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3 FLUXO CONTÍNUO: CONCEITOS BÁSICOS E FERRAMENTAS PARA

3.2 Ferramentas de gestão para a implementação do fluxo contínuo

3.2.1 Ferramentas tradicionais da Mentalidade Enxuta

3.2.1.1 Mapa de Fluxo de Valor

Rother e Harris (2002) propõem como primeiro passo na implementação do fluxo contínuo o mapeamento do fluxo de valor, incluindo os fluxos de materiais e informações, do produto ou família de produtos escolhida como foco de melhoria. O principal objetivo do mapeamento do fluxo de valor é identificar a ocorrência de desperdícios e tentar eliminá-los por meio de um projeto do sistema de produção, ou seja, um estado futuro do sistema, no qual se adote o fluxo contínuo e a produção puxada (ROTHER; SHOOK, 1999).

No Mapa do Fluxo de Valor (MFV) são representadas as etapas envolvidas nos fluxos de materiais, necessárias para atender aos clientes, desde o pedido até a entrega (LIB, 2003). Os MFV funcionam como uma fotografia da empresa, escritório, ou fábrica, ilustrando como estão naquele exato momento os estoques, a demanda, os tempos de ciclo, tempo takt, entre outras variáveis. Assim, deve ser redesenhado em diferentes momentos a fim de revelar novas oportunidades de melhoria. É uma

ferramenta predominantemente gráfica, que permite visualizar e entender processos, a partir da síntese de um conjunto de informações consideradas essenciais para identificar desperdícios.

Rother e Harris (2002) afirmam que o fluxo de valor pode ser analisado em diferentes níveis (Figura 3.18), desde um simples processo na fábrica, até o caminho total, desde matéria-prima até o produto acabado, considerando toda a cadeia de valor (ou seja, várias empresas). Os mesmos autores sugerem que se deve iniciar pelos fluxos de materiais e informações dentro dos limites de uma fábrica ou posto de trabalho. Somente após a análise neste nível, parte-se para uma análise mais detalhada em nível de processo (Figura 3.18). Neste trabalho, não é discutida a aplicação do mapeamento de fluxo de valor nos níveis de múltiplas plantas e várias empresas.

Nível de processo Planta Múltiplas plantas Várias empresas Ponto de partida Foco na implementação do fluxo contínuo Nível de processo Planta Múltiplas plantas Várias empresas Ponto de partida Foco na implementação do fluxo contínuo

Figura 3.18 Diferentes níveis de fluxo de valor (ROTHER; SHOOK, 1999)

As principais etapas no mapeamento do fluxo de valor são descritas por Rother e Shook (1999). São elas: identificação da família de produtos, mapeamento do estado atual, mapeamento do estado futuro, elaboração do plano de trabalho e implementação. Nos itens seguintes, cada uma dessas etapas é detalhada, com base nos referidos autores.

Rother e Shook (1999) definem família de produtos como um grupo de produtos que passam por etapas semelhantes de processamento e utilizam equipamentos comuns. Os autores sugerem que o ponto de partida é identificar e diferenciar as famílias por produtos da fábrica, do ponto de vista dos consumidores e que o mapeamento do fluxo de valor deve começar por uma dessas famílias.

3.2.1.1.2 Mapeamento do estado atual

O desenho do Mapa de Fluxo de Valor (ver exemplo na Figura 3.19) deve feito de forma simples, utilizando-se de um conjunto de símbolos ou ícones padronizados, os quais foram propostos por Rother e Shook (1999) (ver Anexo A).

Figura 3.19 Exemplo de Mapa de Fluxo de Valor do estado atual (LIB, 2003)

O mapeamento inicia pela caracterização da demanda do consumidor. O cliente da fábrica é representado pelo ícone cliente, colocado no canto direito do mapa, ao alto. Abaixo deste ícone desenha-se uma caixa de dados (Figura 3.19), registrando informações acerca das necessidades do cliente em relação à empresa analisada. Os dados relativos ao cliente são: consumo do produto por dia ou mês, forma como o

Fábrica Caixa processo Caixa de dados Transporte Estoque Caixa pequena

produto é entregue (bandejas, pallets, unidades, por exemplo) e o número de turnos que a fábrica do cliente opera.

