• Nenhum resultado encontrado

JORNALISMO ONLINE 71 4.1 INTERATIVIDADE

2 TECNOLOGIA, PRECISÃO E DADOS AO LONGO DA HISTÓRIA DO JORNALISMO

2.1 MAPEANDO OS TERMOS JÁ RECONHECIDOS

Se aceitarmos o conceito de jornalismo como sendo a “informação de fatos correntes, devidamente interpretados e transmitidos periodicamente à sociedade” (BELTRÃO, 1992, p. 67) e acrescentarmos a definição de informação como sendo “dados apresentados em uma forma significativa e útil para os seres humanos” (LAUDON e LAUDON, 2007, p. 9), podemos entender que o jornalismo sempre teve como matéria-prima os dados. A que fenômeno específico ou a qual novo processo, portanto, estamos nos referindo ao utilizar a expressão “jornalismo de dados”?

Para autores como Benetti (2009), os acontecimentos são a matéria-prima do jornalismo. Porém, creio que poderíamos decompor ainda mais este elemento constituinte, pois todo acontecimento tem uma estrutura em comum. Eles possuem uma data, um local, geralmente pessoas envolvidas, o básico para um lead, além de critérios de noticiabilidade que os tornaram interessantes o suficiente para serem transformados em notícia. Datas, locais, nomes, descrições, especificações são todos conversíveis em dados, ou seja, “sequências de fatos brutos que representam eventos” (LAUDON e LAUDON, 2007, p. 9). É possível que a visão do acontecimento como matéria-prima do jornalismo decorra de nossa memória das narrativas lineares, com os dados indistinguíveis no fluxo do texto. O jornalismo de dados rompe com este paradigma.

Ainda que o termo jornalismo de dados tenha uma história recente na literatura científica em língua portuguesa, outros termos, correlatos, já vem sendo utilizados proficuamente por autores brasileiros e portugueses da área das ciências da comunicação. Possivelmente, o mais frequente entre eles é o jornalismo digital em base de dados (ALMEIDA, 2012; BARBOSA, 2006, 2007a, 2007b, 2008a, 2008b, 2008c, 2008d, 2013; BARBOSA e ALBAN, 2010; BARBOSA e RIBAS, 2007; BARBOSA e

TORRES, 2013; BECKER, 2008; BURGOS, 2013; D'ANDRÉA, 2010; GONÇALVES, 2006; LARRONDO, MIELNICZUK e BARBOSA, 2008; RAMOS, 2010, 2011, SCHWINGEL, 2007), já conceituado anteriormente em nossa explanação sobre o paradigma JDBD. Outro termo com bastante visibilidade é o “jornalismo assente em base de dados” (BARBOSA, 2005, 2007b; FIDALGO, 2004, 2007a, 2007b; SERRA, 2004; SILVA et al., 2010; TORRES, 2007), utilizado de forma intercambiável com a expressão anterior.

À conceituação de Träsel (2013), citada em nossa introdução e selecionada como referencial principal para nossos desdobramentos, acrescentamos outros aspectos, oriundos de elaborações sobre o jornalismo guiado por dados forjadas em outros contextos. Acreditamos ser fundamental explorar outras concepções sobre o jornalismo de dados, ainda que já tenhamos exercido nossa escolha metodológica, em função de sua característica global e transcultural, que faz com que o tema seja explorado simultaneamente em diversos locais de pesquisa sem que haja necessariamente intercâmbio informacional entre eles.

Uma visão semelhante à de Träsel é detalhada e acrescida do aspecto da relação com dados abertos na literatura acadêmica alemã:

A crescente quantidade de “dados abertos” livremente disponíveis e de ferramentas para analisar esses dados deu origem a ideias de “ciência de dados” e “jornalismo de dados”. Ambas lidam com agregar, filtrar e analisar grandes conjuntos de dados, baseando-se em métodos estatísticos de análise de dados. (VOß, 2011, p. 3)29

No encontro das visualizações dinâmicas e narrativas originais com as fontes de dados nas mãos dos jornalistas é que parece estar a grande mudança no fluxo comunicacional, que distingue o jornalismo de dados de movimentos anteriores, como o RAC e o jornalismo de precisão. Gordon (2013) conta que nos anos 80 já analisava dados como repórter, mas

Agora a publicação da história é apenas o começo.

