• Nenhum resultado encontrado

4.4 ENTREVISTAS COM MORADORES DA REGIÃO

4.4.5 MALEFÍCIOS SOCIOAMBIENTAIS DA INDÚSTRIA NAVAL

Foi indagado ao grupo se compreendiam a ocorrência de práticas industriais na enseada causadoras de malefícios à região. No que tange aos prejuízos derivados das atividades desempenhadas pelos estaleiros, boa parte dos entrevistados, antes mesmo do questionamento direto sobre o tema, já havia expressado descontentamento com a contaminação atmosférica e a unanimidade atentou à ocorrência da poluição das águas; no entanto, sem que o papel da indústria como causadora estivesse contido na pergunta, cabendo assim o novo questionamento. A leitura transmitida por todos, nas respostas concedidas, foi que a indústria naval é a causa para a incidência de malefícios socioambientais, os quais podem ser divididos em quatro

grupos; o primeiro referente aos prejuízos ambientais; o segundo diz respeito ao desemprego64 dos operários navais; o terceiro envolve prejuízos financeiros ao entorno; e o quatro versa sobre o estrangulamento da pesca artesanal. Os estragos socioambientais aparecem ora como resultantes de falhas operacionais da indústria, outras vezes como descaso das empresas. O desemprego, quando mencionado como um malefício possível, apareceu sempre na forma de demissões em massa, na dispensa simultânea de milhares de “trabalhadores” ou “pais de família”, em nenhum momento tendo sido citado de forma vinculada à demissão individual, à exoneração de um funcionário isoladamente. Já os prejuízos financeiros são atinentes ao estrangulamento da pesca artesanal exercida historicamente nestes bairros e à desvalorização da localidade, com reflexos na precificação imobiliária, articulando o impacto visual negativo e a deterioração da paisagem à proximidade de instalações industriais.

a) PREJUÍZOS AMBIENTAIS

Os prejuízos ambientais citados foram principalmente a poluição das águas e a contaminação atmosférica. Em menor escala argumentou-se contra a poluição sonora. A poluição da Baía de Guanabara apresentou-se indicada como o prejuízo mais evidenciado nos dizeres dos moradores; a degradação apresenta como consequências o assoreamento do canal, a paralisação da pesca artesanal, o mau cheiro exalado, a contaminação do pescado, o não usufruto do mar para banhos recreativos, a contaminação, principalmente de crianças, no contato com as águas pútridas e a depreciação cênica do lugar. A poluição atmosférica, por sua vez, foi representada nos depoimentos como causadora de experiências negativas vivenciadas, as quais incluíam a sujeira das casas, o adoecimento de cães, crises alérgicas, prejuízos respiratórios, tontura e ataques ao sistema nervoso central. A poluição sonora no interior dos estaleiros surge como um malefício menos citado e com resultados de menor gravidade. Apontam para “estrondos”, “ruídos metálicos” que incomodam o convívio familiar dentro do ambiente do lar. O conteúdo extraído das conversações possibilita a diferenciação entre prejuízos causados por falhas dos estaleiros, por negligência, ou ainda como um desdobramento pensado como “natural” da intervenção industrial. Vale esclarecer que, na maior parte dos

64 Sobre a menção ao desemprego, torna-se importante enfatizar que o período no qual transcorreram as entrevistas

coincidiu com atos de trabalhadores, nos bairros, em protesto contra 2 mil demissões da indústria naval em Niterói. Foram organizados piquetes nas portas dos estaleiros com grande movimentação do Sindicato dos Metalúrgicos e centenas de operários. Tal contextualização possivelmente teve impacto na formulação de respostas por parte dos entrevistados.

casos, a aparição simultânea dos dois primeiros diagnósticos foi encontrada na fala dos entrevistados.

i. PREJUÍZOS CAUSADOS POR FALHAS

Aqui, os malefícios ambientais foram atribuídos a razões concernentes a procedimentos equivocados no transcorrer das etapas do processo industrial. O “erro”, “o acidente” e a “falha” foram enunciados para explicar a motivação dos transtornos causados pelas empresas.

Um descuido acidental do operador do guindaste e causa um estrondo desgraçado. Acorda a criança e tenho de parar tudo para cuidar dela. (...) Como as coisas são muito pesadas, qualquer errinho pode dar barulhada, ou então sujeirada no mar. Acontece...

ii. PREJUÍZOS CAUSADOS POR NEGLIGÊNCIA

A negligência aparece como fator provocador de malefícios. O descaso das empresas refere-se ao desinteresse dos representantes da indústria em manter práticas responsáveis. O descarte inadequado e ilegal de efluentes nas águas da Baía de Guanabara aparece como aspecto revelador da percepção do descaso a por parte das ações das empresas. Além dos dejetos lançados sem tratamento, os resíduos industriais são percebidos, regularmente pelos moradores, como causadores de contaminação das águas e do solo, por se tratarem de produtos tóxicos e extremamente perigosos. O abandono de embarcações sucateadas ao longo da orla também é lembrado na hora de comunicar o desprezo dos estaleiros.