O próximo passo é o desenho dos processos básicos envolvidos na produção. O fluxo de materiais é desenhado da esquerda para direita, na seqüência das etapas do processo. Sugere-se que a identificação dessas etapas e a coleta dos dados necessários sejam realizadas por meio de uma visita no chão da fábrica. Cada processo é representado pelo ícone caixa de processo (Figura 3.19). Abaixo de cada caixa de processo, desenha-se uma caixa de dados, na qual são registradas as seguintes informações sobre os processos:

− Tempo de ciclo (T/C): tempo que leva entre um componente e o próximo saírem do mesmo processo, ou seja, mede-se a freqüência com que uma peça (ou um produto) é completada por um processo (LIB, 2003). Inclui os tempos usados na própria operação e na preparação, carregamento e descarregamento dos materiais;

− Tempo de troca (Tr): tempo para mudar a produção de um tipo de produto para outro, também conhecido como tempo de setup da máquina;

− Número de pessoas: refere-se às pessoas necessárias para operar o processo, sendo indicado pelo ícone operador (ver Anexo A), representado dentro da caixa de processo;

− Tempo de trabalho disponível: tempo efetivamente disponível por turno no processo, do qual se descontam os tempos de descanso, em reuniões e de limpeza;

− Tamanho dos lotes de produção (TLP).

No mapa usa-se, geralmente, a unidade de segundos para o tempo de ciclo e o tempo de trabalho disponível.

Durante a visita no chão da fábrica é importante também observar e registrar os estoques acumulados. Para representar os estoques, utiliza-se o ícone triângulo de advertência (Figura 3.19), indicando sua localização e o seu tamanho.

Após o desenho de todas as etapas do processo e seus respectivos estoques, passa- se para a representação dos transportes do produto acabado para o cliente e do fornecedor até a fábrica em análise. Esse movimento é representado pelo ícone de caminhão e uma seta larga (Figura 3.19). Após o desenho da última etapa de processo, indica-se o estoque de produto acabado e o movimento entre a expedição e o cliente, com informações sobre freqüência de entrega.

Na extremidade esquerda do mapa, representa-se o fornecedor de matéria-prima com um ícone fábrica e uma caixa de dados com informações sobre o tamanho do lote de entrega. Antes do primeiro processo, desenha-se o estoque de matéria- prima e um caminhão e uma seta entre esse estoque, com informações sobre freqüência de entrega.

Após o desenho do fluxo de material, passa-se para o desenho do fluxo de informações. As informações são representadas por uma linha estreita e, quando a informação é passada eletronicamente (via e-mail ou por meio de sistemas integrados), essa linha é em forma de um raio. O ícone caixa pequena é desenhado para identificar ou descrever as diferentes setas dos fluxos de informação.

O fluxo de informação é desenhado da direita para a esquerda do mapa, na parte superior do mapa. A primeira representação refere-se ao departamento ou setor de Controle de Produção (CP) que é desenhado por uma caixa processo. A partir do CP, partem linhas para o fornecedor e cliente. Conforme a Figura 3.19, há linhas separadas para as previsões e os pedidos. O CP geralmente coleta informações dos clientes e fábrica e envia instruções específicas para cada etapa de processo sobre o que deverá ser produzido e como. O CP também envia programações para a expedição informando que produtos e quanto de produtos devem ser enviados para

os clientes. Mapear essas informações é bastante complexo, sendo importante realizar uma visita ao chão de fábrica, investigando como as informações chegam para os responsáveis pela execução de cada processo.

Um ícone bastante usado é o de programação “vá ver”, representado por óculos, que indica a necessidade de se ir até o processo de produção, contar o estoque e ajustar a programação com base nessa informação.

Após representar os fluxos de informações da fábrica, pode-se analisar um aspecto crítico do mapeamento: os movimentos de materiais são empurrados pelo produtor ou puxados pelo cliente? O fluxo de materiais se comporta de forma empurrada, quando os fabricantes produzem independentemente das necessidades reais dos clientes.

Entre os problemas que são tipicamente identificados nestes mapas destacam-se: (a) existência de estoques em processo ou de produtos finais em função das diferenças entre a demanda prevista e a real; (b) cada processo tem a sua própria programação e funciona como uma ilha isolada, não conectada aos clientes internos e final; (c) tamanhos de lotes são definidos com base na perspectiva de um processo;

Com os dados obtidos, as condições do fluxo de valor podem ser resumidas por meio da linha de tempo. Esta linha de tempo é desenhada abaixo das caixas de processo e dos triângulos de estoque para registrar o lead time de produção, ou seja, o tempo que leva uma peça para percorrer todo o caminho no chão de fábrica, começando com a sua chegada como matéria-prima até a liberação para o cliente. O lead time (em dias) para cada um dos triângulos de estoque é calculado dividindo-se a quantidade em estoque pelos pedidos diários do cliente. Ao somar-se o tempo de ciclo de cada processo (lead time de processo) e o lead time dos estoques no fluxo de material, chega-se a uma estimativa do lead time total de produção. Outra informação obtida por meio da linha do tempo é o Tempo de

Agregação de Valor (TAV), também denominado de tempo de processamento, ou seja o tempo efetivamente gasto com atividades que agregam valor. Esse tempo é obtido somando-se os todos TAV de cada etapa do processamento. A diferença entre o lead time total e o TAV é um importante indicador de desperdícios obtido no mapa.

