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I’ve got the straightedge: quando a disciplina torna-se prática de resistência

2.8 Marcas corporais

Em um primeiro momento somos capturados pela força das imagens que os jovens exibem em seus corpos, em seguida buscamos a todo custo encontrar um significado secreto por trás destes desenhos, como se através dessa revelação pudéssemos ter acesso a uma faceta da personalidade daqueles indivíduos. De acordo com o psicanalista Joel Birman (2006), a cultura da tatuagem, que hoje se tornou “marca” e “marcador” da juventude contempor}nea, se estabelece como tentativa de preenchimento do vazio proporcionado pela invisibilização identitária. Dessa maneira, ao marcar o corpo em busca de visibilidade, o jovem tatua antes de qualquer coisa o desamparo; marcas que exprimem uma condição psíquica fragilizada. Tendo a discordar da argumentaç~o de Birman, primeiro porque, agenciado “com” Deleuze, entendo que ao desejo nada falta, e que ao contrário, o que ele busca incessantemente é mais conexões, e, depois, porque o desamparo, da forma como compreendo, se inscreve no conjunto das paixões tristes, aquelas que diminuem a capacidade de agir e de pensar, algo que, para mim, agora agenciado com Espinosa, tem relação direta com os afetos que atravessam os corpos. O fato de discordar da análise de Birman não está relacionado exclusivamente às argumentações de Espinosa e Deleuze, mas principalmente à experiência que me foi(é) proporcionada pelos convívio com os straightedges. A partir destas relações pude compreender que as marcas corporais expressam o excesso que transborda pelo (no) corpo desses jovens devido aos inúmeros agenciamentos que chegam até a eles, que pedem passagem através destes desenhos.

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Figura 15: Tatuagem guerreiro straightedge

Certamente, muitos pesquisadores que se deparam com esta imagem a relacionam diretamente com uma simbologia da guerra que geralmente é adotada por militares, membros de torcidas organizadas de futebol, e até mesmo participantes de organizações criminosas. É possível que muitos indivíduos que utilizem esse desenho atribua a ele uma espécie de descrição fiel de seus posicionamentos e crenças, buscando no desenho das metralhadoras a expressão de uma belicosidade que lhe é inerente, porém, não podemos reduzir uma variedade de significados a apenas um. Existem outras possibilidades de interpretação desse desenho, e isso varia de acordo os sentidos que cada um atribui a essa apropriação imagética. No caso do desenho acima, devemos levar em consideração algumas características que muitas vezes passam despercebidas como: o fato das metralhadoras estarem em forma de “X”, o fato delas serem vazadas, o fato delas estarem conectadas ao nome straightedge, o fato de estar sob o peito e não em outra parte do corpo, como também o fato daquele ou daquela jovem gostar de um determinado gênero do hardcore que se conecta a essas imagens, etc. Além dessas características, existem outras não menos importantes que estão relacionadas à estilística do desenho, aos formatos, às cores, às

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dimensões da figura, todos esses detalhes estão presentes na escolha de uma tatuagem.

Na primeira Verdurada que participei em São Paulo, mais precisamente no dia 16 de março de 2008, conversei com um straightedge sobre tatuagens. Estava tão entusiasmado com as apresentações que não me preocupei em ficar observando as pessoas que estavam em volta. Foi então que no intervalo de um dos shows observei um jovem sentado com um tímido “X” vermelho riscado nas m~os. Resolvi me aproximar para tentar uma conversa, pois notei que ele estava “sozinho” e parecia n~o conhecer muitas pessoas no local, condição que também era partilhada por mim naquele dia. Fui até onde ele estava e sentei ao seu lado, e para iniciar uma conversa perguntei se ele sabia qual seria a próxima banda que se apresentaria, claro que eu sabia o nome da banda, mas essa foi a primeira pergunta que me veio à mente, e ele me respondeu que n~o “estava por dentro” da ordem de apresentaç~o das bandas. Para estender a conversa disse que conhecia poucas bandas que se apresentariam naquela noite, pois estava pela primeira vez numa Verdurada e que morava em São Paulo há pouco tempo, na ocasião disse que era cearense e que estava morando em Campinas. Após conversarmos um pouco sobre nossas respectivas cidades, sobre preferências musicais, sobre nossas ocupações, me senti a vontade para pergunta-lhe sobre sua tatuagem, quis saber se o “X” que trazia na m~o havia sido resultado de um

