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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E ELABORAÇÃO DE MONOGRAFIA JURÍDICA MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

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Academic year: 2018

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FACULDADE DE DIREITO

COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E ELABORAÇÃO DE MONOGRAFIA JURÍDICA

MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

JANICE NUNES SAMPAIO

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MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Monografia submetida à

Coordenação do Curso de

Graduação em Direito, da

Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Janaína Soares Noleto Castelo Branco.

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MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em: 18 de junho de 2010.

Banca Examinadora

___________________________________________ Profa. Janaína Soares Noleto Castelo Branco (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará - UFC

___________________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho

Universidade Federal do Ceará - UFC

___________________________________________ Prof. Regnoberto Marques de Melo Júnior

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Agradeço, de forma especial, à mestra Janaína Soares Noleto Castelo Branco, pela atenção dispensada e pelo grande apoio, imprescindíveis para a realização deste trabalho. Agradeço pela zelosa orientação, sempre buscando, através de seus conselhos, o engrandecimento desse projeto, agora concretizado, que considero nosso.

Ao professor Francisco de Araújo Macedo Filho, pelas lições que contribuíram com brilhantismo para o desenvolvimento desta obra e pelo tempo despendido na participação de nossa banca examinadora.

Ao professor Regnoberto Marques de Melo Júnior, pela presteza em atender nosso convite de composição de banca examinadora e pelo carinho com o qual analisou nosso trabalho, enriquecendo-o.

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Teu dever é lutar pelo Direito, porém, quando encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça.

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O presente trabalho monográfico, construído a partir de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, visa a traçar um perfil atual da polêmica questão da coisa julgada inconstitucional. Começamos pela análise doutrinária, de cunho investigativo, do complexo instituto da coisa julgada, abordando a dicotomia existente entre regras e princípios. Analisamos ainda o princípio basilar da segurança jurídica, relacionando-o com o princípio da justiça, tão caro ao Estado Democrático de Direito. Adentramos, então, à análise da coisa julgada inconstitucional e, com fundamento no princípio da supremacia da Constituição da República, apresentamos o conceito de tal instituto e as razões que justificam a necessidade de relativizá-lo para fazer prevalecer a justiça nas decisões judiciais. Tratamos, com a devida minúcia, das quatro 'espécies' de coisa julgada inconstitucional, expondo as várias facetas através das quais o vício da inconstitucionalidade pode permear as sentenças. Alcançando o ápice da presente pesquisa, explanamos, de pronto, mas sem a pretensão de exaurir tão rico assunto, os meios processuais de impugnação das sentenças inconstitucionais transitadas em julgado. Para tornar nossa exposição mais didática, optamos pela divisão dos meios de impugnação em dois grupos, a saber: os meios tradicionais de impugnação da coisa julgada inconstitucional, ou seja, aqueles que já se encontram positivados no ordenamento jurídico pátrio; e as propostas doutrinárias inovadoras, que surgem da criatividade da doutrina processualista, na ânsia de ver suprida a atual omissão legislativa no que respeita à regulamentação de meio próprio de impugnação da coisa julgada inconstitucional.

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This monograph, constructed from literature and jurisprudence, seeks to

draw a current profile of the controversial issue of res judicata unconstitutional. We

began with the doctrinal analysis of investigative nature, complex institute of res

judicata, addressing the dichotomy between rules and principles. We also analyze

the fundamental principle of legal certainty, linking it to the principle of justice so dear

to the Democratic State of Law. We entered then the analysis of res judicata

unconstitutional, based on the principle of supremacy of the Constitution, we present the concept of this institute and the reasons for the need to relativize it to make justice prevail in court decisions. We deal with due thoroughness, the four 'species' of

res judicata unconstitutional, exposing the many facets through which the vice of

unconstitutionality can permeate the sentences. Reaching the apex of this research, we explain promptly, but without the pretension of exhausting so rich matter, the

procedural means of impugnation the sentence unconstitutional become res judicata.

To make our exposition more didactic, we decided to split the traditional means of

impugnation in two groups, namely, the traditional means of impugnation of the res

judicata unconstitutional, in other words, those who are already positivized in

Brazilian law, and proposed innovative doctrinal which arise from the creativity of procedural doctrine, in its eagerness to see the supplied current legislative omission

as regards the regulation of its own means of impugnation of the res judicata

unconstitutional.

Keywords: res judicata - res judicata unconstitutional - relativization of res judicata

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1 INTRODUÇÃO ... 9

2 COISA JULGADA ... 11

2.1 Conceito de Coisa Julgada ... 11

2.2 Distinção entre Regras e Princípios ... 14

2.3 Princípio da Segurança Jurídica ... 17

2.4 Segurança Jurídica versus Justiça ... 22

3 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL ... 28

3.1 Supremacia da Constituição Federal ... 28

3.2 Conceito de Coisa Julgada Inconstitucional ... 33

3.3 Relativização da Coisa Julgada Inconstitucional ... 34

3.4 Espécies de Coisa Julgada Inconstitucional ... 42

3.4.1 Sentença que determina a aplicação de dispositivo legal considerado inconstitucional ... 46

3.4.2 Sentença que deixa de aplicar dispositivo de lei, alegando sua inconstitucionalidade, sendo que a norma é plenamente constitucional ... 47

3.4.3 Sentença que viola diretamente norma contida no texto constitucional ... 49

3.4.4 Sentença que interpreta lei infraconstitucional de forma incompatível com a constituição federal ... 50

4 MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL ... 53

4.1 Meios Tradicionais de Impugnação da Coisa Julgada Inconstitucional ... 54

4.1.1. Ação rescisória ... 54

4.1.2 Embargos do executado e impugnação ao cumprimento de sentença ... 58

4.1.3 Exceção de pré-executividade... 61

4.1.4 Mandado de segurança ... 64

4.2 Propostas Doutrinárias ... 68

4.2.1 Querela nullitatis insanabilis – ação declaratória de nulidade absoluta da sentença ... 68

4.2.2 Ação rescisória modificada ... 72

5 CONCLUSÃO ... 77

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1 INTRODUÇÃO

A coisa julgada é um instituto do mundo jurídico que há muito se perpetua como intocável, tendo como princípio basilar que justifica a sua intangibilidade o da segurança jurídica, que tem sido usado para nortear e proteger as relações jurídicas, a fim de evitar a eternização dos litígios.

Diante de tal condição de absolutividade da coisa julgada, surge o questionamento acerca da decisão judicial eivada de injustiça, pois contaminada com o vício da inconstitucionalidade, quando se recobre com o manto aparentemente intangível da coisa julgada. Tal decisão torna-se então melhor conceituada se intitulada coisa julgada inconstitucional, ou seja, a sentença judicial transitada em julgado que contraria a Constituição Federal.

É de extrema importância a questão ora levantada, pois estaremos confrontando uma norma processual consagrada com valores superiores da ordem jurídica. Diante de tal sopesamento, verificaremos a relevância das normas e preceitos trazidos pela Constituição da República frente a um instituto processual de hierarquia normativa infraconstitucional.

