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O mapa enquanto um sistema semiótico cartográfico a partir da Teoria Cultural da

2. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO SISTEMA SEMIÓTICO CARTOGRÁFICO

2.4. O mapa enquanto um sistema semiótico cartográfico a partir da Teoria Cultural da

Para Vigotski (2012), cada disciplina escolar tem uma relação específica com o processo de desenvolvimento da criança, que se altera durante a passagem de uma etapa a outra. Afirma que todas as ciências devem reexaminar o papel e a importância de sua disciplina no posterior desenvolvimento psicointelectual geral da criança. Por fim, compreende a possibilidade de uma vastidão de objetivos de pesquisas experimentais extensivas e variadas na área educacional.

É possível partir do saber teórico de diferentes áreas da ciência na escola e cada uma delas tem um modo de compreender a realidade. Para compreender as transformações do espaço geográfico e suas complexidades, há que se desenvolver um pensamento teórico sustentado por conceitos/categorias geográficas (paisagem, espaço geográfico, lugar e território).

Sobre o papel e o valor do ensino de Geografia, Monbeig (1957) destaca seu potencial para desenvolver o senso do tempo e da realidade, assim como a observação, a escolha, a reflexão, a crítica nos alunos, além de contribuir para a formação de cidadãos.

Estudos anteriores com base na perspectiva histórico-cultural e no ensino de uma Geografia Crítica, também fundamentada no mesmo método, afirmam que se trata de um caminho para as práticas de ensino da Geografia à medida que fornece ferramentas importantes para que o professor se afaste de uma postura tradicional de ensino, como destacam Pereira et al. (2007).

A Geografia na escola tem um papel inquestionável, se ela não foi ensinada como deveria ter sido, tem sua parcela de responsabilização pelo desamparo de nossas sociedades, afirma Claval (2010), pois essa ciência permite uma compreensão relevante de como se construiu a Terra dos homens até os dias atuais, e em quais condições essa construção pode se manter.

Essa compreensão é possível por meio dos conceitos/categorias geográficas e a atuação do ser humano é a principal base, pois é ele o responsável pelas mudanças através do uso de ferramentas no trabalho. Logo, esse referencial teórico-metodológico se constitui como um grande potencial para pensar o ensino e a aprendizagem de Geografia.

No momento em que Vigotski (2007) afirma que a verdadeira essência da civilização consiste na construção propositada de monumentos pelos homens, para não esquecerem fatos

históricos, possibilita que tracemos um paralelo também com os mapas. Esses últimos, também foram, são e serão produzidos para guardar na memória, neste caso, o caminho, o lugar, um fenômeno geográfico ou outro.

Fonseca e Oliva (2013) consideram que traçar mapas responde a uma necessidade de explicitar a ordem das coisas e do mundo, sendo esta uma necessidade intrínseca à condição humana. Além disso, os mapas são construções feitas a partir de uma ou de várias escolhas e afirmam que:

O mapa é uma construção gráfica e social de visões do mundo em diversas escalas e modalidades. Longe de servir apenas como uma simples imagem da natureza, que pode ser verdadeira e falsa, os mapas descrevem o mundo recriando-o, do mesmo modo que outras elaborações humanas científicas ou culturais em geral o fazem. Nessa recriação, contam as relações e práticas de poder, preferências e prioridades culturais que compõem, por exemplo, as cosmogonias. O que vemos num mapa está relacionado ao mundo social e suas ideologias como qualquer um dos fenômenos vistos e medidos na sociedade e no espaço (FONSECA e OLIVA, 2013, p. 60).

A aproximação do mundo social e cultural na comunicação feita pelo mapa, como indicaram os pesquisadores na citação acima, nos incentiva pensar o mapa enquanto um Sistema Semiótico de Significação Cultural. Esse conceito permite compreender uma dimensão simbólica das culturas, ou seja, a ação concreta e material emerge um mundo de ideias e um mundo simbólico na produção e reprodução da vida (RADFORD, 2014). Além disso, constitui-se articulado com outros quatro princípios fundamentais: o “pensamento”, a “aprendizagem”, os “artefatos” e a “objetivação”, explicados de maneira mais detalhada no capítulo 1, tópico 1.4. Esses princípios, ao se apresentarem articulados, não podem ser pensados isoladamente.

