Capítulo 3: Caracterização do Universo de Estudos
3.4 Manejo Pesqueiro
A política de manejo fundamenta-se no uso de instrumentos de comando e controle. Leis e resoluções constituem o principal, senão único, modo de regulação e controle da atividade. Medeiros (1999) analisou o impacto das políticas públicas sobre a pesca profissional e explica que o problema maior está no fato de que a regulação da atividade encontra-se “dentro” do órgão ambiental. Não há portanto uma política setorial. O artigo 9º da Lei 7.881 de 30/12/2000 deixa isso claro quando determina que a execução da política de pesca cabe à FEMA. Nesta perspectiva, a pesca é concebida a priori como uma atividade degradante e seus agentes, principalmente os profissionais, contraventores em potencial.
Na Agenda 21 (2000) é observado que esses instrumentos não estão surtindo os efeitos desejados face as dificuldade na sua aplicação apontando, dentre outros: deficiências na fiscalização, os conflitos de interesse, a desarticulação entre os órgãos e a falta de informações. Catella (2001) e Santos (2002), observaram problemas ocorridos em função das divergências entre a esfera federal e estadual e entre os estados de MT e MS. No entanto, tendências ao alinhamento começam a ser observadas como no § 2° do art. 22 na lei n° 7.881 que estabelece a simultaneidade com MS no período de defeso27.
Observa-se que a ênfase recai sobre o esforço/pescador e não sobre o esforço/capacidade suporte, o que pode ser observado no quadro 13. Não está explícito o controle sobre o número de pescadores. Em tese ele é livre para quem quiser pescar, desde que pague pela devida licença. Essa acaba por se tornar o único instrumento econômico utilizado e que pode significar restrições ao número de pescadores. Por outro lado, e de forma geral, a fiscalização constitui-se numa tarefa difícil e de considerável custo administrativo. Quadro 13: Principais instrumentos de manejo pesqueiro em Mato Grosso
Instrumento Descrição Medidas mínimas de
captura
Tamanhos mínimos: medidas mínimas de acordo com cada espécie. Ex.: Pacu, 45 cm; Pintado, 95 cm.
Quantidades: profissional, 100kg/semana; amador, 10kg/viagem. Controle de
Petrechos
Permitido apenas anzol e linha. Ao profissional é permitido ainda o uso de tarrafa para coleta de iscas.
Interdição de áreas A jusante e a montante das proximidades de barragens, cachoeiras e
corredeiras, escadas, embocaduras de baías e locais onde cause embaraço à navegação.
Interdição de períodos
Época de reprodução dos cardumes denominada de período de defeso ou piracema, estabelecida pela legislação competente.
Proibições de práticas outras
Uso de substâncias tóxicas, explosivos e derivação de cursos d’água ou esgotamento de lagos de domínio público. Captura de iscas vivas com fins comerciais.
Fonte: Lei estadual n° 7.881 de 30/12/02, em WWW.al.mt.gov.br. Acesso em 12/10/2003.
As sucessivas mudanças na legislação, embora possam ser defendidas como formas de avanço no sentido de proteger as espécies podem também indicar a dificuldade de se buscar resolver os problemas utilizando quase que exclusivamente este instrumento. No quando 14 apresentamos as principais mudanças na legislação ao longo de 7 anos de vigor de lei específica para a pesca no Estado de Mato Grosso.
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Quadro 14: Síntese da legislação de pesca do Estado de Mato Grosso
Lei Características principais
6.672 de 20/10/95
Lei da Pesca. Primeira lei estadual de regulamentação da atividade. Como tal apresenta as definições, competências, procedimentos, normatizações e punições.
Atribui a FEMA a fiscalização da atividade, desde a captura até a comercialização.
O pesca profissional é concebida na forma artesanal e como única atividade de quem a realiza.
Estabelece a cota transporte em 1.000kg para o profissional e 30kg para amadores.
7.155 de 21/07/99
Altera de transporte para 100kg por profissional e 1000kg por associação ou colônia de pescadores, estipula a cota de 20kg ou um exemplar para os amadores.
Libera a petrecho anzol de galho, aparelho fixo muito usado pelos pescadores profissionais.
7.881 de 30/12/02
Lei mais abrangente que as demais. Institui as diretrizes da política estadual de pesca; cria o Conselho Estadual de Pesca – CEPESCA – órgão consultivo com representantes dos segmentos sociais afins. Institui junto à FEMA o Serviço Estadual de Controle de Pesca e Aqüicultura – SECPESCA – para fins de gestão e manejo sustentável dos recursos pesqueiros e aqüicultura.
Exclui a expressão artesanal vinculada ao profissional bem como concebe a atividade não mais como único, mas como principal meio de vida.
Estipula cota de 100kg/semana para os profissionais e 10kg mais um exemplar de qualquer peso para os amadores.
Revoga a liberação do petrecho anzol de galho.
Fonte: WWW.al.mt.gov.br. Acesso em 12/10/2003.
Para Medeiros (1999) e Catella (2001), a forma do manejo tem causado prejuízos para a pesca profissional. A despeito das diferenças entre as categorias de pesca – turística e profissional – a legislação difere apenas no que diz respeito às cotas permitidas a cada uma e no máximo à utilização da tarrafa isqueira, permitida aos profissionais para coleta de iscas. No mais tudo se iguala, a despeito de serem agentes econômicos muito distintos, pois para o profissional o objetivo é o peixe enquanto valor de troca, para o amador é a pesca enquanto valor de uso. Essa diferença, acrescida da especificidade econômica do recurso – público de propriedade comum – se não observada, tende a provocar falhas de mercado, principalmente externalidades, o que compromete a sustentabilidade do recurso e conseqüentemente das atividades que dele dependam.
Para mudar o quadro geral que foi apresentado é importante que seja implementada a política específica para a atividade, já expressa em lei (Quadro 14). A realização sustentável da pesca requer a ampliação do leque de instrumentos que de forma
geral tem se concentrado nos de comando e controle28 (AGENDA 21, 2000). O interesse sobre os recursos pesqueiros por agentes tão distintos é um forte indicativo dessa demanda ao mesmo tempo em que a reforça.
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