O presente trabalho monográfico pretende primeiramente analisar, com brevidade, mas de modo completo, o instituto da coisa julgada, abordando os princípios caros e relevantes ao tratamento da questão, quais sejam, o da segurança jurídica, o da justiça e o da supremacia da Constituição da República, indispensáveis à compreensão do tema.

(11)

Iniciado o questionamento sobre a possibilidade de relativizar a imutabilidade da coisa julgada, quando esta representa afronta aos primados constitucionais, assim como tendo identificado e justificado, doutrinária e jurisprudencialmente, a necessidade de relativizar o instituto da coisa julgada inconstitucional, passaremos a analisar os meios de impugnação da sentença inválida, pois maculada pelo vício da inconstitucionalidade.

Por fim, chegamos ao ponto alto da presente pesquisa, dissertando sobre os meios processuais de impugnação da coisa julgada inconstitucional. Analisamos as ferramentas oferecidas pelo sistema jurídico pátrio, através do estudo da possibilidade de utilização dos meios positivados para realizar a impugnação do instituto em comento.

Além disso, cuidamos de estudar as propostas elaboradas pela doutrina, sempre atuante e ativa, no sentido de apresentar possíveis soluções para o caso abordado. A doutrina é criativa e empenhada em suprir a atual omissão do legislador, quanto à positivação de meio de impugnação próprio para a coisa julgada inconstitucional.

A polêmica questão analisada mostra-se atual e relevante. A problemática, que ainda não vislumbra chances de pacificação, merece a atenção dos juristas pátrios, de modo a encontrar, através do esforço conjunto, uma proposta que melhor sirva ao propósito de suprir a omissão legislativa.

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2 COISA JULGADA

2.1 Conceito de coisa julgada

É de todo imprescindível, ao adentrarmos o tema polêmico da relativização da coisa julgada inconstitucional, conhecermos, dianteiramente, o conceito e a abrangência do que se intitula coisa julgada para o universo jurídico.

Nessa empreitada de conceituação da coisa julgada, mister se faz invocar os ensinamentos de um dos maiores doutrinadores do Direito Processual Moderno que, esclareça-se, foi pioneiro em abordar uma teoria inovadora sobre a definição da coisa julgada.

Manifesta-se, então, Enrico Tullio Liebman acerca de sua precursora visão da coisa julgada:

Não se pode, pois, duvidar de que a eficácia jurídica da sentença se possa e deva distinguir da autoridade da coisa julgada; e nesse sentido é certamente de acolher a distinção formulada por CARNELUTTI entre imperatividade e imutabilidade da sentença, porque é esta imperativa e produz todos os seus efeitos ainda antes e independentemente do fato da sua passagem em julgado.1

E continua sua argumentação:

Da premissa há pouco enunciada deriva uma só e necessária conseqüência: a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas sim modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado.

Caem todas as definições correntes no erro de substituir uma qualidade dos efeitos da sentença por um efeito seu autônomo.

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Assim, quando HELLWIG - como já se viu – define a coisa julgada como o efeito específico da sentença que já não seja recorrível e mais precisamente como a eficácia declaratória da sentença, confunde justamente o efeito normal da sentença com a definitividade e incontestabilidade deste efeito.2

Inovadora e revolucionária, porém bastante consistente e coerente, a teoria de Tullio Liebman foi, de pronto, aceita no cenário jurídico, mantendo-se até os dias de hoje como a melhor conceituação da coisa julgada e conta com adeptos de renome dentre os doutrinadores da atualidade.

Vemos, então, que a teoria liebmaniana foi um marco no Direito Processual e, especificamente, na conceituação da coisa julgada. Antes de Liebman, a coisa julgada era entendida como um dos efeitos da sentença, depois dele, ela passou a ser tomada como uma qualidade que se agrega aos efeitos da sentença.

Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Medina, em livro de co-autoria, acompanham a teoria do mestre com as seguintes referências:

O que Liebman observa, servindo-se de linguagem clara, que evidencia o quanto é cristalino o seu raciocínio, é que a coisa julgada não pode ser vista como um efeito autônomo da sentença. Indica a forma como certos efeitos se exteriorizam, a sua força, a sua autoridade. De fato, expressões como imutabilidade, definitividade, intangibilidade exprimem uma qualidade, uma propriedade, um atributo do objeto a que se referem.3

Da análise dos posicionamentos doutrinários anteriormente destacados, torna-se fácil perceber que, enfim, seja a coisa julgada a característica atribuída à sentença transitada em julgado, que se reveste da qualidade de ser intangível, de não mais ser passível de recursos que venham a modificar seu conteúdo.

Assim, a coisa julgada recobre, com seu manto de intocabilidade, a sentença transitada em julgado e também os efeitos que ela se destina a produzir, não se confundindo, de forma alguma, com um desses efeitos que justamente ela protege.

2 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa Julgada. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 41.

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Creio pertinente aproveitar o ensejo de conceituações para dirimir uma possível controvérsia linguística que se mostra passível de ocorrer quanto à expressão “coisa julgada inconstitucional”, tema do presente trabalho monográfico. Para tal, invoco as letras da doutrinadora Janaína Soares Noleto Castelo Branco que, com singular perspicácia aborda a questão em seu livro:

À vista dessas considerações, convém abrir parênteses para explicar a expressão ultimamente corrente na doutrina “coisa julgada inconstitucional”. Afinal, não se qualifica um atributo, mas, pelo contrário, é o atributo que qualifica o referencial. Inconstitucional, em rigorosa linguagem técnica, não é a coisa julgada, mas a sentença com autoridade de coisa julgada. O linguajar doutrinário, no entanto, já consagrou a expressão, que, após essas explicações, manteremos, por questões didáticas, com o sentido de “sentença inconstitucional transitada em julgado”.4

A explicação é necessária haja vista a anterior conceituação de coisa julgada como sendo uma qualidade, um atributo, ou seja, como um adjetivo. Enquanto que, na expressão consagrada no meio jurídico, ela adquire contornos de substantivo, uma vez que se mostra qualificada pelo adjetivo 'inconstitucional'. Pois bem, estamos agora prevenidos de tal vício de linguagem e devemos entender que é a sentença transitada em julgado que se qualifica como inconstitucional.

Diante da explanação de mestres do Direito Processual, vejo atingido o objetivo de explorar a conceituação atual do fenômeno da coisa julgada e permito-me concluir o início desses trabalhos com as palavras sempre bem-vindas de Tullio Liebman:

Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato.5

4 CASTELO BRANCO, Janaína Soares Noleto. Coisa Julgada Inconstitucional: teoria e prática. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 49.

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Logo, pelas palavras do eminente doutrinador, podemos perceber a força da qualidade da coisa julgada “mais intensa e profunda”, a resguardar não apenas o comando da sentença, mas todos os seus efeitos, da instabilidade e imprevisibilidade.

Nesse sentido, é bastante forte o discurso do jurista Luiz Guilherme Marinoni, ao afirmar que “a coisa julgada é imprescindível à existência do discurso

jurídico”6, pois, para o autor, “uma interpretação judicial que não tem condições de se

tornar estável não tem propósito”.7

É esse expressivo posicionamento que nos permite aferir a importância colossal da coisa julgada nas relações tuteladas pelo Direito.