branding86. Ele disse que não. Resolveu fazer daquela cor (vermelho bem claro, cor da

pele) por medo de não ser aceito em algum emprego mais adiante, acrescentou que existe muito preconceito com pessoas tatuadas, principalmente se forem tatuagens que estejam à amostra. Então perguntei há quanto tempo tinha aquela marca em sua mão, ele me disse que fazia mais de dois anos. Em tom de brincadeira, questionei se ele n~o tinha medo de se arrepender, caso ele deixasse de “ser” straightedge (se isso for possível). Ele me respondeu com toda convicção: “Isso nunca vai acontecer! Nunca usei nenhuma droga. Nunca bebi, fumei, n~o gosto nem que fumem perto de mim”.

86O branding é uma técnica de modificação corporal (body modification) que consiste na marcação do

corpo por intermédio de um ferro em brasa, que é aquecido pelo tatuador com um maçarico. Esta técnica se assemelha àquela que é utilizada para a marcação do gado nas fazendas, sendo considerada por muitos profissionais como um procedimento doloroso e arriscado.

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A partir dessa descrição tive acesso a uma das inúmeras possibilidades de interpretação dos desenhos corporais que os jovens trazem consigo. A tatuagem que ele trazia na parte de fora da mão havia sido planejada levando em consideração a dificuldade que pessoas tatuadas possuem para adentrar no mercado de trabalho, principalmente se os desenhos estiverem localizados em partes do corpo que oferecem uma maior visibilidade, o que supõe uma negociação de sentidos entre o desejo do jovem e uma convenção social. Mesmo correndo o risco de ter diminuída a possibilidade de ingressar no mercado de trabalho convencional, o jovem decidiu fazer o “X” na m~o, n~o se submetendo a uma regra social vigente, pois além do desejo de marcar o corpo com um desenho específico, está em jogo uma resistência solitária, a tatuagem como estética da dissidência87. Inspirado nas análises de Norbert Elias

acerca de sua genealogia dos costumes, e possuindo como recorte o exagerado controle corporal decorrente do processo civilizador, o sociólogo Michael Atkinson (2003;2006) apresenta uma análise minuciosa dos sentidos que os straightedges canadenses investem em suas tatuagens, mostrando que para muitos desses jovens essa forma específica de modificação corporal é percebida como uma resistência austera às normas sociais impostas ao corpo. “Straightedge corporeal resistance

through tattoing is discursively arranged as a controlled and rationalized form of dissent”. (2003:215).

87Para o sociólogo português Vitor Sergio Ferreira (2007) a tatuagem aparece como uma “ética da

divergência”, uma marcaç~o estilística pela qual os jovens produzem e deixam reconhecer suas filiações à determinados posicionamentos e o modo como percebem e se relacionam com o mundo.

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Figura 16: Tatuagem Poison Free Figura 17: Tatuagem Drug free (Foto por Ana Sartelli)

Outra perspectiva de interpretação que é atribuída à utilização de tatuagens pelos jovens que estão inseridos em agrupamentos juvenis urbanos, é aquela que define a escolha de certas marcas corporais como rito de passagem. Existe uma vasta bibliografia antropológica que atestam a importância das modificações corporais nas sociedades ditas “tradicionais” (Mauss, 1997; Lévi-Strauss, 1997; Clastres, 1990; Seeger, 1980), mas não apenas, há também antropólogos e sociólogos que se dedicam { compreens~o dessas mutações em nossos dias, nas chamadas “sociedades complexas” (Atkinsons, 2003; Le Breton, 2003; Ferreira, 2006). No caso dos straightedges, é possível que muitos jovens encarem a inscrição de insígnias sobre o corpo como uma espécie de rito de passagem, porém, trata-se de um rito profano que não é mediado pela esfera do sagrado e não possui relação com o funcionamento de uma ordem social. Diversos interesses podem estar em jogo no investimento dessa ação ritual, desde a possibilidade deste jovem se reconhecer e ser reconhecido como membro de um grupo, até a busca por um prazer sensorial extraído do processo de

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inscrição corporal. Conforme já expus anteriormente, é comum nos shows de bandas straightedges, muitos iniciados marcarem suas m~os com um “X” utilizando um pincel. Apesar de não ser uma tatuagem permanente, muitos jovens encaram essa marcação ritual com a mesma seriedade que teriam caso resolvessem tatuar o símbolo de maneira definitiva. Dois importantes acontecimentos no qual estive presente - um na condiç~o de “testemunha” e outro na condiç~o de “agente” - descrevem de maneira significativa o valor que alguns straightedges atribuem aos seus símbolos, sejam eles “permanentes” ou n~o.

