psiquiátrica não psicótica com o aumento do tempo de expatriação, identificada na análise univariada, não se confirmou com o ajustamento para os restantes fatores em análise. Considerando o tempo total de expatriação, a ansiedade e depressão foi o quarto problema de saúde mais frequentemente referido (2,6 por 100 pessoas-ano). A exposição a agressão e violência, potencial desencadeante de problemas psicológicos, foi 2,0 por 100 pessoas-ano, não sendo conhecido o contexto e características dessa exposição. Estudos em ambiente de conflito civil e militar, sugerem, no entanto, relação entre o tempo de permanência no destino e a ocorrência de problemas de saúde mental, sobretudo em militares, nomeadamente perturbação de stress pós traumático, depressão e abuso de álcool [185].

Os indivíduos expatriados em Angola (em comparação com os expatriados em Moçambique) referiam significativamente menos sintomas psicológicos gerais. Nos indivíduos com colegas de trabalho como co-habitantes (em comparação com residir sozinho) e nos que eram dirigentes, diretores e gestores executivos (profissão), os sintomas psicológicos gerais foram significativamente mais frequentes. No entanto, nenhuma das variáveis (país de expatriação, co-habitantes, profissão) influenciou significativamente a morbilidade psiquiátrica não psicótica. É de salientar que a distribuição da amostra relativamente aos subgrupos de co- habitantes é relativamente equilibrada e que o contexto e carga laboral não foi avaliado, restringindo-se a análise ao grupo profissional.

Nas variáveis associadas a maior frequência de sintomas psicológicos gerais não se verificou sistematicamente associação a maior morbilidade psiquiátrica não psicótica (objetivamente medida pelo GHQ-12). Este aspeto reforça a importância de recorrer a instrumentos validados para medir bem estar psicológico nesta população.

Neste estudo, ter doença crónica não influenciou a morbilidade psiquiátrica não psicótica, o que deve ser interpretado tendo em conta a frequência e tipologia de doença crónica. A hipertensão arterial, a dislipidemia e a diabetes mellitus foram as doenças crónicas mais frequentes, sendo o impacto na saúde individual e os riscos associado a estas patologias tendencialmente desvalorizadas pela população em geral. A ansiedade e depressão foram referidos por menos de 10% do total de indivíduos com doença crónica.

5.2. O GHQ-12 pode ser um instrumento fiável e estruturalmente válido para medir