2.2 Distinção entre regras e princípios

Como a discussão do tema da coisa julgada inconstitucional envolve a análise de vários princípios jurídicos que com ela mantêm co-relação, seja de maior ou de menor intensidade, conforme o princípio tratado, considero relevante uma breve abordagem da diferenciação entre regras e princípios, para melhor entendermos como lidar com os conflitos que surgem entre eles e dentro de cada grupo.

Luiz Flávio Gomes8, em sucinto artigo, nos ensina que o Direito é baseado

em normas, que, por sua vez, podem ser de dois tipos: regras ou princípios. As regras se aplicam de pronto ao caso concreto e para elas vale a “lógica do tudo ou nada”, ou seja, quando temos, para um caso concreto, duas ou mais regras em conflito, apenas uma delas será aplicada ao caso, visto não ser possível sua

6 MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa Julgada Inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in)constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada: a questão da relativização da coisa julgada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 56.

7 Id., Ibid., p. 57.

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concomitância e a aplicação de uma regra exclui a aplicação da(s) outra(s). Os meios clássicos de interpretação prestam-se à solução de conflitos entre regras.

Já os princípios, que são diretrizes gerais de um ordenamento jurídico, têm um espectro de incidência bem mais amplo e, por isso, recebem um tratamento diferenciado. Para eles, não se aplicam os meios clássicos de interpretação, visto que, ao colidirem, não se excluem.

A respeito dos princípios e de sua característica da generalidade, expressa-se Teresa Wambier:

Os princípios, cuja existência é por vezes intuída da leitura das normas postas, dão coesão, unidade e imprimem harmonia ao sistema. Desempenham o papel de vetores interpretativos, muitas e muitas vezes.

Há princípios opostos, que incidem, ou um, ou outro, em função das peculiaridades do caso. Afastado um princípio, nem por isso fica o princípio posto de lado comprometido em tese. Sua incidência pode ter lugar em outro caso, despido daquelas peculiaridades.

São, todavia, sempre genéricos e não dizem respeito a uma situação específica. Sua formulação é aberta. Não são como as regras positivadas que contém, normalmente, em sua formulação, a descrição da ocasião (=do quadro fático) em que devem incidir.9

Inicialmente, Teresa Arruda Alvim Wambier aborda a questão dos chamados “princípios implícitos”, que são aqueles que não estão escritos na lei, mas que podem ser inferidos da simples leitura e interpretação das normas positivadas, e contrastam com os “princípios explícitos”, que estão colocados de forma clara no texto normativo, são, portanto, positivados.

Logo em seguida, a doutrinadora comenta sobre colisão e aplicação dos princípios ao caso concreto. Então, adentra a essência da formulação dos princípios, chamando a atenção para uma de suas características mais marcantes, qual seja, a da generalidade, em oposição à especificidade das regras.

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Ainda sobre os principais critérios adotados para diferenciar os princípios das regras, Paulo Bonavides cita, com maestria, uma das maiores autoridades que abordam o tema na atualidade, Robert Alexy:

O mais freqüente, acentua, é o da generalidade. De acordo com este, diz Alexy, os princípios são normas dotadas de alto grau de generalidade relativa, ao passo que as regras, sendo também normas, têm, contudo, grau relativamente baixo de generalidade...10

Temos também, sobre o tema, a contribuição dos ensinamentos do mestre Canotilho, que nos apresenta clássica distinção entre as duas espécies normativas. O jurista lusitano conceitua regras como sendo “normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer excepção (direito definitivo)”, já no que respeita aos princípios, sua definição é a de que “são normas e exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas”. E continua: “Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de 'tudo ou nada'; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em

conta a 'reserva do possível, fática ou jurídica'.”11

Portanto, é possível entender a necessidade de ponderação, baseada na ideia do sopesamento dos princípios quando há conflitos entre estes, pois às colisões que ocorrem entre princípios não se aplica o extremismo do tudo ou nada, característico do embate entre regras.

Na aplicação de tal espécie normativa ao caso concreto, há, na verdade, uma preponderância de um sobre o outro, sem que este outro deixe necessariamente de ser aplicado, pelo contrário, entre os princípios pode haver a convivência, a concomitância de dois ou mais no mesmo caso concreto, visto que não se submetem ao exclusivismo das regras.

10 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 249. 11 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:

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Os princípios são, de acordo com a doutrina do consagrado jurista

alemão, Robert Alexy12, mandados de otimização, ou seja, ao serem aplicados ao

caso concreto, devem ser otimizados ao máximo, pois justamente servem para aperfeiçoar o direito ao qual se aplicam.

Nesse sentido, a doutrinadora Janaína Noleto Castelo Branco comenta sobre os “mandatos de optimización” pregados por Alexy:

Então, aos princípios não se aplica a regra do “tudo ou nada”. Sofrem ponderação quando em colisão com outros princípios, de modo que, preponderando um, o outro não seja completamente desprezado. Por isso, bem colocou Alexy que o grau máximo de otimização de um princípio é estabelecido pelo princípio ou regra que se lhe opõe. Devem ser otimizados o máximo possível. O sacrifício de um princípio somente se justifica pela necessidade inarredável de fazer preponderar outro que, na situação concreta, demonstre ter maior peso.13

Portanto, a ideia que devemos apreciar sobre os princípios é a sua necessidade de ponderação e sopesamento quando da aplicação ao caso concreto e o seu máximo grau de otimização e aproveitamento nessa ponderação, de modo a imprimir, a cada princípio envolvido na questão fática e jurídica, o menor sacrifício possível.

2.3 Princípio da segurança jurídica

Primeiramente, cabe salientar que o princípio da segurança jurídica não se encontra colocado de forma expressa no texto constitucional da República

Federativa do Brasil de 1988.14

12 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 86.

13 CASTELO BRANCO, Janaína Soares Noleto. Coisa Julgada Inconstitucional: teoria e prática. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 38 e 39.

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No entanto, é inegável reconhecer a segurança jurídica como valor fundamental do Estado de Direito, que, pelas suas características, resguarda a garantia de estabilidade das relações jurídicas como preceito fundamental à organização social.

Celso Antônio Bandeira de Mello pronuncia-se sobre a crucialidade do princípio da segurança jurídica para uma sociedade que se agrupa sob a égide do Estado Democrático de Direito. Senão vejamos: “O princípio da segurança jurídica é da essência do próprio Direito, notadamente do Estado Democrático de Direito e, por isso, faz parte do sistema constitucional como um todo, enquadrando-se entre os princípios gerais do Direito”15.