O fato de compreender o mapa ocidental enquanto um sistema semiótico cartográfico, na presente pesquisa, consiste em reconhecer que se trata também de um artefato cultural, um saber resultante de uma forma de pensamento produzido histórico e culturalmente sobre o espaço e sua representação, logo permite uma determinada compreensão dos fenômenos. Esse entendimento se fundamenta em Radford (2006; 2007; 2014; 2017) que demonstra preocupação em contextualizar o artefato sem hierarquizar sua importância perante as outras culturas existentes no mundo.

Vigotski (2007) nos ajuda a pensar acerca do artefato. O conceito geral de artefatos ou adaptações artificiais se dissolve a partir das distinções entre os “[...] instrumentos como um meio de trabalho para dominar a natureza e a linguagem como um meio de interação social” (p. 53). A linguagem, especificamente, a palavra é considerada um signo. A mediação feita pelo signo é comparada a do instrumento no trabalho, no entanto, o signo age como

instrumento da atividade psicológica, ou seja, enquanto o signo orienta o comportamento humano internamente, o instrumento o orienta externamente.

O desenho, assim como a escrita, o uso do sistema de números e outros, são manifestações concretas que representam outras formas de atividades que usam signos (VIGOTSKI, 2007). Acrescentaríamos o mapa a essas manifestações.

Para Vigotstki (1995), no conceito geral de artefatos, a linguagem se dilui como meio social de comunicação e interação. Radford (2006) afirma que a mediação semiótica do pensamento em relação ao mundo ocorre através da forma e do modo de atividade dos indivíduos, com os artefatos (objetos, instrumentos, sistemas de signos, etc.), a linguagem, o corpo e outros. Isso significa que a maneira como pensamos e conhecemos está envolvida por significados culturais (concepções que envolvem natureza, modo de existência, relação com o mundo e outros) que atuam como enlaces mediadores entre a consciência individual e a realidade cultural objetiva. Trata-se da dimensão antropológica da teoria.

O pensamento se refere a um pensar que supera o plano cerebral e atinge o social, no chamado território do artefato. Sua natureza reflexiva envolve um “[...] movimento dialético entre uma realidade constituída histórica e culturalmente e um indivíduo que a refrata e a modifica segundo as interpretações e sentido subjetivos próprios”20 (RADFORD, 2006, p. 108).

Ao enfocar o mapa como um artefato que materializa um sistema semiótico cartográfico, o percebemos como um instrumento para uma prática, um conceito e um signo ao permitir com e por meio dele, compreender e pensar geograficamente sobre o espaço, a paisagem, o território e o lugar.

Se o objetivo da pesquisa é analisar os processos de subjetivação e de objetivação, a tomada de consciência subjetiva do conceito de mapa e de um de seus elementos cartográficos na sala de aula, há que se compreender que todas as perspectivas desse conceito devem ser trabalhadas reconhecendo a dialeticidade entre elas, sem perder de vista o movimento e a formação de subjetividades que valorizam a ética comunitária.

Um profundo e complexo entendimento do que isso significa para os processos de ensino e aprendizagem nos motiva a manter certo otimismo em relação ao potencial de desempenho da instituição escolar no Brasil. A medida que o professor se aproprie de teorias de correntes socioculturais, se responsabilize, não exclusivamente, pelo desenvolvimento de

20 Tradução nossa. “[...] movimiento dialéctico entre una realidade constituida histórica e culturalmente y un

individuo que la refracta (y la modifica) según las interpretaciones y sentidos subjetivos propios” (RADFORD, 2006, p. 108).

um sujeito consciente da sociedade e do mundo em que está inserido, ambos frutos de um conhecimento histórico e socialmente construído e tome consciência de que uma parcela da população não terá acesso do conteúdo oferecido pela escola em outro momento, maiores serão suas possibilidades de elaborar intencional e conscientemente um trabalho sistematizado que impactará o saber e o ser.

Importante esclarecer que a presente pesquisa não teve a intenção de tratar das questões que envolvem o quê ensinar dentro da disciplina de Geografia, mas muito mais, o como ensinar. Por isso, e também sendo coerente com o referencial teórico adotado, asseguramos que a escolha de ensinar o mapa e os elementos cartográficos como definidos atualmente dentro da nossa cultura se justifica pela importância que essa linguagem e esse conteúdo científico se revelam, a ponto de permitir e facilitar um deslocamento independente ou se tornar um obstáculo, dificultando ou restringindo o que é de direito do ser humano.