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4.1 Meios Tradicionais de Impugnação da Coisa Julgada Inconstitucional

4.1.4 Mandado de segurança

A Constituição Federal trata, em seu artigo 5º, inciso LXIX, do instituto do mandado de segurança com a seguinte redação: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.”

O referido remédio, tornado constitucional em 1988, foi previsto desde 1951, na Lei nº 1533, a chamada Lei do Mandado de Segurança (LMS), que prevê também, em seu artigo 5º, II, que o mandado de segurança não poderá ser utilizado em se tratando de “despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição”. O Supremo Tribunal

99 LUCON, Paulo Henrique. Direito Processual Anotado. In: MARCATO, Antônio Carlos (org.). São Paulo: Atlas, 2004, p. 2.102.

100 CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada inconstitucional. In: DIDIER JR, Fredier (Coord.). Relativização da Coisa Julgada: enfoque crítico (Coleção Temas de Processo Civil – Estudos em homenagem a Eduardo Espínola). Salvador: Jus Podivm, 2004, p. 24

Federal ratificou o conteúdo do dispositivo infraconstitucional através da Súmula 267.101

Vale destacar que parte da doutrina e da jurisprudência tem abrandado o teor sumular, entendendo cabível o mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo a recurso dele desprovido. Hely Lopes Meirelles manifesta-se nesse sentido:

Fiéis a essa orientação, os tribunais têm decidido, reiteradamente, que é cabível mandado de segurança contra ato judicial de qualquer natureza e instância, desde que ilegal e violador de direito líquido e certo do impetrante e não haja possibilidade de coibição eficaz e pronta pelos recursos comuns. Realmente, não há motivo para restrição da segurança em matéria judicial, uma vez que a Constituição da República a concede amplamente “para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica, no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, LXIX). Provenha o ato ofensor do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, o mandamus é o remédio heróico adequado, desde que a impetração satisfaça seus pressupostos processuais.102

Há também entendimento doutrinário de cabimento do mandado de segurança no caso de decisões judiciais de competência dos tribunais para as quais não mais haja recurso e que se configuram teratológicas por serem inconstitucionais. Vejamos o pronunciamento de Janaína Noleto Castelo Branco sobre a questão:

Não é o que ocorre com a execução da obrigação de fazer nas ações de competência originária de tribunal. Não há aqui a via recursal ordinária, donde ser cabível a impetração de mandado de segurança contra a ordem de cumprimento da obrigação, por ser teratológica a determinação judicial de cumprimento da decisão inconstitucional. No caso, é flagrante a ofensa a direito líquido e certo de não ser compelido a praticar ato inconstitucional. Portanto, neste específico caso, seria cabível o mandado de segurança, por não haver recurso ordinário cabível.103

101 STF – Súmula 267: “Não caberá Mandado de Segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”.

102 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 27. ed. Atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes com a colaboração de Rodrigo Garcia da Fonseca. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 44.

103 CASTELO BRANCO, Janaína Soares Noleto. Coisa Julgada Inconstitucional: teoria e prática. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 164.

Assim, percebe-se que doutrinariamente há uma tendência de utilização do remédio constitucional realmente quando não houver via recursal ordinária que seja apta a proteger o direito em foco.

Deocleciano Batista manifesta-se sobre o papel desempenhado pelo mandado de segurança atualmente:

A jurisprudência, num claro esforço para suprir as lacunas resultantes da anomia em relação à querela, tem admitido como cabível o mandamus impetrado para obter o reconhecimento da inexistência jurídica da coisa julgada formada a partir de sentença inválida, pois a exigência de tal título ofenderia “direito líquido e certo do impetrante”.104

Janaína Noleto defende que se priorize o uso das vias recursais ordinárias, inclusive da ação declaratória de nulidade da sentença, conjugada com a antecipação de tutela, para os casos em que se queira impugnar a coisa julgada inconstitucional, tendo o interessado decaído do direito de propor a ação rescisória. Mas a doutrinadora ressalva:

Há que se fazer, entretanto, uma colocação. A problemática da coisa julgada inconstitucional é, de certo modo, recente. A utilização da ação declaratória de nulidade da sentença, como demonstramos, não é unanimidade na doutrina, e, por certo, não o será na jurisprudência. Daí por que a situação merece a ressalva de que somente não haverá interesse processual na impetração de mandado de segurança contra a coisa julgada após o prazo da rescisória se a via ordinária for considerada apta.

Ressalte-se que, caso não seja a via ordinária admitida pela jurisprudência, o mandado de segurança seria utilizado não mais para dar efeito suspensivo à determinada ação, mas para atacar diretamente o ato inconstitucional.105

Quanto à questão do prazo fixado legalmente para a interposição do mandado de segurança, há, na doutrina, quem defenda que tal limite temporal não foi recepcionado quando da constitucionalização do remédio, encontrando-se

104 BATISTA, Deocleciano. Coisa julgada inconstitucional e a prática jurídica. 1. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2005, p. 32 e 33.

105 CASTELO BRANCO, Janaína Soares Noleto. Coisa Julgada Inconstitucional: teoria e prática. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 161.

revogado. Porém, outra parte da doutrina e também da jurisprudência posiciona-se contrariamente. Vejamos:

Portanto, a limitação infraconstitucional de ordem temporal ao cabimento do mandado de segurança foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Aliás, ao referir-se ao mandado de segurança, referia-se o constituinte a instituto já existente no ordenamento pré-constitucional, não tendo previsto que lei posterior regulamentá-lo-ia. Então, recepcionou o instituto da forma como fora regulamentado na legislação pré-constitucional.106

Relativamente ao início da contagem do prazo decadencial, Janaína Noleto entende razoavelmente que o remédio constitucional combate a execução do julgado inconstitucional:

Nada obstante, e porque entendemos que o ato abusivo, ilegal, ou melhor, inconstitucional a ser atacado pela via do mandado de segurança é a execução do julgado, já que somente esta tem o condão de causar dano ao vencido, o prazo de 120 dias começa a correr da ciência pelo executado da prática do primeiro ato judicial executório.107

Por fim, entendemos que o mandado de segurança, como ação autônoma de impugnação de decisões judiciais, requisita, para o seu cabimento, três pressupostos: a potencialidade de a decisão judicial causar um prejuízo irreparável ou de difícil reparação; o ferimento de um direito líquido e certo do impetrante; e a inexistência de recurso dotado de efeito suspensivo.108

Logo, percebemos que são restritas as hipóteses de cabimento do mandado de segurança contra decisão inconstitucional, limitando-se àquelas de competência originária dos tribunais contra as quais não caiba mais qualquer recurso, ou no caso de decadência do prazo da rescisória, quando o magistrado rejeite a utilização de via recursal ordinária mais adequada.

106 CASTELO BRANCO, Janaína Soares Noleto. Coisa Julgada Inconstitucional: teoria e prática. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 162.

107 Id., Ibid., mesma página.

108 BEZERRA, Francisco Antonio Nogueira. Impugnação da Coisa Julgada Inconstitucional. Dissertação de Mestrado, 2005, p. 107.

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