E continua, demonstrando a importância da certeza e da segurança nas relações jurídicas como elementos indispensáveis ao alcance, pelo Direito, do próprio fim a que se destina:

O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da 'segurança jurídica', o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Esta 'segurança jurídica' coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano.16

Manifesta-se também, sobre a relação entre segurança jurídica e Estado de Direito, J. J. Gomes Canotilho, para quem o princípio da segurança em sentido amplo, formado pelos subprincípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, ambos concretizadores do princípio do Estado de Direito, assim se enunciaria:

O indivíduo tem do direito poder confiar em que aos actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos

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deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.17

Janaína Noleto comenta as palavras do mestre com a seguinte observação:

Refere-se Canotilho ao sentido amplo da segurança jurídica por conter também a idéia de proteção da confiança. Para ele, o princípio da proteção da confiança, também subprincípio concretizador do estado de Direito, se relaciona aos componentes subjetivos da segurança, que seriam a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos estatais.18

E complementa, aplicando o conceito canotilhano especificamente aos atos judiciais:

(...) podemos dizer que a segurança consistiria em poder o jurisdicionado confiar em que as decisões proferidas pelo Estado são definitivas e serão cumpridas, pois assim, está disposto no ordenamento. Em qualquer Estado que se pretenda “de direito”, às decisões judiciais se ligam efeitos concernentes à sua imutabilidade e exeqüibilidade garantida pelo Estado que as prolatou.19

Diante do exposto, podemos concluir pela imprescindibilidade da aplicação do princípio da segurança jurídica em uma sociedade que tenha por norte a confiança e o respeito dos seus cidadãos para com suas instituições estatais. De fato, em um Estado Democrático de Direito que vise à pacificação e harmonização de suas relações sociais, inclusive daquelas submetidas ao arbítrio judicial, necessário se faz a garantia da firmeza, da certeza e da segurança das decisões.

Quanto à relação entre o princípio da segurança jurídica e a coisa julgada, a Constituição Federal de 1988 traz, em seu título sobre os direitos e garantias fundamentais, no capítulo sobre os direitos e deveres individuais e coletivos:

17 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 257.

18 CASTELO BRANCO, Janaína Soares Noleto. Coisa Julgada Inconstitucional: teoria e prática. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 39.

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Art. 5º, XXXVI – A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico

perfeito e a coisa julgada.20

Sobre a previsão constitucional da coisa julgada, Luiz Guilherme Marinoni expõe, incisivo, sua conclusão:

Pouco importaria se a coisa julgada não houvesse sido resguardada de forma expressa pela Constituição Federal Brasileira, pois deriva do Estado de Direito e encontra base nos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.21

A afirmação de Marinoni é corroborada pela opinião majoritária da doutrina, que entende a coisa julgada como corolário do princípio da segurança jurídica.

O autor enfatiza sua posição, referindo-se ao exemplo da Alemanha, onde não há previsão expressa de proteção à coisa julgada em âmbito constitucional. No Estado alemão, o princípio do Estado de Direito é composto essencialmente pela garantia da certeza do direito, alicerçado não só na ideia de desenvolvimento regular do processo, mas também na ideia de estabilidade da sua conclusão. Assim, para a doutrina jurídica alemã, o fundamento constitucional da coisa julgada encontra-se no

princípio do Estado de Direito.22

O eminente processualista observa ainda que: “a segurança jurídica pode

ser analisada em duas dimensões, uma objetiva e outra subjetiva”.23

A dimensão objetiva desse princípio baseia-se em dois fundamentos: a irretroatividade e a previsibilidade dos atos estatais, tais como o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF/88). A dimensão objetiva da segurança jurídica garante que as decisões sejam definitivas e imodificáveis,

20 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.

21 MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa Julgada Inconstitucional: a retroatividade da decisão de (in)constitucionalidade do STF sobre a coisa julgada: a questão da relativização da coisa julgada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 64.

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expressando-se através do instituto jurídico-processual da coisa julgada, que atende à necessidade de estabilidade das decisões emanadas do Poder Judiciário.

Pelo espectro da dimensão subjetiva, a segurança jurídica relaciona-se com a tutela dos cidadãos em face dos atos do Poder Público. Nessa dimensão, deparamo-nos com o princípio da proteção da confiança, que respeita à confiança que os atos estatais devem ensejar nos cidadãos. Por esse prisma da segurança, o papel desempenhado pela coisa julgada é o de garantir ao jurisdicionado que nenhum outro ato estatal poderá modificar ou violar a decisão que definiu o litígio. Isso desperta a confiança plena da sociedade nos atos estatais de solução de litígios.

Devido à estreitíssima relação que o princípio da segurança jurídica guarda com o instituto da coisa julgada, conforme largamente demonstrado supra, faz-se clara a veemente necessidade de esmiuçar o estudo da segurança jurídica para melhor compreender como a proposta de relativização da coisa julgada recairá sobre o trato com tal princípio na ordem jurídica vigente. Sobre essa afirmação, relata Janaína Noleto Castelo Branco:

Assim, a relativização da coisa julgada não diz respeito apenas ao princípio da intangibilidade da coisa julgada, que, como vimos, tem alcance restrito, posto que se dirige ao legislador. Diz respeito também ao princípio que fundamenta o instituto da coisa julgada, qual seja o princípio da segurança jurídica, este, sim, princípio constitucional informador do Estado Democrático de Direito, sem limitação de alcance pela Constituição Federal.24

Logo, percebemos que essencial se faz conhecer com certa profundidade o princípio da segurança jurídica, visto que ele será atingido pelo fenômeno da relativização da coisa julgada tanto quanto esta mesma, pois, conforme sabemos, a coisa julgada é corolário do princípio da segurança jurídica, que a alicerça, fundamenta e sustenta. É a segurança jurídica, ou melhor, sua extrema necessidade no âmbito das relações jurídicas que justifica a importância e relevância do instituto da coisa julgada no Direito.

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Sobremaneira, Carlos Valder do Nascimento realça a transcendência e o elevado valor jurídico da segurança em seu comentário sobre o princípio:

A segurança jurídica não se revela apenas pelo seu ângulo conceitual nem pode ser apreendida dentro de um contexto estritamente legal. Transcende, pois, o ordenamento jurídico, na medida em que outros ingredientes concorrem para sua conformação. Encarna, desse modo, a própria realização do direito como elemento fundante das necessidades humanas, por isso que sua estrutura formal exige o concurso de elementos fundamentais. Assim sendo, além da eficácia que perpassa todo o seu conteúdo, depende da certeza de cognoscibilidade e, sobretudo, de previsibilidade e do suporte jurídico como ponto determinante da certeza de validade dos seus efeitos no universo a que se circunscreve.25

Conforme coloca o autor, é indubitável a complexidade formal do princípio em comento, além da amplitude de seu alcance que se sobrepõe à legalidade estrita, demonstrando profundidade de conteúdo e de aplicabilidade. Confunde-se, pois, com a própria realização do direito, ao revelar em sua estrutura a presença de elementos fundamentais.

Diante do exposto neste e em outros subcapítulos do presente trabalho monográfico, é possível concluirmos que, pela natureza principiológica da segurança jurídica, e apesar da grandeza de sua importância, que permeia toda a matéria jurídica, não pode ela reinar absolutamente, devendo sim ser ponderada e sopesada quando em análise conjunta com outros princípios de igual teor de relevância para o cenário jurídico.

2.4 Segurança jurídica versus justiça

Demonstrou-se amiúde a posição de relevância ocupada pelo princípio da segurança no ordenamento jurídico, tanto que se aclarou a maneira como ela permeia todos os âmbitos das relações tuteladas pelo Direito. Porém, uma análise

(24)

ainda resta a ser feita, que é a da questão do embate entre segurança jurídica e justiça.