Ato 1 – Tudo aconteceu no dia 10 de setembro de 2005. Na ocasião morava em

Natal (RN), e apesar de eu já estar cursando o mestrado em Ciências Sociais nesta cidade, nem pensava em estudar os straightedges. Sempre que podia ia aos shows que aconteciam nos clubes da Rua Chile, espaços que eram há alguns anos atrás considerados “points” dos rockeiros potiguares. No mês de setembro aconteceu um evento chamado “Geladeira em Fúria”, organizado por jovens produtores que possuíam um pequeno selo musical chamado “Geladeira Discos”. Como havia uma grande quantidade de bandas para se apresentar em um único dia, eles resolveram dividir o evento em dois, utilizando dois sábados consecutivos. Por um motivo qualquer resolvi não ir à primeira noite do evento e priorizei a segunda porque haveria bandas que me interessavam especificamente, principalmente as bandas cearenses que se apresentariam na ocasião, pois muitos de seus integrantes eram meus amigos. Nesse mesmo dia fiquei conhecendo os integrantes de uma banda de metalcore da cidade de Maceió chamada “Contra”, que tinha na sua formaç~o dois straightedges. O acontecimento significativo ao qual me referi anteriormente aconteceu no show dessa banda, ou melhor, após a sua apresentação.

Não é novidade que alguns jovens adeptos do cenário heavy metal nutrem pelo estilo de vida straightedge certa antipatia ou falta de apreço88, por este se

fundamentar em críticas contundentes ao consumo de drogas de uma maneira geral.

88 É importante esclarecer que n~o se trata de uma regra seguida por todos os jovens “metaleiros”, pois

existem bandas straightedges que são bastante apreciadas por esse público como Heaven Shall Burn (Ale), Earth Crisis (EUA), Confronto (BRA), etc,. À propósito, é bastante comum encontrarmos em eventos como a Verdurada, jovens straightedges com camisetas de bandas thrash ou death (sub- generos do heavy metal).

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Muitos headbangers encaram o consumo dessas substâncias como uma espécie de ritualização que compõe o repertório de práticas do universo heavy metal, atitude que se expressa claramente nas letras de algumas bandas do gênero89.

Fiz esse pequeno parêntese, pois ele nos ajudará a entender melhor o acontecimento que narrarei em seguida. Como eu já havia explicitado, várias bandas se apresentariam nesse evento, dentre as quais algumas bastante apreciadas pelo público heavy metal, o que significa dizer que havia muitos adeptos desse estilo, alguns deles bastante alcoolizados. Enquanto circulava pelo local do show, avistei dois jovens caracterizados como metaleiros (cabelo comprido, camiseta preta, braceletes) e que me chamaram atenção por ambos terem desenhado em suas mãos figuras geométricas (um quadrado e um circulo), percebi que era uma espécie de brincadeira com os straightedges que estavam no local, e que exibiam o “X” característico. Quando a banda “Contra” estava montando o seu equipamento para a sua apresentaç~o, esses dois jovens metaleiros se aproximaram do palco improvisado, como se quisessem de alguma maneira provocar os integrantes da banda, algo que se tornou mais visível durante a apresentação. A todo instante os dois levantavam as mãos e falavam palavras depreciativas sobre o straightedge, em resposta, o vocalista no intervalo das músicas pedia que essas pessoas tivessem respeito por eles e por suas escolhas. Percebi que aquela história não acabaria bem, pois os dois jovens não pararam de provocar os músicos, mesmo depois dos pedidos que foram feitos por um dos integrantes.