3.2.1.1.3 Mapeamento do estado futuro

Através do Mapa de Fluxo de Valor futuro, pode-se criar uma visão de como deveria ser o processo e compará-la com a situação atual, indicando possíveis benefícios, mesmo que o mapa futuro não seja integralmente implementado no curto prazo. Deve-se construir uma cadeia de valor, na qual os processos individuais são articulados aos seus clientes, por meio de fluxo contínuo e puxado.

Rother e Shook (1999) sugerem que as seguintes questões sejam feitas para a construção do MFV futuro:

− Qual o tempo takt?

Deve-se considerar a demanda de produtos pelo cliente e o tempo disponível para fabricá-los.

− Produzir para um supermercado ou diretamente para a expedição?

Deve-se verificar a necessidade da implantação de supermercados de produtos entre os processos. Se a demanda do cliente é imprevisível (aumenta ou diminui repentinamente) é necessário começar produzindo para um supermercado (item 3.1.5.1), para posteriormente produzir diretamente para a expedição. Para produtos sob encomenda é difícil o uso do supermercado ou produzir diretamente para expedição. Neste caso aconselha-se usar o sistema puxado seqüencial (item 3.1.5.2);

− Onde usar o fluxo contínuo?

Ao examinar os processos envolvidos, comparam-se os tempos de ciclo com o tempo takt. Se eles são próximos, sugere-se que os processos sejam produzidos em fluxo contínuo, fazendo com que os tempos de ciclo dos processos fiquem sempre abaixo do tempo takt calculado.

− Onde introduzir os sistemas puxados?

Deve-se analisar a necessidade de introduzir sistemas puxados. Os supermercados de produtos podem ser implementados nos pontos do mapa nos quais existe quebra de fluxo, ou seja, quando houver uma variação considerável de tempo de ciclo entre um processo e outro.

− Em que ponto da cadeia de produção se programará a produção?

Depende da escolha do processo puxador, ou seja, do processo que vai definir o ritmo da produção. Recomenda-se a escolha de um único ponto para a programação do processo, que regula o fluxo de valor completo do produto.

− É possível nivelar a produção no processo puxador?

Ao nivelar o mix de produtos uniformemente, faz-se com que a produção possa reagir rapidamente em caso de alteração da demanda;

− Qual incremento de trabalho será liberado uniformemente do processo puxador?

O incremento de trabalho deve se basear no tempo takt definido no item a.

− Quais melhorias no processo são necessárias para implementar o fluxo de valor proposto no mapa do estado futuro?

Registrar no mapa as melhorias que serão necessárias, tais como: reduzir tempo de ciclo, reduzir o setup, melhorar o tempo útil das máquinas.

A Figura 3.20 apresenta um exemplo de MFV futuro. A seguir estão listadas as melhorias no processo, que são normalmente requeridas para viabilizar o MFV do estado futuro para uma empresa:

− Redução do tempo de trocas e do tamanho dos lotes a serem entregues na empresa, para permitir uma resposta mais rápida às demandas dos processos seguintes. Deve-se ter como objetivo toda peça todo dia ou toda peça todo turno, configurando o que é denominado por Liker e Meier (2007) de nivelamento;

− Instalação de um supermercado e um pulmão de emergência no início do processo para reduzir os estoques antes e entre processos;

− Realização de esforços de melhoria contínua (kaizen) em cada um dos processos envolvidos para redução do tempo de processo de cada uma das fases; e

− Eliminação de desperdícios nos processos, principalmente estoques, para reduzir o lead time total.

Figura 3.20 Exemplo de Mapa do Fluxo de Valor no estado futuro (LIB, 2003)

3.2.1.1.4 Plano de trabalho e implementação

Inicialmente recomenda-se dividir a implementação em etapas, pois é muito complexo fazer todas as modificações necessárias simultaneamente. Rother e Shook (1999) sugerem dividir o Mapa do Fluxo de Valor do estado futuro em segmentos ou loops e desenhá-los no Mapa. Cada segmento deve ter listados seus objetivos e metas. Por fim define-se o plano de ação, que deve conter:

− Um planejamento das atividades detalhadas por etapa, com informações sobre o que fazer e quando;

− Metas quantificáveis; e

− Pontos de controle claros, com prazos reais e com avaliadores definidos.

Para iniciar a implementação do plano de ação, deve-se definir uma seqüência e um ponto de início. Para a definição do ponto de início, alguns fatores devem ser

Supermercado – estoque controlado

considerados (ROTHER; SHOOK, 1999):

− O processo deve ser compreendido pelos operários responsáveis;

− A probabilidade de sucesso deve ser alta; e

− O impacto financeiro deve ser previsto.

Uma sugestão dos mesmos autores é implementar primeiramente as etapas que estão mais próximas do cliente final. À medida que o processo puxador se tornar mais eficaz e confiável, este tende a revelar problemas nos processos anteriores, que posteriormente demandarão atenção também.

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