Tão caro à sociedade humana é esse valor chamado justiça, que se mostra pertinente não apenas ao Direito, mas a várias searas das relações sociais. Logicamente, a justiça mantém estreita ligação com o Direito, para o qual ela conforma-se como pilastra basilar, fundamento maior, pois, quanto mais próximo o direito chega de alcançar o ideal de justiça, mais ele atende aos anseios da sociedade por ele regulada.

Não me proponho a conceituar justiça, muitos já o tentaram. A exemplo, temos a escola do direito natural e seus ilustres representantes, dentre os quais se destaca Aristóteles com a teoria da mesótes. Segundo a teoria aristotélica, o conceito de justiça seria definido como um ponto equidistante entre a escassez e o excesso, um ponto, portanto, de equilíbrio. Apesar de várias tentativas de tantos grandes pensadores, a tarefa de conceituar justiça sempre encontra obstáculos no

campo da abstratividade.26

Essa dificuldade de conceituar uma expressão tão rica e enigmática e com carga valorativa altíssima bem se explica nas palavras de Janaína Noleto: “É fácil perceber, através de um simples olhar sobre os últimos conflitos armados, que mesmo civilizações contemporâneas possuem visões absolutamente díspares do que seja justo. É que o conceito de justiça liga-se a razões de toda ordem (cultural,

histórica, econômica, sociológica etc)”.27

Postas as primeiras palavras no sentido de compreender o termo justiça, passemos agora para o deslinde do conflito que nos interessa, explorando um pouco mais da relação estabelecida entre o princípio da segurança jurídica e o ideal de justiça.

26 LINS FILHO, Bartolomeu Bastos Acioli. Justiça x segurança jurídica: a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 754, 28 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7079>. Acesso em: 11 de abril de 2010.

(25)

A análise da coisa julgada e, mais ainda, o estudo das possibilidades jurídicas de sua relativização passam exatamente por dentro do conflito entre segurança e justiça, pois relativizar a decisão injusta ou contrária à Lei Maior poderia ser visto como privilegiar a justiça em detrimento da segurança. Porém, não relativizar poderia significar sobrepor o princípio da segurança jurídica à realização da justiça.

Sobre o aspecto ora tratado, Carlos Valder do Nascimento aponta-nos sua opinião:

Havendo simetria entre segurança e justiça, na perspectiva lógica da aplicação do direito, o conflito que se procura estabelecer entre ambas é de mera aparência. De fato, inadmissível a segurança servir de pano de fundo para impedir a impugnação da coisa julgada, imutável, imodificável e absoluta, na percepção dos processualistas mais conservadores. Mas torna-se necessário enfrentar tais resistências, desmistificando essa idéia de superação do Estado de Direito pelo Poder Judiciário.28

Nesse diapasão de que o princípio da segurança jurídica não se deve opor ao valor justiça, o autor explicita comentário de Juary C. Silva:

(...) em suma, a coisa julgada não é um valor absoluto, e no contraste entre ela e a idéia de justiça, esta é que deve prevalecer. Daí, não é preciso mais que um passo no sentido de fazer subsistir a responsabilidade do Estado pelo exercício da função institucional, ainda que isso implique certa restrição da amplitude do conceito da coisa julgada.29

Juary C. Silva, sem meias palavras, escolhe, de pronto, a ideia que vem defender. Não faz rodeios o autor para afirmar a prevalência da justiça sobre a coisa julgada, que apóia sua pretensa absolutividade na segurança jurídica. Completa, ainda, seu raciocínio ao expor a simplicidade necessária ao entendimento de que o Estado é quem deve responsabilizar-se pela função institucional.

28 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Por uma Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 119 e 120.

(26)

Há juristas que argumentam que a segurança jurídica é dotada de um aspecto político, através do qual se propõe a garantir a estabilidade social. Por tal compreensão, haveria um limite lógico ou temporal na busca da justiça, ou seja, a luta no sentido de alcançar uma sentença justa deveria ser limitada a certo ponto. Transposto tal ponto limítrofe, reinaria inconteste a sentença transitada em julgado, justa ou não, simplesmente pelo intuito de pôr fim ao litígio e assegurar a

imutabilidade de tal solução, fosse ela qual fosse.30

Defende veementemente o posicionamento supracitado o Ministro Luiz Fux, conforme trecho transcrito:

O fundamento político da coisa julgada não está comprometido nem com a verdade nem com a justiça da decisão. Uma decisão judicial, malgrado solidificada, com alto grau de imperfeição, pode perfeitamente resultar na última e imutável definição do judiciário, porquanto o que se pretende através dela é a estabilidade social.31

Respeitamos o posicionamento do jurista, mas sua visão não retrata absolutamente aquilo em que acreditamos. A injustiça não permite a estabilidade social buscada pelo simples fato de não mais poder ser alterada, pelo contrário, apenas alimenta revoltas e inconformismos dos jurisdicionados, além, é claro, de descredibilizar a atuação do Poder Judiciário.

Carlos Valder do Nascimento traduz perfeitamente o sentimento que nos contagia em relação à cristalização de injustiças em nome da ilusória estabilidade social:

Não há como a inconstitucionalidade que contamina a coisa julgada povoar o ordenamento jurisdicional, dando-lhe o contorno de conteúdo pronto e acabado, absorvido pelo vício que viceja no seu âmago. Nada pode ser definitivo pela mera aparência, senão por terem concorrido para sua construção, elementos que, pela sua consistência, tenham sido concebidos conforme a equidade. (...)

30 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Por uma Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 123.

(27)

Não existe pertinência entre as sentenças iníqua, injusta e inconstitucional, com a segurança jurídica, visto configurar coisas diametralmente opostas. A segurança jurídica pressupõe decisão conforme a constitucionalidade, encontrando no princípio da moralidade o pilar básico de sua sustentação. Fora disso, é a consolidação do absurdo, como pretexto para tornar definitiva uma situação que não resiste ao menor argumento ético e jurídico. (...)

Conquanto a sentença possa ser vista pela ótica política ou jurídica, isso não quer dizer que ela se preste ao papel de consagradora de uma injustiça. Ademais, a estabilidade social que se pretende obter a partir de uma solução definitiva, nessa condição, não resiste à menor análise. De fato, a busca da justiça não deve sofrer limitação de qualquer ordem, pois, se assim fosse, haveria de correr-se o risco de transformar a iniqüidade num manto de satisfação.32

Pelas considerações do doutrinador, torna-se evidente que é ilógico alimentar a pretensão de suplantar o ideal de justiça, tomando por pretexto a segurança jurídica e a força da coisa julgada, uma vez que justiça e segurança não devem confrontar-se, e sim caminharem juntas, do contrário, podemos dizer que a segurança estaria sendo utilizada de forma equivocada, como bem observa Carlos Valder:

Nesse caso, a segurança jurídica, como de resto determinadas regras processuais, surgem como elementos de oposição à plena realização do fenômeno jurídico. São tomadas em si mesmas, como um valor enclausurado no próprio corpo que lhe dá consistência, transformando-se num instrumento de imposição ao sacrificar o direito em sua homenagem. Em razão disso, usa-se a segurança como pretexto para negar o direito do cidadão, escamoteado por sentenças injustas, fraudulentas e inconstitucionais.33

Inaceitável admitir o desvirtuamento de um princípio tão valoroso e caro ao direito, de modo a transformá-lo numa camada de blindagem a proteger sentenças injustas, tais como aquelas que se confrontam com o direito posto na Carta Magna. Verdadeiro absurdo tentar resguardar injustiças utilizando-se da imutabilidade conferida à coisa julgada pelo princípio da segurança jurídica.