Era visível no rosto deles (da banda) o descontentamento diante daquela situação desconcertante, até que ao findar a apresentação, aquilo que eu previa aconteceu: todos os integrantes partiram em direção dos dois jovens com intuito de agredi-los, o que de fato aconteceu. Rapidamente os organizadores do evento e membros de outras bandas agiram para conter a fúria dos músicos, que estavam transtornados. Imediatamente puseram os dois “metaleiros” que estavam bastante

89 De acordo com Janotti Jr. (2004), o álcool, as drogas, o sexo e a liberdade conquistada nas estradas

através da velocidade automotiva s~o temas bastante caros ao universo “met|lico” e devem ser atribuídos a influência que bandas como Ted Nugent, Lynyrd Skynyrd e Molly Hatched exerceram sobre o estilo.

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alcoolizados para fora do estabelecimento e a situação foi contornada sem maiores problemas. Depois que eles estavam mais calmos fui conversar com o vocalista da banda, que me revelou não ser adepto da violência gratuita, mas que tinha perdido a paciência com aquelas pessoas que haviam os desrespeitado profundamente.

Ato 2 – Quando eu tinha entre 19 e 20 anos ganhei uma tatuagem através de

um sorteio num programa de rádio especializado em Rock na cidade de Fortaleza. Desde garoto, sempre quis fazer uma tatuagem, e quando surgiu a primeira oportunidade concreta não pensei duas vezes. No dia marcado fui ao ateliê do Júnior Animal, o tatuador que havia oferecido esse brinde no programa com intuito de divulgar seu trabalho. Ao chegar lá não tinha idéia do que fazer, ele me mostrou inúmeros catálogos com vários tipos de desenhos, mas eu não conseguia me decidir, pois o desenho não poderia ser muito grande devido à regra da promoção. Resolvi tatuar um coração sagrado90 no braço direito, pois era um desenho que eu

considerava (e considero) bonito e que pode ter vários significados. Depois de escolhido ele me perguntou se eu queria escrever algo dentro da flâmula, eu rapidamente falei: põe as letras SXE e expliquei para ele os motivos de minha escolha, disse que me identificava com a causa straightedge e gostaria de expor no desenho esse ponto de vista. Ele não questionou, disse que já tinha ouvido falar dessa filosofia de vida e que admirava bastante as pessoas que conseguiam se manter constantemente sóbrios.

Depois de 10 anos, quando passava férias de final do ano na cidade de Fortaleza, resolvo fazer novas tatuagens, dessa vez procurei um velho amigo que recentemente tornara-se tatuador, pois queria fazer umas mudanças no antigo desenho e obter mais dois novos. O mais interessante é que há alguns anos atrás eu tinha decidido que não faria mais desenhos no meu corpo, porém quando comecei a fazer a pesquisa de campo esse velho desejo veio à tona, percebi que ele não se extinguira, mas sim que estava em repouso esperando novos agenciamentos. Semelhante à primeira vez, também não sabia quais desenhos deveria fazer e resolvi

90 O coração sagrado é um dos desenhos mais solicitados aos tatuadores, consiste basicamente na figura

de um coração em chamas que é estilizado de diferentes maneiras: com flâmulas, asas, espinhos, crucifixos, etc,.

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consultar os catálogos para escolhê-los, porém, antes tinha que fazer umas mudanças na antiga tatuagem, pedi ao Felipe, meu amigo tatuador, que pusesse umas asas e umas rosas em volta do coração, alterações essas que foram feitas rapidamente. Depois voltei no ateliê mais três vezes para concluir os outros dois trabalhos e na última sessão resolvi tomar uma decisão importante: pedir a Felipe que cobrisse com traços escuros as letras SXE que estavam escritas na flâmula. Nesse dia tinha alguns amigos straightedges no local e pude perceber em seus olhos um certo desapontamento comigo em virtude dessa decisão. O próprio Felipe que também é straightedge disse em tom de brincadeira: “Pô, Batista! Você me apresentou o straightedge e agora está pedindo para eu apagar essas letras do seu braço? Não posso fazer isso! Pude notar que mesmo de forma descontraída, ele demonstrara uma certa insatisfação, como se não acreditasse no pedido que tinha feito. Expliquei para ele que o fato de eu estar escondendo essas letras não significa que eu esteja esquecendo a importância que elas possuem em minha vida. Naquele dia, sai do ateliê pensativo, como se tivesse sofrido uma grande transformação, o que de fato aconteceu.