Os mesmos dados podem também ser

transformados em visualizações atraentes e

29 No original: “The growing amount of freely available ‘open data’ and tools to analyze this data has brought up ideas of ‘data science’ and ‘data journalism’. Both deal with aggregating, filtering, and visualizing large sets of data, based on statistical methods of data analysis.” Tradução nossa.

aplicações jornalísticas que as pessoas podem usar muito tempo depois da história ser publicada. (GORDON, 2013)30

Assim como o próprio jornalismo de dados, as narrativas jornalísticas também evoluem conforme recebem influências dos novos recursos digitais e se veem compelidas a migrar para os novos formatos. Concha Edo explica que

(...) uma das chaves desta nova narrativa está em dividir com critérios jornalísticos todo o conjunto noticioso e documental em elementos menores e mais manipuláveis com que se possa facilitar a navegação e a visualização do texto e das imagens (...). É o próprio leitor quem escolhe como quer utilizar o conteúdo dos meios de comunicação, é ele quem decide a trajetória e a ordem com que quer seguir em uma mensagem, ou um conjunto de mensagens por onde navega. (EDO, 2007, p. 8)31

É interessante também apontar as semelhanças entre a tendência jornalística atual em se trabalhar com dados e o conceito de business intelligence (BI), largamente utilizado nas áreas de administração e tecnologia da informação. As aplicações desse conceito são descritas da seguinte forma:

Os sistemas de Business Intelligence utilizam os dados disponíveis nas organizações para disponibilizar informação relevante para a tomada de decisão. Combinam um conjunto de ferramentas de interrogação e exploração dos dados com ferramentas que permitem a geração de relatórios, para produzir informação que será posteriormente utilizada pela gestão de topo das organizações, no

30 No original: “Now the publication of the story is just the beginning. The same data can also be turned into compelling visualizations and into news applications that people can use long after the story is published”. Tradução nossa.

31 No original: “(...) una de las claves de esta nueva narrativa está en dividir con criterios periodísticos todo el conjunto noticioso y documental en elementos más pequeños y manejables con los que se pueda facilitar la navegación y la visualización del texto y las imágenes (...). Es el propio lector el que elige cómo quiere enterarse del contenido de los medios, el que decide la trayectoria y el orden que quiere seguir en un mensaje, o un conjunto de mensajes por los que puede navegar.” Tradução nossa.

suporte à tomada de decisão. (SANTOS e RAMOS, 2006, p. 7)

Desta concepção, aliada aos aspectos apresentados anteriormente, podemos depreender que o jornalismo de dados é uma metáfora do BI na comunicação, tendo o público como cliente, um leque muito maior de apresentações e visualizações possíveis, as habilidades e ferramentas para compor narrativas, e frequentemente utilizando os dados abertos públicos e governamentais como bases a serem exploradas. Tudo isso aliado às técnicas de apuração exclusivas desta profissão, que permitem confrontar representação digital e realidade física.

Neste contexto, o jornalista também pode ser identificado como um “curador de informação”, no sentido de ser “alguém que coloca perspectiva sobre o dado” (CORRÊA e BERTOCCHI, 2012, p. 125). Mas cabe ao profissional o cuidado para se diferenciar com base em suas experiências, visão de mundo, especialização e sensibilidade humana, pois do contrário ele seria substituível por um algoritmo curador, que seleciona dados a partir de critérios matemáticos exatos e constantes.

Mirko Lorenz novamente possui uma colocação relevante que abarca todas estas perspectivas:

Então o jornalismo guiado por dados pode ser visto como um processo de refinamento, onde dados crus podem ser transformados em algo com significado. Como resultado o valor para o público cresce, especialmente quando fatos complexos são resumidos em uma história clara que as pessoas podem facilmente entender e lembrar. (LORENZ, 2010, p. 12)32

Simultaneamente, o conceito de jornalismo digital em base de dados (JDBD) foi desenvolvido por Barbosa (2006, 2007a, 2007b, 2008a, 2008b, 2008c) como um paradigma em uma etapa de transição entre a terceira e a quarta fase de evolução do jornalismo digital, recebendo essa denominação “em razão das funcionalidades asseguradas pelas bases de dados para a construção e gestão de produtos jornalísticos digitais, bem como para a estruturação e apresentação dos conteúdos” (2007a, p. 21).

32 No original: “So data-driven journalism can be viewed as a process of refinement, where raw data is transformed into something meaningful. As a result the value to the public grows, especially when complex facts are boiled down into a clear story that people can easily understand and remember”. Tradução nossa.

Este conceito ainda está bastante ligado a requisitos técnicos, mas a autora se aprofunda em direção à análise das mudanças estruturais que podem ser ocasionadas.

Fidalgo (2004, 2007a, 2007b), por sua vez, trabalhou o conceito de jornalismo assente em base de dados como sendo o gerador e o possibilitador de jornais on-line sem edições fixas, sendo cada edição apenas uma configuração possível gerada de forma automática pelos dados armazenados, consistindo em um grande fator de mudança na estrutura jornalística pré-conhecida. Além disso, o uso das bases de dados é responsável pela criação de um arquivo que fornece um background informativo imediato, acessado por meio de hyperlinks, em cada noticia, indispensável ao leitor contemporâneo com diferentes interesses de níveis de aprofundamento nos assuntos diversos.

2.2 JORNALISMO DE PRECISÃO E REPORTAGEM ASSISTIDA