Assim, finaliza Carlos Valder:

32 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Por uma Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 122 a 124.

(28)

Essa idéia de superação da justiça pela segurança jurídica não tem a menor acolhida no seio dos pensadores contemporâneos, em face da total impossibilidade de sua interação com o ambiente processualista constitucional (...).34

Outro equívoco é pensar-se que a segurança jurídica pode ser alcançada sem que a sentença seja manifestamente justa. É absurda a idéia segundo a qual a revisão da coisa julgada possa implicar insegurança geral.35

Portanto, melhor seria dizer que a segurança só deve servir à justiça, pois apenas decisões justas têm o condão de realizar a estabilidade e a pacificação da sociedade, tão necessitada de ver efetivado o ideal de justiça. A insegurança está na imposição aos cidadãos de decisões arbitrárias, que só subsistem pela força do autoritarismo. A justiça é o bem maior e só ela merece primazia, só ela merece ser resguardada, protegida, assegurada.

34 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Por uma Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 124.

(29)

3 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

3.1 Supremacia da Constituição Federal

Discorrer sobre o princípio da supremacia constitucional requer, indubitavelmente, invocar os comentários dos mais renomados constitucionalistas. Desta feita, exponho os ensinamentos de José Afonso da Silva a respeito da natureza e representatividade de nossas normas constitucionais:

Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado Brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou o do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivadas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal.36

Através das lições de José Afonso da Silva, percebemos que somente a Constituição Federal é soberana. De fato, a Lei Maior reina sobre as demais normas do ordenamento jurídico pátrio, que a ela devem submissão.

Relativamente aos poderes, claro se faz o controle exercido sobre eles. Os atos administrativos e legislativos sofrem o controle do Poder Judiciário, seja de modo difuso ou concentrado. Assim, a Constituição Federal confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para estender o seu controle e alcançar os atos dos outros dois poderes.

Contudo, o Poder Judiciário, ora controlador e avaliador, também sofre o máximo controle sobre as decisões emanadas dos seus Tribunais, de forma que são

(30)

múltiplas as possibilidades de reformar, invalidar, esclarecer, integrar e até mesmo

anular uma sentença judicial maculada por imperfeições.37

Tais controles são não apenas legítimos, mas absolutamente necessários à manutenção da harmonia entre os três poderes constituídos e à conformação dos atos emanados do Executivo, do Legislativo e do Judiciário com a vontade do legislador constituinte.

Assim, ainda consoante o pensamento de José Afonso da Silva, é a rigidez constitucional que confere a possibilidade de controle. Somente em constituições rígidas, em relação às quais se entende que nenhum ato normativo delas decorrentes pode modificá-las, é possível verificar-se a superioridade da

norma constitucional em face às demais normas e atos estatais.38

De acordo com a visão kelseniana de um sistema jurídico escalonado e que tenha em seu ápice a Constituição Federal, entende-se que todo e qualquer conflito que desrespeite e agrida a norma posta na Carta Magna, viola, de pronto, o princípio essencial a um Estado Constitucional, qual seja, o da supremacia da Constituição Federal.

Logo, a compreensão da Constituição como lei fundamental leva ao reconhecimento de sua supremacia na ordem jurídica. Portanto, são extremamente necessários mecanismos jurídicos que a garantam contra agressões. Do contrário, a harmonia do ordenamento estaria seriamente comprometida.

Vejamos o posicionamento de José Joaquim Gomes Canotilho a respeito da importância da defesa e proteção das normas constitucionais para a manutenção do Estado:

37 CAMINHA, Marcus Vinícius. Coisa julgada inconstitucional: divagações. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 280, 13 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5088>. Acesso em: 18 mar. 2010.

(31)

O Estado constitucional democrático ficaria incompleto e enfraquecido se não assegurasse um mínimo de garantias e de sanções: garantias de observância, estabilidade e preservação das normas constitucionais, sanções contra actos dos órgãos de soberania e de outros poderes públicos não conformes com a constituição. A ideia de protecção, defesa, tutela ou garantia da ordem constitucional tem como antecedente a ideia de defesa do Estado, que, num sentido amplo e global, se pode definir como o complexo de institutos, garantias e medidas destinadas a defender e proteger, interna e externamente, a existência jurídica e fáctica do Estado (defesa do território, defesa da independência, defesa das instituições).

A partir do Estado constitucional passou a falar-se de defesa ou garantia da constituição e não de defesa do Estado. Compreende-se a mudança de enunciado lingüístico. No Estado constitucional o objecto de protecção ou defesa não é, pura e simplesmente, a defesa do Estado, mas da forma de Estado tal como ela é normativo-constitucionalmente conformada – o Estado constitucional democrático.39

Apregoa Canotilho que as instituições formadoras do Estado necessitam, para manter-se, da ordem constitucional que as formou. Logo, o respeito às normas constitucionais é fundamental para que o Estado Constitucional Democrático permaneça firme, forte e coeso. E a garantia de proteção e preservação da Lei Maior, assecuratória do Estado, deve apresentar-se acompanhada de sanções aplicáveis aos atos atentatórios contra a soberania constitucional, pois essa garantia só será efetivada se se apoiar em medidas sancionadoras dos atos transgressores da supremacia constitucional.

É óbvio que sancionar tentativas de cristalizar inconstitucionalidades é indispensável à manutenção da supremacia da Constituição, pois, se o ato inconstitucional prevalece, então a norma constitucional não está sendo tratada com a devida consideração de lei suprema. Assim, os atos normativos inferiores deverão ter eficácia apenas se não contrariarem as previsões da Lei Maior. Por atos normativos infraconstitucionais, entendamos leis, atos administrativos, contratos particulares e também sentenças.

As palavras de Dalmo de Abreu Dallari reafirmam a força jurídica e a máxima eficácia das normas constitucionais, cuja supremacia jamais estará superada:

(32)

Atuando como padrão jurídico fundamental, que se impõe ao Estado, aos governantes e aos governados, as normas constitucionais condicionam todo o sistema jurídico, daí resultando a exigência absoluta de que lhes sejam conformes todos os atos que pretendam produzir efeitos jurídicos dentro do sistema.40

Dalmo Dallari torna nítida a ideia de prevalência das normas constitucionais sobre as demais normas jurídicas que compõem o ordenamento pátrio, reforçando a noção de que os atos normativos infraconstitucionais devem conformar-se com os ditames da Carta Magna, e não o contrário, que seria verdadeiro contrassenso.