Resolvi trazer essas duas pequenas histórias para ilustrar a importância que as imagens, os símbolos, exercem sobre nossas vidas, e que ao contrário do que muitos podem pensar, eles não fixam territórios apenas através do corpo sob a forma de tatuagens, eles codificam territórios subjetivos, segmentando algumas linhas e bloqueando outras. Mais difícil do que apagar os códigos corporais inscritos pela tatuagem, é apagar os códigos que sobrecodificam as linhas que compõem nosso mapa subjetivo.

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2.9 - Estilo de vida ascético e rebelião contra os “excessos”

I don’t smoke / don’t drink/ don’t fuck /At least i can fucking think/ I can’t keep up/Out of step of the world.

(Out of Step – Minor Threat)

Além da abstinência do consumo de drogas e o vegetarianismo, os

straightedges são reconhecidos em vários países como jovens que se opõem ao

chamado sexo casual ou “descompromissado”. Alguns pesquisadores norte americanos (Atkinson, 2006; Haenfler, 2004) percebem nessa escolha de alguns jovens uma espécie de rebelião contra as mais diferentes formas de excesso encontradas atualmente, desmistificando possíveis conexões com puritanismo presente em algumas religiões. Porém, eles não desconsideram o fato de alguns jovens

straightedges associarem essa abstinência sexual a outros motivos.

"Eu não sou a favor da promiscuidade, mas acho que a pessoa deve ter a liberdade pra fazer o que bem entende com o corpo dela né? A partir do momento que ela deixar de ser straightedge, ela pode deixar de ser ...e essa quest~o assim, “eu vou preservar meu corpo!"", eu apoio né? ...eu acho que a pessoa deve ter liberdade, ela deve ter consciência do que está fazendo com o corpo dela” (C, 23 anos). “É lógico que você pode estender o lance do sxe de você evitar obsessões, de você evitar vicio e tudo mais ao negócio do sexo, de você ter uma disciplina pessoal, mas isso não qualifica ou desqualifica ninguém em torno do sxe . Sempre teve uma porrada de straightedge com as condutas sexuais mais diferentes que você pode imaginar" (P, 29 anos – grifo meu).

Durante as entrevistas todos os jovens - mesmo apresentando diferentes argumentações – disseram-se contrários a uma suposta banalização do sexo, porém, ficou bastante claro que a abstinência ao chamado sexo casual ou “promíscuo”, n~o está vinculada a alguma doutrina religiosa em específico. Penso que existem dois elementos que estão intimamente relacionados com a proliferação desse discurso entre os straightedges brasileiros: o que eles chamam de antissexismo, ou seja, um

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posicionamento crítico diante do que consideram um desrespeito ao seu próprio corpo e ao corpo do outro, em especial ao corpo da mulher; e também uma forte influência do movimento hare krishna, que foi introduzida pela banda norte americana Shelter, conforme foi explicitado anteriormente. Entendo que os dois discursos não são antagônicos, porém, estão situados em matrizes distintas. Pois, enquanto o primeiro está fundamentado na crítica da desigualdade entre os gêneros, o segundo se apresenta como uma espécie de purificação do corpo. Diante desses elementos que caracterizam a filosofia straightedge, é possível falar de um ascetismo juvenil contemporâneo? Ou ainda, de uma “estetizaç~o da vida” em pleno século XXI?

O ascetismo em sua definição mais usual, geralmente relacionado ao modo de vida daquele que habita um monastério ou convento, compreende um conjunto de práticas que visa uma espécie purificação do corpo por intermédio da privação de prazeres mundanos. É através do aperfeiçoamento do espírito, e consequentemente da “mortificaç~o” do corpo, que o asceta crist~o se conecta ao divino. J| a idéia de ascetismo desenvolvida por Max Weber em A Ética protestante e o espírito do

Capitalismo (2004), apresenta outra definição, que está centrada na maneira como os

protestantes calvinistas buscavam garantir a manutenção de um paraíso terrestre por intermédio da renúncia a certas práticas consideradas inapropriadas ao seu estilo de vida. Para os calvinistas, que acreditavam na doutrina da predestinação, era na vida

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