Eles lavam os porões dos barcos em qualquer lugar, despejam litros e litros de óleo, fezes, químicos, a Baía [da Guanabara] vira a latrina deles. (...) Eu enxergo que a culpa é sempre da empresa, mesmo se um funcionário age por conta própria e faz estrago, é a empresa que deveria ter se antecipado.

iii. PREJUÍZOS PERCEBIDOS COMO EXTERNALIDADES

Parte dos entrevistados quando apontou para os malefícios provocados pela ação dos estaleiros engendrou diagnóstico conferindo a sua origem ao exercício das práticas industriais, não havendo a leitura de falha ou negligência, mas sim de uma contingência natural da intervenção humana. A presença de empreendimentos seria causa inexorável de desdobramentos prejudiciais ao Meio Ambiente.

Não coma os mexilhões daqui. Tudo contaminado! (...) A pesca é muito prejudicada pelo derramamento de óleo da indústria. Fizeram um cais aqui... Do que adianta se os barcos não conseguem chegar? Melhor atracar na praia para o pescado não estragar. A indústria vem destruindo o lugar, onde tem indústria, tem poluição.

b) DESEMPREGO

Apesar de não se tratar de um malefício provocado pelo exercício das práticas industriais, o desemprego de funcionários dos estaleiros apareceu como um efeito negativo apontado em alguns depoimentos65. O desemprego como um malefício possível foi, sempre que mencionado, sugerido na forma de demissões em massa, na dispensa simultânea de milhares de “trabalhadores” ou “pais de família”, em nenhum momento tendo sido citado de forma vinculada à demissão individual, à exoneração de um funcionário isoladamente. Entrevistados elaboraram críticas contundentes aos escândalos veiculados recentemente na grande mídia envolvendo a Petrobrás e seus fornecedores66, conferindo responsabilização das companhias pela retração do setor naval e pelas perdas de postos de trabalho. Assim sendo, o desemprego apresentou-se, no conjunto de declarações, como consequência da conduta político- administrativa temerária das corporações.

Essas empresas se metem em patifarias e sobra para o pai de família, que é botado na rua. É uma vergonha demitir milhares de trabalhadores depois que a empresa se meteu no “Petrolão67”. (...) A crise não chega para os ricos e poderosos, atinge o pai de

família, que é mandado embora para salvar o lucro de quem é grande.

Desempregar tanta gente enquanto desviam bilhões. Isso não tem nem nome. Aí dizem que não têm dinheiro para pagar o trabalhador. (...) Muita gente foi demitida agora, por causa dessa crise toda. Como se o culpado pela crise fosse o desgraçado do trabalhador.

c) DESVALORIZAÇÃO DO LOCAL

65 Cumpre revelar que a inclusão do desemprego como malefício atinente às práticas dos empreendimentos navais

foi um fator de inquietação e angústia por parte do pesquisador, já que este não poderia ser compreendido como uma externalidade industrial. Todavia, o conteúdo explicativo expresso nas respostas dos entrevistados ofereceu a coerência necessária para a sua aceitação, ao expor o desemprego como resultante de ações temerárias no âmbito político-corporativo.

66 Investigações promovidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público ensejaram a denúncia de esquema de

corrupção e desvio de fundos envolvendo políticos, empresas contratadas e funcionários da Petrobrás.

67 Nomenclatura informal difundida pela sociedade para referir-se ao escândalo de corrupção envolvendo a

A proximidade das instalações industriais incidiria a desvalorização dos imóveis da região, segundo parcela dos entrevistados. A deterioração da paisagem causada pela ocupação de todo o litoral dos bairros, por parte dos estaleiros, foi um dos pontos abordados para explicar a depreciação da localidade, e como desdobramento, a redução do poder de venda dos imóveis. A desvalorização também foi associada aos riscos ambientais relacionados aos estaleiros, tais como explosões e vazamentos; e ao ambiente predominantemente industrial consolidado em torno dos empreendimentos, o que acabaria por prejudicar a diversificação do comércio do bairro.

Quem passa por aqui vê abandono de um lado e a Baía [de Guanabara] imunda d´outro. Minha casa não vale nada. Nem vender para um estaleiro eu posso, porque fica longe do mar. (...) Ninguém se interessa mais em morar nesse caos, com esse trânsito, com essas fábricas, com essa violência.

O terreno aqui na Ilha da Conceição, pode anotar, vale mais do que na [Avenida] Vieira Souto, em Ipanema. Desde que seja à beira do mar. Pra mim é uma pena. Só tem valor para os estaleiros, não pra gente que mora. Quer comprar a minha casa? Não vale nada.

d) ESTRANGULAMENTO DA PESCA ARTESANAL

Na visão dos depoentes, o preenchimento do litoral dos bairros por estaleiros compromete a convivência com a pesca artesanal. A perda de espaço físico somado aos impactos ambientais causados pelo assoreamento da enseada e pelas embarcações abandonadas próximas ao canal de São Lourenço são malefícios que asfixiam a economia pesqueira da região.

A indústria ocupa toda a orla do bairro. Deviam cuidar do lugar. Os pescadores não chegam ao Terminal de Pesca por causa do assoreamento do canal. (...) Essas plataformas atrapalham muito, a Baía de Guanabara é toda ela da indústria. O Rio de Janeiro como um todo funciona para a indústria.