André Ramos Tavares nos doa sua contribuição sobre o tema da supremacia da Constituição Federal e, em linguagem singular, nos relata a superioridade de um conjunto normativo eleito por uma comunidade para ser, naquele contexto histórico e para aquele grupo determinado, supremo por sobre os demais existentes:

A partir do momento em que a comunidade fixa seus princípios, seus fundamentos basilares, numa Lei Maior, ganha grande importância a forma pela qual será esta compreendida e aplicada. A Constituição, além de pairar acima de qualquer outra norma jurídica escrita, que não poderá com ela conflitar ou contrapor-se validamente, exerce uma sorte de influência, já que igualmente se encontra ela acima de todos os poderes do Estado, posto tratar-se sempre de poderes que foram por ela mesma constituídos e, nessa medida, que a ela devem obediência.41

Luiz Geraldo Floeter Guimarães em artigo jurídico em que discorre sobre o respeito à Constituição relembra brilhantemente a decisão histórica proferida pela Suprema Corte dos EUA, através do juiz Marshall, que assim pronunciou-se, em

1803 sobre o caso Marbury x Madison:

40 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 153.

(33)

Ou a Constituição é a lei superior, intocável por meios ordinários, ou ela está no mesmo nível que os atos legislativos ordinários, e, como outros atos, é alterável quando à legislatura aprouver alterá-los. Se a primeira parte da alternativa é verdadeira, então um ato legislativo contrário à Constituição não é lei; se a última é verdadeira, então as constituições escritas são tentativas absurdas por parte do povo de limitar um poder por sua natureza ilimitável.42

Já previa o juiz americano que um ato contrário à Constituição e, portanto, maculado pela inconstitucionalidade seria simplesmente nulo, inexistente e sem valor jurídico algum. Ou seja, o ato inconstitucional não deveria ser considerado ato normativo válido, capaz de produzir seus efeitos no meio jurídico.

Por conseguinte, chega-se à conclusão de que o princípio da supremacia da Constituição Federal, decorrente de sua rigidez, é fundamento basilar para a desconsideração jurídica de atos normativos contrários às normas constitucionais. Logo, é a posição de superioridade da Carta Magna que deverá resguardá-la do convívio, em seu sistema jurídico, com normas inferiores que venham a contrariar os seus ditames. Sendo a norma constitucional superior às demais existentes no ordenamento jurídico vigente, ela prevalecerá quando em confronto com estas.

Portanto, a sentença, como ato normativo infraconstitucional que é, deve submeter-se e conformar-se à norma positivada na Lei Maior. Não é possível admitir, em nosso sistema de Constituição Federal rígida, que uma sentença proferida por um magistrado, mesmo que competente para tal, seja considerada capaz de

produzir seus efeitos se essa sentença confronta-se com o direito posto na Norma

Normarum.

Aponta-se necessário, portanto, um controle de constitucionalidade sobre tais sentenças que afrontam as normas superiores, de modo a extirpar, do mundo jurídico, decisões inconsistentes e incoerentes, por serem desconformes à Constituição Federal.

(34)

3.2 Conceito de Coisa Julgada Inconstitucional

Em nosso primeiro capítulo, já nos ocupamos de estabelecer, amparados em renomados doutrinadores, a conceituação do instituto jurídico-processual da coisa julgada. Pois bem, nossa próxima tarefa torna-se, então, facilitada, visto que aqui pretendemos conceituar o que o direito pátrio entende por coisa julgada inconstitucional.

No sistema jurídico brasileiro, alcançado o trânsito em julgado de decisão que pôs fim ao conflito com julgamento do mérito da causa, tem-se formada a coisa julgada, que, como qualidade da sentença, torna esta e seus respectivos efeitos imunes de reapreciação judicial, excetuando-se as situações previstas taxativamente

na lei processual.43

No entanto, a sentença transitada em julgado, com autoridade de coisa julgada, pode ser conforme a Constituição ou contrária aos dispositivos constitucionais, na hipótese de concretizar-se a segunda opção, temos, então, a sentença inconstitucional transitada em julgado.

Portanto, é a dita coisa julgada inconstitucional, em verdade, uma sentença judicial que transitou em julgado, mas que carrega a mácula da inconstitucionalidade. É, tal sentença, um ato normativo de conteúdo contrário ao direito posto na Carta Magna, que se confronta com este.

E devemos entender que as sentenças, como atos normativos que são, podem e devem ser classificadas a fim de sofrerem um controle de constitucionalidade, visto que os atos jurisdicionais, assim como todos os atos proferidos pelo Poder Público, encontram-se subordinados ao princípio da constitucionalidade. O Poder Judiciário está sim sujeito ao cometimento de atos eivados de inconstitucionalidade quando da sua produção normativa, uma vez que o

(35)

Judiciário não é mero reprodutor da Lei, mas produtor de atos de caráter

normativo.44

Assim, chegamos à compreensão do significado da polêmica expressão 'coisa julgada inconstitucional' como sendo a sentença transitada em julgado contaminada pelo vício da inconstitucionalidade. Logo, tal produção jurisprudencial que ataca a Lei Maior e distancia-se dos preceitos por ela consagrados deverá ser cuidadosamente analisada quanto à validação de seus efeitos no universo jurídico.

3.3 Relativização da coisa julgada inconstitucional

Conforme raciocínio desenvolvido anteriormente, concluímos ser a coisa julgada a sentença inconstitucional transitada em julgado. Portanto, na formação de tal instituto jurídico-processual, temos uma decisão contrária às normas constitucionais, mas que se encontra, por sua qualidade de coisa julgada, intocável, intangível e, então, protegida da possibilidade de revisão e correção.

A proposta de relativização da coisa julgada tem por fim apresentar tal possibilidade de revisar uma sentença que ofenda a Constituição Federal e o

princípio da justiça, mesmo diante da rigidez e definitividade do decisum conferidas

pelo predicativo da coisa julgada.

Wantuil Holz, citando Dinamarco, em artigo jurídico publicado na Revista da Faculdade de Direito de Campos, relata bem o posicionamento da doutrina defensora da relativização:

O argumento preponderante dos que militam em prol da relativização da coisa julgada é o nobre primado da justiça. Segundo essa corrente, o valor da segurança jurídica não é um valor absoluto no ordenamento jurídico,

(36)

dado que deve conviver com um valor de primeiríssima grandeza, qual seja o da justiça das decisões emanadas pelo Judiciário.45

Com tal relato, percebemos que o motivo impulsionador dos ousados defensores da teoria da relativização é a incansável busca por justiça, o “nobre primado” a que se dedica a ciência do Direito. Não há intenção de preterir a segurança jurídica, mas apenas de sopesá-la, como princípio que é, quando na presença de outros princípios.

E continua, Holz, com as palavras de Dinamarco:

Onde quer que se tenha uma decisão aberrante de valores, princípios, garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos juridicamente impossíveis e, portanto, não incidirá a autoridade da coisa julgada material – porque, como sempre, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação agrida a ordem jurídico-constitucional.46

No pensar do consagrado processualista, quando uma decisão é aberrante, ela traz consigo efeitos juridicamente impossíveis e, diante de tal, não é possível alcançar a imunidade, através da autoridade da coisa julgada. Para Dinamarco, portanto, uma decisão teratológica não está apta a resguardar-se sob o manto da coisa julgada, pois a imutabilidade desse instituto jurídico-processual não se aplicaria a decisões juridicamente impossíveis.

Wantuil Luiz Cândido Holz comenta a afirmação de Dinamarco sobre as possibilidades ensejadoras da relativização e analisa a concepção jurídica em que se baseia a doutrina da relativização da coisa julgada:

Dinamarco sistematiza todos os casos em que se justificaria a relativização da coisa julgada na seguinte passagem: “não é lícito entrincheirar-se comodamente detrás da barreira da coisa julgada e, em nome desta, sistematicamente assegurar a eternização de injustiças, de absurdos, de fraudes ou de inconstitucionalidades”.

45 HOLZ, Wantuil Luiz Cândido. A relativização da coisa julgada no processo civil. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, nº 8 – Junho de 2006, p. 536.

(37)

Como se observa, a doutrina da relativização da coisa julgada material constrói sua concepção tendo como premissa que a correta aplicação da ordem jurídica (suas garantias, seus valores, seus princípios e suas normas) se traduz em dogma inatingível e que deve pairar acima até da segurança das relações jurídicas. Não que esta doutrina queira esvaziar de sentido o princípio da segurança jurídica, pelo contrário, mas vêem na justiça das decisões um valor maior a ser protegido.47

Holz sintetiza, em seu relato, a concepção jurídica em que se apóia a doutrina da relativização e como esta interpreta a aplicação do princípio da segurança jurídica, ante o ideal de justiça das decisões.

José Afonso da Silva, um dos maiores constitucionalistas da atualidade, expõe sua observação acerca da interpretação constitucional do instituto da coisa julgada:

A proteção constitucional da coisa julgada não impede, contudo, que a lei preordene regras para a sua rescisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra a atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez o artigo 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio de ação rescisória.48

O constitucionalista entende plenamente coerente a possibilidade de desconstituição da coisa julgada maculada por injustiças mediante previsão legal. Defende, José Afonso da Silva, que a coisa julgada não seja tomada como intocável, pois não foi tal absolutismo formal que a proteção constitucional desse instituto processual desejou para sua atuação jurídica. Também nesse sentido manifestaram-se Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina:

Fala-se em proteção constitucional da coisa julgada. Mas é importante observar-se que a Constituição Federal protege da incidência da nova lei decisão que se tenha baseado em lei anterior e que, sob a égide desta, tenha transitado em julgado. Por isso é que se pode dizer que a proteção à coisa julgada é uma das facetas do princípio da irretroatividade da lei.

47 HOLZ, Wantuil Luiz Cândido. A relativização da coisa julgada no processo civil. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, nº 8 – Junho de 2006, p. 539.

(38)

Essa proteção não significa que a lei ordinária não possa alterar o regime da coisa julgada, como na ação popular, e mesmo estabelecer que, em determinadas hipóteses, como na ação de alimentos ou no processo cautelar, a coisa julgada não ocorre.49

Outro jurista que colabora com a ideia aqui exposta, através de suas palavras, levando-nos à reflexão ainda mais crítica do tema, é Araken de Assis, que faz uma inteligentíssima comparação entre a coisa julgada, produto da atuação do Poder Judiciário, e a lei, fruto do trabalho do Poder Legislativo:

A coisa julgada não pode suplantar a lei, em tema de constitucionalidade, pelo paradoxo em que se faria cair o ordenamento jurídico: transformar-se-ia a res iudicata num instituto superior à própria Constituição. Se a lei não é imune aos efeitos negativos da inconstitucionalidade, qualquer que seja o tempo de sua entrada em vigor, assim também ocorreria, a nosso ver, com a coisa julgada – que tem “força de lei”.50

Bastante convidativas a uma reflexão profunda sobre o tema da relativização da coisa julgada são as opiniões demonstradas supra, porém, como toda ideia inovadora, principalmente no meio das ciências jurídicas, o tema polêmico da relativização encontra defensores e também opositores. A doutrina acha-se bastante dividido e são muitos os juristas que, mesmo apoiando-se em argumentações frágeis, repudiam a teoria da relativização das decisões injustas transitadas em julgado, exaltando o valor da segurança jurídica em detrimento do caríssimo valor justiça.

William Felipe Camargo Zuqueti transcreveu em seu artigo jurídico a rígida opinião de Kazuo Watanabe sobre o debatido. Vejamos:

Deve-se deixar claro, de início, é a natureza constitucional que se deve agregar à coisa julgada, sem que ela seja tratada como norma de valor menor, a ponto de, por qualquer razão, ser mitigada com a simples justificativa da existência de decisões injustas, já que, entre o justo absoluto,

49 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 170 e 171. 50 ASSIS, Araken de. Eficácia da coisa julgada inconstitucional. In: Revista Dialética de Direito

(39)

utópico, e o injusto possível, realizável, o nosso sistema constitucional optou, por certo, pelo segundo, que é refletido na segurança jurídica da coisa julgada material.51

Em seu artigo jurídico, o especialista em Direito Processual Civil faz interessante comentário sobre o posicionamento supracitado de Watanabe:

Não é de se negar que a corrente constitucionalista é por demais atraente, mas sucumbe em coerência, tendo em vista que esta ao desconsiderar algumas situações que são velhas conhecidas da doutrina como as sentenças injustas, em prol de um valor que segundo ela seria de maior grau – a segurança jurídica – acaba por machucar o cerne Constitucional, que seria o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ao aceitar a possibilidade do sistema jurídico conviver com injustiças em casos concretos, em benefício de um valor superior (segurança), estão aceitando que a Dignidade Humana pode ser violada, desde que em favor da coletividade; absurdo que não encontra guarida, sem qualquer sombra de dúvidas, na Constituição Cidadã de 88.52

Contudo, o jurista Kazuo Watanabe não é o único doutrinador a emitir opiniões exacerbadas em seu conservadorismo sobre a corajosa tentativa de alcançar a justiça das decisões, através da relativização da coisa julgada. Nelson Nery Jr, conforme apresentado por Janaína Noleto Castelo Branco, “em defesa da

prevalência da segurança jurídica sobre o valor justiça quando em conflito”53,

mostra-se fechado à discussão, ao relatar uma visão tão conmostra-servadora do sistema constitucional brasileiro:

Consoante o direito constitucional de ação (CF 5º XXXV), busca-se pelo processo a tutela jurisdicional adequada e justa. A sentença justa é o ideal – utópico – maior do processo. Outro valor não menos importante para essa busca é a segurança das relações sociais e jurídicas. Havendo choque entre esses dois valores (justiça da sentença e segurança das relações sociais e jurídicas), o sistema constitucional brasileiro resolve o choque optando pelo valor segurança (coisa julgada), que deve prevalecer em relação à justiça, que será sacrificada.54

51 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 1. ed. São Paulo: RT, 1987, p. 83. 52 ZUQUETI, Willian Felipe Camargo. O principio da intangibilidade da coisa julgada e sua

relatividade. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2203, 13 jul. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13141>. Acesso em: 18 mar. 2010.

53 CASTELO BRANCO, Janaína Soares Noleto. Coisa Julgada Inconstitucional: teoria e prática. São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 43.

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